Por Maria Lucia Solla
Etiqueta saiu de moda, educação agoniza, respeito é desrespeitado a cada momento, honra é palavra do passado, e ainda bem que, muitos de nossos pais e antepassados não viveram para ver. No tempo deles, o objetivo era crescer, aprender, para chegar a ser uma pessoa de bem. Ser de bem era indispensável, então, para atingir o ponto mais elevado da escalada. Queria dizer ter educação, saber falar direito, ter um bom carro, casa própria, oferecer a melhor educação possível para os filhos e manter o nome limpo. Ah, manter o nome limpo era condição primeira. Matava-se pelo nome e pela honra.
Quem vinha de família pobre, de imigrantes recém chegados, como era o caso de meus pais, espichava o braço firme e determinado, apontava o dedo indicador para frente e para o alto e dizia, é lá que eu vou chegar. Uns se punham a estudar de dia e a trabalhar de noite porque recebiam apoio e sacrifício de toda a família. Todos por um, era o lema. Outros não podiam se oferecer o luxo do estudo porque de seus braços dependia parte da refeição levada à mesa. Era luta pela sobrevivência.
Cresci ouvindo e vivendo essas histórias. Havia briga e desentendimento, mas havia muita risada também, e muita festa, com música e mesa farta. Criança lavava as mãos antes de ir para a mesa, chamava seus pais de senhor e senhora, pedia benção e comia o que se punha no prato. Era sempre lembrada daqueles que não tinham o que comer, portanto, comida não se desperdiçava e pronto. Lembro que meu avô e meu pai beijavam o pão, antes de comer, e eu achava tão bonito.
Os imigrantes exerciam a etiqueta que trouxeram da Europa como podiam, cada um de acordo com as condições de educação e de sucesso financeiro alcançadas. A psicologia também entrava onde dava. Minha bisavó, por exemplo, era excelente atiradora de tamanco de madeira. Tio Neno contava que se virasse a esquina, correndo dela, os tamancos viravam atrás, com velocidade sempre crescente, desafiando as leis da física. Também não se falava bom português, naqueles grupos de imigrantes. As tribos criavam linguagens paralelas, dependendo de sua origem.
Agora, honra era palavra que faziam soar em todas as línguas, em tom mais grave e reverente. Entendi, no pequeno mundo onde cresci, que a sociedade era dividida em pessoas de bem e as outras. A história do fio do bigode selando acordo era recorrente na conversa de gente grande.
Muitas primaveras chegaram e partiram, desde a chegada dos imigrantes e a sua final partida, e nós supostamente evoluímos. No entanto, hoje, é comum chamar políticos e gestores públicos, à boca pequena e grande também, de desavergonhados, lavadores de dinheiro, gestores fraudulentos, burros, patrulheiros morais esfarrapados, indignos, violentos, picaretas, mensaleiros, bandidos, formadores de quadrilha, bandoleiros e doleiros, ginastas midiáticos, sacripantas, ladrões, demagogos, velhacos, patifes, devassos, vira-casaca, e ninguém liga.
O que diriam meu pai e meu avô? E os seus?
Pense nisso, e até a semana que vem.
Maria Lucia Solla é professora, terapeuta e autora do livro De bem com a vida mesmo que doa, lançado pela editora Libratrês. Aos domingos, está neste blog com textos sobre o cotidiano.
Cara Professora,
Lamento, mas essas mesmas pessoas tão queridas eram exatamente aquelas que achavam que os Getúlios e Malufs eram bons administradores…
Exceto as famílias ligadas aos Anarquistas e Socialistas, todos tinham a ilusão de que os políticos populistas eram uma maravilha e que estes sim eram os homens de “bem”…
Aliás tinham, não; têm, pois continuam a ser eleitos para prosseguir nas Câmras Municipais, Federais, Prefeituras e onde quer que se sintam livres para atuar impunemente acima da Lei…