Conte Sua História de São Paulo: brinquei entre os cavalos da repressão e as moças do hotel

Dalton Giovannini

Ouvinte da CBN

Av. Casper Líbero em foto Wikipedia

Nasci no coração de São Paulo, na Avenida Casper Líbero, durante a década de 1960. Minha infância foi marcada pela necessidade de adaptar-me às escassas opções de lazer na sobreloja do prédio onde morávamos.  Não havia espaço de convivência e jogar bola nos estreitos corredores era um desafio, enquanto pedalar meu triciclo nas calçadas se tornava um espetáculo encantador, apesar dos transtornos causados aos pedestres.

Em uma ocasião memorável, enquanto passeava com minha tia Lucia, uma confusão repentina nos fez buscar refúgio no fundo de uma loja. As portas de ferro foram baixadas apressadamente, revelando uma cena de cavalos em disparada e pessoas fugindo—um reflexo dos desafiantes tempos que enfrentávamos.

Todos os dias, eu e minha irmã atravessávamos a magnifica Estação da Luz a pé, passando pelo parque em direção à escola estadual Prudente de Morais, que hoje faz parte da Pinacoteca. Admirávamos suas fontes, hoje secas, e brincávamos com os girinos que se reproduziam nas águas. 

Durante aquela época turbulenta, nossa escola, por vezes, recebia ameaças. Sem entendermos bem o que ocorria, vivíamos o inesperado prazer de sermos levados ao quartel da ROTA, situado em frente à escola. Ali, passávamos horas explorando os carros e equipamentos da polícia até que a situação se esclarecesse—momentos que se gravaram em minha memória.

Após as aulas, eu frequentemente visitava um pequeno hotel na rua Washington Luis, cujas funcionárias me recebiam com balas, doces e carinho. Embora na época eu não compreendesse exatamente o que elas faziam ali, essas visitas eram sempre um ponto alto do meu dia. Curiosamente, também me intrigava um bar na Avenida Cásper Líbero, que escondia pequenos “quartos” em seu interior. Sempre que tentava espiar, o dono do bar me repreendia carinhosamente, chamando-me de “mosquitinho elétrico”.

Outro momento inesquecível era a chegada dos primos que moravam nos bairros residenciais de São Paulo. Eles ficavam fascinados com o elevador do nosso prédio, que era cenário de muitas brincadeiras e frequentes reprimendas do zelador.

Apesar de ser um garoto tipicamente urbano, minha infância naquele cenário foi excepcional, permeada por garrafas de leite de vidro e emoções intensas. Naquela época, não era comum ter redes de proteção nas janelas, e brincar de se pendurar nelas era um passatempo recorrente.

Em 1970, aos oito anos, mudei-me para o bairro do Tucuruvi, na Vila Mazzei, onde vivenciei uma infância diferente, com algumas deficiências que trouxe do centro: nunca aprendi a empinar pipa e jamais avancei além da posição de goleiro. Mas foi lá que conheci Zé Grilo, um amigo que permanece ao meu lado até hoje e cuja memória fantástica guarda histórias que até eu duvido ter vivido. 

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Dalton Giovannini é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Seja você também um personagem da nossa cidade. Escreva seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos, visite agora o meu blog miltonjung.com.br e o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: brincadeiras nos paralelepípedos da minha cidade

Gláucia Rosa

Ouvinte da CBN

Imagem criada no Dall-E

Nasci no Hospital Nove de Julho, na época em que meus pais moravam na Vila Mariana. Vivemos na rua Dona Avelina até os meus 5 anos de idade.

Os muros das casas eram baixos, bem como seus portões. Acreditávamos que o “velho do saco” levava, em seus enormes sacos apoiados em suas costas, crianças desobedientes. Sim, éramos constantemente ameaçados de sermos carregados pelo “velho do saco”. Mas, imagine você, aos quatro anos de vida, a menina travessa, com muita energia, corria e brincava na rua.  Rua de paralelepípedo. 

Será que os nascidos no século XXI sabem ou já pisaram numa rua assim?  Eu não só pisei como me ralei algumas vezes.

Digo sempre que estreei meus joelhos nos paralelepípedos da Vila Mariana. O primeiro tombo, inesquecível! Mesmo porque foi curado com mertiolate — o que arde, cura!. 

O progresso e as melhorias da pavimentação chegaram e, nos meus cinco anos de idade, mudamos da Vila Mariana para o Planalto Paulista. Sensacional! Ladeiras lisas. As ruas já com asfalto pareciam um escorregador. Brincávamos de pega-pega, esconde-esconde, queimada, pula-corda e os meninos mais velhos e descolados ousavam se arriscar, ladeira a baixo na “pilotagem” de um carrinho de rolimã “made in home”.

Que época interessante. Nós, crianças até a década de 1970, amávamos quando, à noite, a luz do interior de nossas casas e das ruas era, repentinamente, cortada, e não chovia. Claro, era a combinação perfeita para deixarmos de fazer nossas tarefas escolares, buscar as lanternas e correr para a rua, onde encontraríamos com nossos amigos e amigas e as brincadeiras começavam.

Nossos pais, com olhos a postos, nos vigiavam atentamente sobre os baixos muros, pois, a escuridão era algo assustador… Era mesmo?

Assim que a luz voltava, se antes das dez da noite, ok, poderíamos seguir mas, se já passasse meia hora que fosse, “stop”, parem tudo, vamos entrar e dormir. Amanhã é dia de aula e vocês têm que acordar cedo!

Esta história é uma pequena recordação de uma infância paulistana, vivenciada nas décadas de 60 e 70, que se passava, literalmente, na rua que tinha casas com portas abertas ou destrancadas. Época em que se podia encontrar cadeiras nas calçadas, sobretudo, no verão, ocupadas pelas moradoras das vizinhança, para aquele bate-papo.

Pensar que Sampa um dia já foi vivida com pouco ou quase nenhum medo nas suas ruas que, majoritariamente, eram palcos de brincadeiras e felicidade.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Glaucia Rosa é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Seja você também uma personagem da nossa cidade. Escreva agora o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: Luizinho, o guarda do coração da cidade

Odnides Pereira

Ouvinte da CBN

Reprodução de jornal da época

Nasci na zona norte de São Paulo, em 21 de abril de 1959. 

No início dos anos de 1970, eu trabalhava como office boy e para entregar a  correspondências, às vezes, cruzava a rua Coronel Xavier de Toledo com a Praça Ramos de Azevedo,  onde havia a antiga loja Mappin, no centro. 

Uma personagem daquela época trabalhava organizando o trânsito e proporcionando segurança aos pedestres: o Guarda Luizinho, apelido que Luiz Gonzaga levou para  a vida.

Muitas vezes, eu ficava parado na calçada, em frente ao Mappin, apenas para assistir às peripécias que esse guarda de trânsito proporcionava ao público. 

Quando o motorista parava em cima da faixa de pedestre, Luizinho abria a porta e pedia que os pedestres passassem por dentro do carro, haja vista que o infrator estava bloqueando o caminho.

Ele também não deixava barato para os pedestres descuidados. Quando um de nós, impaciente, não esperava o farol fechar para os carros e ameaçava cruzar para o outro lado da via, o Guarda Luizinho também intervinha. Pegava o pedestre pelo braço e o fazia voltar à calçada da qual havia saído. Uma caminhada curta, mas suficiente para que ele desse o maior sermão. 

Às vezes, ele aproveitava essa situação para cantar. Uma de suas músicas favoritas era “Eu nasci há dez mil anos atrás”, de Raul Seixas. Naqueles tempos, fim dos anos de 1970 e início de 1980, o  Guarda Luizinho havia ficado famoso devido as reportagens publicadas nas rádios, nas emissoras de televisão e nos jornais. 

Atualmente, Luiz Gonzaga mora na minha zona norte, está com 88 anos e faz parte do Conselho de Segurança de Santana. Para ele, que segue sendo nosso Guarda Luizinho, com a função atual pode seguir ajudando as pessoas, em São Paulo

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

O Guarda Luizinho, ops, Odnides Pereira é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Seja você também uma personagem da nossa cidade. Escreva agora o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: vamos vestir a cidade de flores

Amaryllis Schloenbach

Ouvinte da CBN

Imagem da poetisa Colombina, a Cigarra do Planalto

O meu amor por esta encantada cidade brotou desde a mais tenra infância. Era bem pequena e ouvia meus pais enaltecerem louvores aos inúmeros atributos de São Paulo. Tenho gravado na memória a ideia de que meu pai nadava em um límpido Rio Tietê e minha mãe transportava para a tela as paisagens bucólicas que se estendiam pelo planalto.

Eu nasci no Bixiga, onde voltei a residir quando adulta, e onde moro no mesmo endereço, desde 1981. Aqui aguardo o momento de partir para o mundo das estrelas. 

Foi para essa decantada região histórica e turística que dediquei o meu poema “Postal do Bixiga”. Apesar dessa relação amorosa com o bairro e arredores, minha infância se desenvolveu, nos idos da década de 1940, em Pinheiros, lugar pelo qual tenho amáveis lembranças. 

Muitas vezes fui levada a respirar o delicioso ar do bosque de eucaliptos, a pescar com peneira os peixinhos do rio que leva seu nome. Naquela época, meninas e meninos felizes, coleguinhas do grupo escolar, brincávamos tranquilamente na rua, jogávamos bola, trocávamos figurinhas, e brigávamos, também, só pelo prazer de fazer as pazes. Ao anoitecer, as mães nos chamavam da janela das casas para o banho, imprescindível graças ao barro e aos arranhões que acumulávamos no decorrer das tardes.

Era hábito, aos domingos após o almoço, junto com os primos, sermos levados ao Parque Trianon, para a diversão de observar as árvores, os animais que lá eram mantidos bem cuidados e, acima de tudo, apreciar a incrível performance do bicho-preguiça.

Outro passeio que sempre lembro com saudades era ao Viaduto do Chá, nos fins de tardes, para acompanhar o chilrear de incontáveis pássaros, que se recolhiam nas frondosas copas das árvores, plantadas próximas as escadarias, nas imediações do Teatro Municipal.

Saudosa, também, das visitas que fazia a minha tia-avó, a consagrada poetisa Colombina, a Cigarra do Planalto, que então morava em um apartamento no Largo do Arouche, onde no espaçoso terraço escreveu vários livros, deixando versos imortalizados como os de “As Árvores da Praça da República”.

Aproveito a conclusão desse relato e faço apelo aos meus conterrâneos. 

Antes devo contar para aqueles que não conhecem o passado de nossa cidade que, no fim da década de 1950, o jornal “A Gazeta”, que gozou de grande prestígio até sua extinção, promoveu campanha com uma série de 50 reportagens sob o título “Vamos Vestir São Paulo de Flores”. A promoção foi levada a cabo pela redatora Maria Thereza Cavalheiro.

A jornalista, também poeta e ecologista de primeira hora, escreveu livros de poesia, contos e trovas. Antes de seu passamento, que ocorreu na primavera de 2018, escreveu o livro “Consciência Ecológica na Educação”, que ainda não chegou a ser editado. 

A escritora, minha saudosa prima e querida mestra, está por merecer a homenagem póstuma que espero lhe seja prestada pelos amantes do verde. Quanto a nós que aqui estamos, peço que cada um se encarregue do modo que lhe for possível, por amor à vida e à natureza, tornar realidade, o lindo sonho de “Vestir São Paulo de Flores”!

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Amaryllis Schloenbach é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Seja você também uma personagem da nossa cidade. Escreva agora o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: teu povo deseja andar

Marcia Lourenço

Ouvinte da CBN

Photo by Toni Ferreira on Pexels.com

Minha querida São Paulo,

Tens o porte de nação.

De grandeza, imponente!!

És o Gigante em ação.

O cintilar de tuas luzes,

Fazendo adorno ao luar,

Quando anoitece parece

Um mar imenso a brilhar.

Na tua história, firmeza,

De um povo que se supera.

O passado te fez forte.

Hoje, avança e prospera.

O descanso não conheces,

De uma jornada constante.

O trabalho te espera,

Vai sempre… segue adiante.

Tens recebido a muitos

Que respeitam esse chão,

Fazem parte integrante

Desse grande coração.

Alicerçado em justiça,

Teu povo deseja andar.

Com fé em Deus e trabalho,

Assim, essa Terra honrar.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Márcia Lourenço é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Claudio Antonio. Seja você também uma personagem da nossa cidade. Escreva seu texto agora e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos visite o meu blog miltonjung.com.br ou ouça o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: as múltiplas faces da mesma cidade

 Samuel de Leonardo

Ouvinte da CBN

Foto de Maicon Vinicius

São Paulo gigante nasceu a partir de uma tese: a fervorosa vontade dos Jesuítas em impor sua religião através da catequese. Coube a Nóbrega e Anchieta o privilégio de transformar em vila um modesto colégio. O que consta é parte da história, que tem duas faces, uma a de conquistas, outra de glórias.

Chamada Terra de Piratininga muito antes, bem antes dos exploradores Bandeirantes, que caminhos seguiram desde a Sé, desbravando campos e rios em nome da ambição, disfarçada de fé. Os rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros foram as estradas desses pioneiros.

Dos povos originários, verdadeiros donos daqui, pouco homenageados, é preciso mencionar que foram dizimados. Ficaram os termos Anhangabaú, Anhembi, Pacaembu, Cambuci, Butantã, entre tantos, quase nada de um legado.

Outro fato insinuante, discutível e intrigante, conta a história que, às margens de um riacho, ouviram do Ipiranga um grito de liberdade, quando se fez de uma nação imensa, o gigante Brasil, uma pátria de verdade.

São Paulo de heróis e de heroínas, da Semana da Arte Moderna e da Revolução Constitucionalista, somos todos Macunaímas. Paulicéia desvairada, amada por uns, por outros, odiada.

Nos versos os poetas, muitos enaltecem com respeito um local muito bem quisto, de um simples colégio de taipas à Faculdade de Direito no largo de São Francisco.

Das várzeas em seus campos o futebol muito disputado, simples porfias jogadas em canchas de terra batida que Arthur Friedenreich aqui deixou como legado, hoje faz uma nação tricolor muito feliz, lá pelas bandas do “Morumbis’. 

Canções ainda ecoam de amores e de desejos, da Rapaziada do Brás, saudades do Velho Realejo, do lampião de gás, dos crimes passionais e das rondas pelas esquinas da cidade, desde os Jardins à Mooca, até à Saudosa Maloca. 

Dos Mutantes e andantes, onde Caetano incansável ainda canta com carinho e reverência a nossa cidade, a nossa Sampa. Até o Zé deu o Tom: “São, São Paulo quanta dor, São, São Paulo meu amor”.

A periferia também se manifesta, um pouco de tristeza, e um tanto de alegria, mesmo que os bares estejam cheios de almas tão vazias, ainda resta a esperança, pois na medida do possível tá dando pra viver numa cidade onde o amor é imprevisível.

Ao despertar de toda manhã, com a sinfonia paulistana “vão bora, vão bora, olha a hora, vão bora”, o pulo do gato é se apressar para não perder os trens das onze e de todas as horas, à noite ou de manhã, que seguem para além do Jaçanã.

Na mesa muita fartura, tudo se inventa, o frango com polenta, a pizza de sushi, a macarronada com feijão e o virado que é daqui. De um ponto chique, no Largo do Paiçandu, uma guloseima se originou, o famoso Bauru. 

No mercadão, até parecem artísticas telas, bem no centro das baguetes generosas porções de mortadelas. E o que dizer então, da notícia que virou sanduíche, o lanche de pernil do Estadão, uma delícia. 

Orra meu, é de lei mano, não dá uma de Migué. Aqui tudo se resolve em dois palitos, tá ligado? Sem cerimônia, a gente pede “um chopes e dois pastel”, nessa imensa selva de pedra, dos viadutos, dos edifícios e de torres de Babel.

Terra de todos os povos, japoneses, italianos, sulistas, nordestinos, todos paulistanos que traçaram o seu destino. Lugar das oportunidades, que a todos acolhe, de gente que não desiste à toa, são meros mortais, são humanos, são anjos, são todos demônios, Demônios da Garoa.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Samuel de Leonardo é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Juliano Fonseca. Escreva o seu texto, também. Envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br ou ouça o podcast do Conte Sua História de São Paulo. 

Conte Sua História de São Paulo: o “chopps” do bar de Moema que refresca minha memória

Marina Zarvos

Ouvinte da CBN   

Foto de cottonbro studio

“Caminho às cegas pelos corredores

                                                           do tempo e subo e desço seus degraus,

                                                                              suas paredes toco e não me movo,  

                                                                               volto onde comecei” 

(Otávio Paz)     

 ‘Vai um chopps e dois pastel pra mesa seis! “

Assim virou folclore, na gramática dos bares e botecos, o jeito paulistano de lidar com singular e plural. Sim! O plural subtraído parece ser o usual. Adota-se o singular e ponto final.                                               

Observo o vaivém dos garçons no movimentado e conhecido bar em Moema, ponto de encontro de quem busca um espaço para a tradicional “happy-hour” ou para turistas que desejam saborear tiras de picanha na chapa, acompanhadas de acepipes e do tilintar de copos e brindes.

Vez ou outra, rendo-me ao convite inebriante dos aromas e do alegre tumulto. Fiz isso dias atrás. Com apenas alguns passos, já estava acomodada em minha mesa preferida, na calçada. Como num passe de mágica ou pelo efeito do chope, senti-me como quem entrava no túnel do tempo. 

Retornei ao mesmíssimo local, no fim dos anos de 1960. 69 para ser preciso. As pessoas festejavam no 25 de janeiro, 415 anos de São Paulo, que inaugurava a monumental Avenida 23 de Maio, com previsão do trajeto centro-aeroporto de Congonhas em apenas 15 minutos. Cenário de um tempo em que a algazarra das crianças subindo e descendo os degraus da escada, ou dos adolescentes conversando na calçada, e namoricos no portão ou bailinhos na garagem, eram alaridos da liberdade.

As ruas invadidas pelo asfalto que recém-chegara em nosso bairro, anunciavam uma era de desenvolvimento: o velho bonde sendo retirado da Avenida Ibirapuera, enquanto os sinos da igreja dobravam, talvez num lamento por sua morte. O Cine Jurucê, palco para grandes romances e beijos roubados, sendo desocupado, dava lugar a uma grande loja de bolsas e malas. 

Passeio por diversas ruas do bairro: Anapurus, Jurema, Aicás. Lentamente me aproximo e revejo o conjunto de casas geminadas da Jamaris. A casa de minha infância era a de número 615. Entro pé ante pé, quero tocar as paredes da casa e não me movo, por instantes apenas, volto a ter 15 anos.

— Senhora! Senhora! Mais um “chopes”? pergunta o solícito garçom.

A magia se desfaz abruptamente. Atônita, constato que o conjunto de casas fora demolido, recentemente. Prenúncio de mais um megaempreendimento. E eu, esta senhora que já foi menina, moça, jovem senhora e agora avó, testemunhei muitas histórias de nossa cidade e do bairro de Moema.

Ao retornar para 2024 e para a casa em que brincava, hoje o bar do meu chope, compartilho uma preciosidade histórica do lugar: ali morava uma grande amiga, e sua mãe só não permitia que brincássemos no corredor lateral da casa, pois levava ao ateliê do pai. Lá era o local em que ele pintava e não deveria ser incomodado. Não podíamos caminhar nem às cegas até lá. Isso sempre me intrigava.

Só anos depois, o mistério me foi revelado: ali, onde hoje é o famoso bar, morava o pintor Nonê de Andrade. Sim! Minha amiga era neta de Oswald de Andrade, filha de Nonê. Que privilégio ter frequentado aquela casa! Histórica, incrustada em Moema e desconhecida da maioria, porém hoje muito popular como o melhor chope do bairro, na esquina da Anapurus com a Jurema.

Volto de minha viagem pelas memórias, sorvo um gole do gelado chope tento projetar um futuro no qual o plural e o singular, na gramática da vida, sejam empregados corretamente e convivam harmoniosamente. Um futuro que abrace o progresso sem deixar de cultivar a memória do passado. 

Tim-tim! Um brinde aos que nos antecederam!

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Marina Zarvos é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Juliano Fonseca. Seja você também protagonista da nossa cidade: escreva para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outras histórias, visite o meu blog miltonjung.com.br ou ouça o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: os caminhos que me levaram a entrar na vida adulta

Por Sergio Damião

Ouvinte da CBN

Foto de Mert Kaya

Sou profissional da área comercial há mais de 40 anos, 63 de vida. Autor do livro “Se Vira! Você não é quadrado! Surpreenda, atenda bem, venda mais”

(Livraria Books). Sou paulista de Santo André, descendente de nordestinos. Apaixonado loucamente por São Paulo.

Minhas maiores lembranças de Sampa vêm do tempo do meu início de trabalho, aos 18 anos, quando me formei em técnico em artes gráficas, na Escola Senai Theobaldo de Nigris, na rua Bresser.

Traço um paralelo direto com o clima. Como era bom saber que passaríamos três meses seguidos em um outono, com neblina — a verdadeira São Paulo da Garoa. Minha mãe, Dona Toca, acordava cedo para fazer o café e preparar minha marmita. Ela sempre recomendava:

– Serginho, não esquece da blusa, do guarda chuva. É outono!

Eu pegava o busão da CMTC azul e creme, às 5 horas, daqueles monoblocos com  motor atrás, que quando lotava dava até para sentar sobre ele, escondido do motorista e do cobrador. Fazia o trajeto  São Matheus-Praca da Sé entre cochilos e conversa com os Dinos, um grupo de amigos que conhecemos desde de 1965 e até hoje nos encontramos.

Eu atravessava da Praca da Sé, via rua Direita, viaduto do Chá, 24 de maio, cruzando o Teatro Municipal, o Mappin, a Peter, a Casa Los Angeles e aquelas vitrines bonitas. De chamar atenção. Estar com aquela gente madrugadora toda manhã era o primeiro sinal de que entrara na vida adulta.

Em um primeiro momento de estágio e depois contratado, com carteira assinada, eu seguia até o Largo Paissandu  e embarcava em outro busão, em direção a Rua do Bosque. Passava a Avenida Celestino Bourroul e a rua do Estadão, no bairro do Limão. Esse  trajeto, ida e volta, fiz durante dois anos, tempo que me fez apaixonar ainda mais pelo centro da cidade e no qual testemunhava aquela febre diária das pessoas se movimentando seja no início seja no fim do dia.

Nesse período assisti às manifestações dos bancários, à presença da Polícia Militar e seus cavalos cruzando as ruas e avenidas, aos camelôs e vendedores de calças Lee, Levis, Gledson e Soft Machine

Dar um giro no Mappin, comer um cachorro quente com salsicha viena no Largo do Café, ir no segundo MC Donalds da Libero Badaró, me deliciar com o sanduíche grego. Momentos que jamais sairão da minha memória afetiva.

Após tantos anos mudei de empresa, trabalhei com grupos de outros estados, migrei para área comercial, tive novas oportunidades para conhecer a capital e o interior. Há 20 anos, estou em uma empresa de Campo Bom, no Rio Grande do Sul, a Box Print. 

Há alguns dias, vindo fazer uma visita no centro, na Brigadeiro Luiz Antonio, cruzei a Praca Duque de Caxias, a avenida Rio Branco, a Ipiranga, a  São Luis e, com saudade e tristeza, senti o que todos devem sentir ao encontrarem essa região degradada pelo crack: um enorme pesar, além de uma nostalgia do tempo que cruzávamos esses caminhos com segurança e não como hoje vendo o “avesso do avesso”, que Caetano canta no clássico Sampa.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Sérgio Damião é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Juliano Fonseca. Conte você também a sua história: escreva para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br ou ouça o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: meus passos até a Escola Municipal de Bailado

Dila Roche

Ouvinte da CBN

Foto de Vitaly Gorbachev

Aos dez anos, em 1972, consegui entrar na escola municipal de bailado, escola onde minha mãe também havia estudado. A escola hoje é conhecida como Escola de Dança de São Paulo, uma das mais tradicionais escolas existentes no país. Minha mãe, por muito tempo, meu pai e depois eu, por conta própria, sempre usei o transporte público para chegar a sede, embaixo do Viaduto do Chá.

Em fevereiro de 1978, com a inauguração da Estação Sé do metrô comecei a explorar um novo trajeto para a escola. Essa mudança ocasional de percurso me proporcionava um prazeroso passeio pelo centro. Descendo na estação Sé, vestida com o abrigo esportivo da escola, eu atravessava a agitada Praça da Sé, passando ao lado de pregadores, engraxates e vendedores de moedas antigas. Meu caminho seguia pela Rua Barão de Paranapiacaba até a Chapelaria Paulista, na Rua Quintino Bocaiuva: “quem compra aqueles chapéus?”.

Virando à direita e logo após à esquerda, contornava a loja Clóvis, chegando à Rua José Bonifácio. Ali, adentrava nas Lojas Americanas, para atravessar o quarteirão até a Rua Direita. Eu me  divertia usando a Americanas e a Lojas Brasileiras de atalho. 

Acreditava que só eu conhecia aquela passagem secreta até a rua Direita, aliás um lugar abarrotado de gente e lojas com fachadas repletas de placas.

A rua era um centro de compras vibrante, com lojas como a Garbo, a Ducal, e a Riachuelo, onde tudo, desde roupas até perfumes, estava à vista. Embora meu foco fosse a pequena Modelia, no final da Rua Direita, conhecida por suas malhas de alta qualidade e vendas promocionais arrasadoras.

No trajeto, os camelôs com suas mercadorias espalhadas pelo chão eram uma constante, sempre atentos à chegada dos fiscais. A travessia da Praça do Patriarca levava ao Viaduto do Chá, outro local de comércio efervescente, onde era possível encontrar desde meias até jogos de azar — azar mesmo, porque nunca soube de ninguém que tenha ganhado. A música andina tocada por grupos locais adicionava uma atmosfera especial ao ambiente.

Ao fim do viaduto, cruzava a Rua Xavier de Toledo para chegar ao Mappin, enfrentando o desafio de atravessar a rua sob o olhar rigoroso do Guarda Luizinho, temido por sua habilidade em repreender os apressados que se colocam em rico na travessia. O Mappin, em frente ao Teatro Municipal, era quase a última etapa antes de chegar à escola de bailado, após descer as escadarias, segurar no dedo da estátua que fica bem no pé da escada, para dar sorte. e passar por mais ou menos uns 30 gatos.

Esse percurso, que levava cerca de 15 minutos, foi uma parte significativa da minha vida por oito anos. Ao refazer o trajeto, há uns dois anos, notei uma transformação drástica: o centro já não era o mesmo, com menos vendedores ambulantes e um público reduzido, reflexo da proliferação de shoppings e do comércio online. Com o viaduto do Chá agora vazio, pude chegar perto da mureta de proteção da ponte, que antes servia de apoio para os ambulantes. Mesmo naquele silêncio, confesso que eu acreditei ser a única ali que ainda ouvia o realejo… 

E  todos os sons da cidade. Da minha cidade.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Odila Vitoria Rocha da Costa, a Dila Roche, é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também a sua história: escreva para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br ou ouça o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: no centro que era referência dos paulistanos

Alvaro Gullo

Ouvinte da CBN

Do alto da Catedral da Sé Foto: Mílton Jung

Se minha memória não estiver falhando, aos 85 anos, era um prazer muito agradável andar pelo centro de São Paulo. 

O passeio começava na catedral da Praça da Sé com uma caminhada em direção a rua Direita. Passava na confeitaria Vienense e chegava a Praça do Patriarca onde está a igreja de Santo Antonio.

A caminhada seguia pelo Viaduto do Chá para encontrar a loja Mappin, com seu famoso chá da tarde, no topo do prédio, bem em frente ao Teatro Municipal, onde assistíamos o que havia de melhor em espetáculos teatrais.

O percurso costumava seguir pela Barão de Itapetininga tendo como destino a Praça da República com seus lagos e chafarizes. Ficava ali o Instituto de Educação Caetano de Campos, onde estudei desde o jardim da infância, passando pelo primário e o  ginásio.

Do outro lado começavam os inúmeros cinemas. Era a Cinelândia que se estendia pela São João e arredores: Cine República, Marabá, Ipiranga, Ritz, Ópera, Marrocos, Windsor, Metrópole … por eles passamos nossa juventude no cotidiano de um centro da cidade que era referência para todos os paulistanos.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Álvaro Gullo é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.