Minha conversa com Dora: a história inspiradora de uma mulher idosa lésbica que quebrou barreiras

Por Diego Felix Miguel

Reprodução do Instagram

No dia em que recebi o convite para escrever para este blog, a primeira pessoa que me veio à cabeça foi a Dora, uma das mulheres idosas que me inspirou a refletir sobre a velhice muito além das perspectivas convencionais.

Dora é lésbica, uma das primeiras idosas lésbicas assumidas que conheci. Faz questão de mencionar sua condição em toda oportunidade que tem, porque segundo ela, pouco pensamos ou falamos sobre a sexualidade e a orientação sexual de pessoas idosas, principalmente das LGBTQIA+. Isso prejudica a visibilidade para questões sociais e de saúde estão presentes nessa realidade.

O afeto sem medo de discriminação

Conheci Dora em 2017, no “Café e Memórias LGBT50+”, um encontro destinado à socialização e à convivência de pessoas idosas LGBTQIA+. É um evento organizado mensalmente pela Associação EternamenteSou, uma organização social sem fins lucrativos que atua em prol das velhices LGBT.

Desde então, sempre que a encontro, lembro da sensação que tive quando a conheci. Sempre disposta a abraçar e expressar palavras de afeto, Dora exala carinho e acolhimento, que muito se igualam a um amor maternal. É sempre muito gostoso estar com ela e experimentar esse sentimento, visto que, sendo LGBTQIA+, nem sempre vivenciamos esse bom afeto sem o medo de discriminação.

Passados quase seis anos do dia em que a conheci, cá estava eu, aguardando Dora numa lanchonete escolhida por ela no centro antigo de São Paulo. Queria saber mais sobre sua história de pioneirismo e coragem. A tarde estava chuvosa e fria.

Cheguei cedo, bem antes da hora marcada. A lanchonete estava praticamente vazia, apenas o vai e vem de pessoas que paravam rapidamente para comer alguma coisa. Enquanto esperava e observava a chuva, busquei na memória algumas histórias que já havia compartilhado com Dora para me preparar para o encontro.

O desafio do LGBTQIA+ ao serviço de saúde

Entre as lembranças mais marcantes estava a Dora ativista, que não perdia oportunidades para relatar, de forma incisiva, as dificuldades para ser bem atendida nos serviços de saúde, alertando para o preconceito e discriminação que mulheres lésbicas sofrem durante o atendimento. Foi dela que ouvi pela primeira vez que era quase impossível alguém como ela conseguir fazer exames ginecológicos: primeiro, porque alguns profissionais médicos consideram desnecessário o exame para pessoas que não praticam sexo penetrativo; e segundo, porque esses mesmos profissionais presumem que a pessoa idosa não é ativa sexualmente, com base simplesmente em sua idade. Não bastassem esses empecilhos, Dora contava também que, quando insistia em solicitar o exame, a título de prevenção e autocuidado, enfrentava o despreparo dos profissionais que não sabiam lidar com seu corpo, muitas vezes a machucando.

A denúncia de Dora confirma dados de pesquisas internacionais que apontam essa desigualdade de acesso aos serviços de saúde por parte das pessoas idosas LGBTQIA+. No Brasil, o geriatra e professor Milton Crenitte, coordenador do ambulatório de sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo, foi pioneiro em apresentar dados que demonstram a iniquidade sofrida por mulheres idosas lésbicas em exames preventivos. Essa iniquidade é atribuída principalmente ao desconhecimento de profissionais em relação às questões inerentes a sexualidade e gênero, portanto colocando essas mulheres numa condição de maior vulnerabilidade e exposição a doenças como o câncer de colo do útero.

Um outro fator também endossa esse despreparo: o idadismo, que nos faz acreditar numa velhice assexuada e distante de temas relacionados a práticas sexuais. Mesmo quando se consegue transpassar essa visão, o resultado é a elaboração de uma estratégia de prevenção estereotipada, que dissemina o medo de doenças, e um reforço conservador sobre práticas sexuais, distantes da realidade de muitas pessoas LGBTQIA+.

Compenetrado em meus pensamentos, quase não percebi Dora me procurando na lanchonete. Fiz um sinal com as mãos, e enquanto ela se aproximava, observei uma certa alegria em seus olhos, que a deixava ainda mais linda. A senhora de pele escura, cabelos raspados à maquina e tingidos, tão vermelhos quanto seus lábios sorridentes, vestia uma blusa preta de veludo macio e com bordados brilhantes na gola. Em sua gargantilha dourada, um pingente em formato de coração trazia as cores do arco-íris, que estampava  seu orgulho por ser a mulher que se tornou.

Depois de um demorado abraço de reencontro, tentei iniciar a conversa a partir do que estava refletindo ali, mas fui delicadamente interrompido.

Dora queria contar a sua própria história.

Ajuda para ser quem se é

Aos trinta e poucos anos, Dora rompeu seu casamento heterossexual e se permitiu viver uma nova relação, dessa vez com uma mulher. Disse que esse processo, que aconteceu na década de 1990, só foi possível com o suporte social de uma instituição que frequentava e com a ajuda de uma terapeuta. O serviço comunitário tinha como missão o empoderamento feminino, com atividades fundamentadas em estudiosas do feminismo e que contribuíam para um olhar crítico em relação às desigualdades da relação de poder e violência contra a mulher.

Dora mencionou em vários momentos como o acesso a um serviço como esse, com um importante suporte emocional, a ajudou a ser quem realmente era e permitiu que conquistasse a sua autonomia. Sua vivência reforça o que diz a Organização Mundial da Saúde a respeito de oportunidades assim, por meio do conceito de Envelhecimento Ativo: os aspectos relacionados a autonomia (de escolha) e a independência (de ação) ao longo da vida são fundamentais para se experimentar uma velhice ativa e saudável.

Sabe-se que não é fácil romper a barreira sociocultural baseada na heterossexualidade, nem driblar os estigmas que cerceiam pessoas LGBTQIA+, como a promiscuidade, doenças, solidão e abandono.

Mas por meio de sua trajetória, Dora mostrou que estamos muito além dos estereótipos que nos desqualificam como pessoas. Mais que isso: ela provou que a vida de pessoas LGBTQIA+ não é  nem precisa ser baseada na heteronormatividade – convenções sociais baseadas numa perspectiva heterossexual.

Ela fala com carinho sobre o acolhimento de sua família quando passou a se relacionar com mulheres, da vida que construiu em conjunto com sua esposa e das amizades que conquistou ao longo de sua história, tão preciosas e importantes para seu suporte social.

Porém, nem tudo “foram flores” em sua história, mesmo depois de “se assumir” lésbica. Dora sentiu na pele, por exemplo, o que é viver um relacionamento abusivo, inclusive com episódios de violência – viu, então, que o machismo é violento e perverso e, infelizmente, também pode ser reforçado por mulheres. Mais uma vez encontrou apoio para entender e superar essa situação no serviço comunitário que frequentava.

Dora também falou sobre o papel da religião em sua jornada – um ponto comum com a minha própria história. Num processo de autoconhecimento, conseguiu transpassar o ideário conservador de um Deus punitivo para um que ama a diversidade, num contexto em que o amor é um dos mais sublimes sentimentos, em todas as suas possibilidades. Para ela, era a sensação de validação da própria existência, não para os outros, mas para si mesma, onde pode se permitir ser feliz, sem medo ou culpa.

Uma vida em três horas

Aprendi com Dora que nossas histórias precisam ser compartilhadas. Muitas pessoas vivem em condições parecidas e, a partir das nossas vivências, podem encontrar o conforto e a motivação para romper com as estruturas sociais que ferem sua autonomia e independência. Esse reconhecimento pode evitar sofrimentos e situações de vulnerabilidade.

Hoje, Dora é vice-presidente da Associação EternamenteSou e exerce um papel essencial no fortalecimento da representatividade de mulheres idosas lésbicas na sociedade. Ela ocupa um lugar importante de participação social e resiste a uma cultura que muitas vezes, por conta do machismo, idadismo e tantos outros preconceitos, coloca mulheres idosas lésbicas em condições de discriminação, onde são submetidas a invisibilidade e silenciamento, sem a oportunidade de fala para apontar suas necessidades.

Dora, apesar de todas as dificuldades, se manteve fiel à sua essência e dia após dia abre caminhos para que outros consigam fazer o mesmo.

Conversamos por três horas. Nem vimos o tempo passar. Quando nos despedimos, a chuva finalmente havia dado uma trégua.

Diego Miguel é especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e membro da Diretoria da SBGG-SP, mestre em Filosofia e doutorando em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo.

Tudo pode ser página

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Foto de Miguel Á. Padriñán

“O senso comum diz que lemos apenas palavras. 

Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo. 

Nós lemos emoções nos rostos, lemos sinais 

climáticos nas nuvens, lemos o chão, 

lemos o mundo, lemos a vida”

Mia Couto

Se eu não fosse psicóloga, acho que seria contadora. Não dessas que cuidam das finanças e patrimônios de pessoas e empresas, mas uma contadora de histórias.

Em vez de contos sobre fadas e princesas, as minhas histórias preferidas remetem a personagens reais: gosto de contar sobre pessoas, sobre o mundo e a vida.

Então, vamos lá!

Quando eu era criança, nossas provas escolares eram feitas pelos professores em mimeógrafo. Se você não viveu na década de 80 nem deve saber o que era isso.  O mimeógrafo era uma espécie de copiadora. Os professores escreviam as atividades numa folha estêncil que continha carbono, colocavam essa folha com os escritos voltados para cima e, ao girar a manivela, o texto era passado para outras folhas de papel sulfite, graças ao feltro umedecido com álcool que ficava nessa máquina.

Na escola que eu estudava, as folhas chegavam com aquele cheirinho fresco de álcool e a parte mais bacana, pelo menos para mim, era colorir a capa da prova que já vinha com um desenho “impresso”, geralmente com ilustrações temáticas, como páscoa, festa junina ou comemorações pela chegada da primavera.

Naquela época, as condições financeiras lá em casa não eram as melhores e comprar o material escolar era quase um luxo. Com muito esforço, meus pais conseguiam garantir o básico para que eu pudesse realizar as atividades escolares.E quando digo básico, era o básico mesmo.

Minha caixinha de lápis de cor, por muitos anos, era composta por lápis pequenos, com cerca de uns 8 a 10 centímetros — o que exigia que não se apontasse muito ou eles acabariam rapidamente — e com apenas 6 unidades, sendo que duas dessas cores eram o branco e o preto. Vamos combinar que o branco não poderia ser considerado um lápis de cor! Isso me garantia 5 cores para toda a minha arte.

Felizmente, minhas colegas de turma mais afortunadas tinham estojos com lápis coloridos maravilhosos, daqueles que eu me perdia em suas nuances de cores, mas sabia exatamente suas quantidades: 24, 36 e até mesmo 48 unidades.

Digo felizmente, porque nossa turma tinha por volta dos 8 anos de idade e isso garantia que minhas amigas me emprestassem algumas cores. 

Verde água! Essa era a minha cor favorita.

E foi assim, que num dia de prova, ao me deparar com uma capa repleta de elementos para serem coloridos, pedi o lápis de cor verde água emprestado para a colega que estava sentada atrás de mim. Feliz da vida, quase pegando o lápis, fui surpreendida pela voz alta e tom severo da minha professora que disse: “se você não tem lápis de cor, isso não é problema de outra pessoa. Não incomode sua colega”. 

O jeito foi pintar com aquelas 5 cores mesmo, com cuidado para que não fugisse aos contornos do desenho.

O tempo passou, e mesmo com muitas dificuldades, que não se limitaram ao ensino fundamental, pude concluir meus estudos com êxito. Pode parecer clichê, mas não tenho dúvida de que a educação formal mudou a minha vida. Me permitiu possibilidades que eu nunca imaginaria alcançar. 

Mas me permita voltar ao lápis de cor.

Não faz muito tempo, fui comprar um livro para dar de presente e me vi, em plena livraria, encantada com as diversas caixas de lápis de cor que estavam dispostas numa prateleira. Pensei que poderia comprar para mim, e agora eu poderia mesmo, uma caixa com o maior número possível de cores. Com todos os tons de verde água ou, se preferir mais atual, azul Tiffany

Não comprei, mas me lembrei dessa história de 40 anos atrás.

E quanta história cabe numa folha de papel… E quanta história cabe numa página de pôr do sol, numa página de xícara de café quentinho, de sorriso, de abraço, do barulho da onda que bate nas pedras, do rosto de quem amamos…

A vida não vem delineada com as margens que devemos seguir. O colorido? Isso será por nossa conta.

Penso na vida como um livro de histórias que vamos construindo: algumas com enredos felizes; outras marcadas por desafios, tropeços e dificuldades.

E não seria isso o significado de viver?

Se a gente busca uma vida que seja sempre feliz, a chance de experimentarmos a frustração é gigantesca. Vida sempre feliz, glamourosa, plena é apenas um recorte da realidade estampada nos posts que vemos por aí.

Aproveite os bons momentos. Eles passam

Busque soluções para os problemas. Eles passam.

Compreenda que coisas acontecem e estão fora do nosso controle. Elas também passam.

E o que fica?

Isso vira história. Isso se torna a sua história.

Como diz Mia Couto: “Tudo pode ser página. Depende apenas da intenção de descoberta do nosso olhar”.

Simone Domingues é psicóloga especialista em neuropsicologia, tem pós-doutorado em neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do canal @dezporcentomais, no YouTube. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung. 

Conte Sua História de São Paulo: o Pedro, o Lobo e os meus amiguinhos de corrida

Paulo Mayr Cerqueira

Ouvinte da CBN

Foto de Caique Araujo

Mil anos atrás, mesmo não sendo próximo a minha casa, costumava correr na Pista de Cooper do Parque do Ibirapuera. Estacionava o carro em uma travessa da 4º Centenário e caminhava um pouco.

Dois dias seguidos, um menino de uns três, quatro anos, que estava com a empregada no jardim de casa puxou conversa:

– Quem é você?

– Sou o corredor do Parque.

Parei e continuamos o bate-papo.

Na semana seguinte, ao me ver, chamou o irmão, um pouco maior, para me apresentar.

Meu já amigo, o Pefeli, e o novo, o Nirani.*

E assim foi indo. Com frequência, eles estavam por ali e conversávamos.

Então, no começo de dezembro, fiz uma fita K7 com a História do Pedro e o Lobo do músico russo ProKofiev, narrada por Roberto Carlos, no início do início da carreira do ídolo.

A ideia do autor era introduzir, de maneira lúdica, crianças no mundo da música erudita. Assim, cada personagem da história era representada por um instrumento de orquestra.

Em um envelope natalino, além da fita, o histórico, que xeroquei da contracapa, e um cartão meu de Feliz Natal. Eles não estavam em casa. Deixei com a empregada, já minha conhecida.

Dia 25 de dezembro, por volta de meio dia, antes de ir para o Almoço da família, passei por lá. Toquei a campainha. A avó, pelo interfone, perguntou quem era. Disse que havia deixado uma fita K7 para as crianças.

Ela:

– Não vai embora, não vai embora.

E veio correndo para o portão.

Novamente, os meninos não estavam. Ela contou que todos haviam se encantado comigo; e insistiu para eu tomar uma bebida com eles. Agradeci, mas não aceitei.

Hoje Pefeli e Nirani são homens feitos e talvez tenham um toca-fitas de museu só para, de vez em quando, ouvir com chiados a lembrança que o Corredor do Parque lhes deu.

Paulo Mayr Cerqueira e seus amigos, Pefeli e Nirani, são personagens do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Seja você também um personagem da nossa cidade: escreva seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Sua Marca Vai Ser Um Sucesso: as lições que temos de aprender com marcas centenárias

Arquivo: Livraria Bertrand, Lisboa

“O valor não tem a ver com idade e sim com  a entrega que se faz todos os dias”

Cecília Russo

Frágeis, fugazes e maleáveis. Assim são as relações sociais e econômicas, na visão do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, autor do conceito de modernidade líquida. Diante deste cenário, imagine o desafio de marcas, empresas e serviços que se propõem à longevidade. Por isso, inspirar-se naquelas que foram capazes de superar a barreira dos 100 anos ajuda a encontrar caminhos que influenciam tanto a gestão do negócio quanto o comportamento do consumidor. Jaime Troiano e Cecília Russo foram ainda mais longe: trouxeram de Portugal a experiência de marcas com mais de 200 anos de existência.

O maior exemplo apresentado no Sua Marca Vai Ser Um Sucesso é o da livraria Bertrand, uma rede varejista de livros que existe desde 1732 —- sim, isso mesmo, estamos falando do século 18. Em um mundo em que as marcas nascem todos dias, assim como desaparecem, ter uma que beira os 300 anos é fantástico, especialmente porque persiste em área tão fundamental como a cultura.

Cecília reproduziu no programa, o texto escrito pelos gestores da Bertrand que diz muito do seu sucesso:

“Passa o tempo, mudam-se as gerências, mas ficam os livros. É verdade, são já quase trezentos anos de uma História que se confunde com a de Lisboa. Bertrand é hoje o nome da mais antiga e maior rede de livrarias em Portugal. A nossa História ensinou-nos a cumplicidade com o leitor, a lealdade. Fazemos questão de lhe oferecer as mais atuais obras do mercado, os best sellers do momento, mas também de ter em estante, ao seu dispor, os títulos de referência e uma variedade editorial que desafia leitores de diferentes gostos e idades. Fazemos História, estando no presente. Atuais, atentos, ainda apaixonados pelo LIVRO.”

Dessas linhas que resumem a visão da livraria sobre o seu negócio, Cecília identificou três mensagens que servem de lição aos gestores de marcas:

Compromisso com o leitor: coloque seu cliente no centro, sempre, é o que ensina a Bertrand. Tenha cumplicidade e se lembre que tudo começa com um profundo respeito e amor às pessoas.

Capacidade de evoluir, preservando: a Bertrand traz o novo e o antigo juntos, ensinando que uma coisa não “mata” a outra. Ou, cuidado para não jogar fora o bebê junto com a água do banho, como alertamos frequentemente.

Amor pelo que faz: a paixão pelo negócio alimenta o poder de uma marca. Sem que os gestores sejam apaixonados pela área, pelo que vendem ou pelo que oferecem, teremos uma gestão burocrática, mecânica e fria.

Outra referência lusitana: Porcelana Vista Alegre, fundada em 1824. Foi a primeira unidade fabril dedicada à porcelana em Portugal. E, assim como muitas outras marcas longevas, teve um fundador obstinado, José Ferreira Basto, que levou à risca o ideário liberal da época, tendo se tornado o primeiro exemplo de livre iniciativa de Portugal.

“Isso mostra uma outra face das marcas que sobrevivem ao tempo. Elas nascem de um ideal e trazer alguma ousadia desde o nascimento. Se nos transportarmos para aquela época e nos colocarmos nos sapatos do senhor João, veremos que ele foi um visionário. Marcas precisam dessa visão de futuro”.

Atualmente, é possível encontrar marcas centenárias também aqui no Brasil, cada qual com sua característica própria: a Granado que está com 152 anos; a Hering, com 142; a União, com 136; a Klabin, com 123; e a Gerdau com 120 anos. Todos persistem porque souberam alimentar a relação com os consumidores, mantiveram-se relevantes e não se descuidaram de seus produtos. 

Ouça o comentário completo do Jaime Troiano e da Cecília Russo, no Sua Marca Vai Ser Um Sucesso, com a sonorização do Cláudio Antônio”

Mundo Corporativo: Luciano Santos, do Facebook, sugere que você seja egoísta em sua carreira (antes de criticar, leia o texto)

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“Tanta gente veio antes, aprendeu tanta coisa, então, tente achar aí a sua maneira e a sua estratégia, mas tenha mentores na sua carreira”

Luciano Santos, Facebook

Seja colaborativo. Compartilhe o seu conhecimento. Escute as pessoas. Entenda a necessidade do seu colaborador. Todas essas frases, não por acaso com o verbo no imperativo, devem ser exercitadas no ambiente de trabalho e nas relações profissionais; e nos remetem a olhar para o outro. Luciano Santos, executivo de vendas do Facebook, concorda com isso, mas, diante do que encontra nas corporações e com as pessoas com quem interage, decidiu-se por fazer um convite diferente: olhe para você mesmo! Parece uma ideia egoísta. De certa parte é mesmo. Mas, se é possível assim dizer, é um “egoísmo saudável”.

Luciano é autor do livro “Seja Egoísta Com a Sua Carreira – descubra como colocar você em primeiro lugar em sua jornada profissional e alcance seus objetivos pessoais” (Editora Gente) e explicou seu objetivo em entrevista ao Mundo Corporativo:

“As pessoas consideram o que os familiares falam, o que o chefe fala, e sempre se colocam em último lugar. Então, eu falo que o título (do livro) é um pouco de exagero; é uma provocação, para a gente ter consciência que, se eu não me colocar como protagonista da minha própria carreira, ninguém vai”.

Considerando o melhor dos sentidos para esse egoísmo defendido por Luciano, ele assume que o foi durante a carreira, por instinto, muito mais do que por ensinamento. Nessa linha, sempre que possível privilegiou o aprendizado ao salário. Por duas vezes, deixou empregos que remuneravam mais por empregos que o ensinariam mais. A despeito da formação em letras, migrou para o ramo da tecnologia, tendo passado pelo UOL, Google e, agora, Facebook. Diz ter sido um acidente o fato de o profissional de letras com pós-graduação em comunicação jornalística se transformar em profissional de tecnologia. Um acidente provocado por intervenção do irmão que havia estudado processamento de dados e o ensinou a acessar e-mails e navegar na internet — duas habilidades que eram diferenciais competitivos na época em que se iniciou na carreira.

“Eu estava procurando uma vaga de redator júnior, algo ligado à minha formação. Meu irmão insistiu para colocar no meu currículo. Não tinha colocado esse dado tão importante. Eu coloquei, mandei para Folha de São Paulo, que na época tinha aquele projeto junto com a Abril, chamado Universo Online, o UOL, e só porque meu irmão me deu aquela mentoria de currículo e eu coloquei aquelas duas pequenas informações acabei parando no UOL e Isso mudou completamente a minha carreira”.

Cuidar bem do seu currículo é um dos passos para “ser egoísta” na carreira. É o primeiro elemento do que Luciano chama de tripé da empregabilidade: currículo, narrativa e networking: 

  • Currículo — um erro muito comum é não colocar algumas experiências  que são absolutamente relevantes.
  • Narrativa — uma entrevista bem sucedida nada mais é do que uma história bem contada; esteja preparado para contar a sua história.
  • Networking —  é o irmão direto da indicação, a melhor forma de ingressar no mercado de trabalho. Networking é estratégia de longo prazo que deve ser alimentada em toda carreira e não apenas quando o profissional perde o emprego.

Ao consultar 1.500 profissionais, Luciano Santos encontrou 60% deles infelizes em suas carreiras, e muitos extremamente infelizes, o que leva a uma série de problemas de saúde e comportamento: burnout, ansiedade, e dificuldade em tomar decisões. Ele entende que são múltiplos  os motivos que levam a esse cenário e destaca dois: o primeiro é a falta de treinamento de lideranças; e o segundo, a falta de consciência sobre como gerencias a própria carreira”

“… como eu tomo uma decisão? Eu devo planejar minha carreira? De que maneira eu comunico com o meu líder? Tem muitas coisas que a gente pode aprender e não só pode como deve aprender a fazer”

Assista ao vídeo  completo da entrevista com Luciano Santos ou ouça o podcast do Mundo Corporativo.

O Mundo Corporativo tem a colaboração de Bruno Teixeira, Débora Gonçalves, Renato Barcellos e Rafael Furugen.

Faltou combinar com os russos?

Por Augusto Licks

Primeira reunião entre Russia e Ucraniana desde o início da guerra

A expressão do título acima popularizou-se a partir de um comentário atribuído ao craque Garrincha, na Copa do Mundo de 1958, ao ouvir preleção do técnico Vicente Feola antes do jogo contra a seleção da Rússia. Virou lenda, por falta de prova material de que tenha realmente acontecido. A expressão pegou, sendo volta e meia empregada em situações cotidianas. Não poderia também ser aplicada à guerra da Ucrânia? 

Senão, vejamos:

Um país invade militarmente outro país, ferindo soberania e também o direito internacional, uma agressão sem dúvidas, a causar mortes e horrores típicos de uma guerra. É novidade? Não, não é, já vimos esse “filme” antes. Poderia ter sido evitado? Sim, poderia. Como? Bem, aí é necessário discernimento para entender-se as causas, filtrando-se de um esforço assim uma outra guerra, a das narrativas.

A cobertura jornalística ocidental naturalmente ressoa com o viés de narrativas ocidentais, dedicando atenção modesta às narrativas orientais. Não há novidade aí. Isso, porém, não nos impede de levantar dúvidas, na busca de algo mais próximo da verdade dos fatos. 

Seria Vladimir Putin igual a Osama Bin Laden e Saddam Hussein, “párias” que levaram os Estados Unidos a invadirem Afeganistão e Iraque? Ao menos é o que parecem pensar governos e mídia dos EUA e dos países da Europa ocidental. A demonização de um líder inimigo é um passo dentro de uma estratégia para obtenção de apoio popular para medidas extremas.

Bin Laden teria sido um terrorista treinado por norte-americanos mas que voltou-se como bumerangue nos atentados de 11 de setembro de 2001. Hussein não foi nada inteligente ao invadir o Kuwait, provavelmente mal orientado ao acreditar que pudesse ter alguma chance contra a inevitável represália dos EUA. Não, nenhum dos dois se encaixa no perfil do presidente da Rússia, e não há comparação possível com os dois países do Oriente Médio. Aqui, necessariamente, é outra história.

Por que, afinal, iria uma superpotência dar-se ao trabalho e ao desgaste público de atacar um país vizinho com o qual inclusive compartilha laços culturais e comerciais? Assim do nada, “out of the blue”, por pura insanidade de seu líder? Ah não, aí tem mais coisa!

Não há como ser simples nesse assunto. Para entender-se o que realmente causou a invasão russa é preciso no mínimo familiarizar-se com um contexto que é complexo, pois somam-se questões pontuais do país agredido com o grande jogo da geopolítica internacional.

Recomendo muito estudo a quem queira emitir uma opinião com alguma segurança. Eu aqui me limito a levantar dúvidas e colocar alguns elementos que tenho apurado nos meus estudos.

Vamos por partes. 

O mapa da Ucrânia foi sendo redesenhado ao longo da história por conta da 1ª e 2ª guerras mundiais e da inclusão no bloco soviético, e ainda antes em questões com nações vizinhas, que incluem a Polônia, outro país que também foi objeto de disputas territoriais e remapeamentos. Com alguma semelhança à antiga Iugoslávia, também a Ucrânia vivencia diferenças étnicas, gerando situações internas conflituosas. Some-se a isso o retrospecto de no passado o país ter enfrentado tanto os nazistas como os soviéticos, e temos aí alguma polarização. O lado oriental manteve-se mais identificado com a Rússia, enquanto o lado ocidental desenvolveu rejeição à Rússia e um anseio de associar-se ao ocidente europeu.

Percebe-se aí o divisionismo interno do país, embora isso não fosse impeditivo para que a Ucrânia se integrasse à União Europeia, que acolheria de bom grado uma nação a mais a compensar em parte o Brexit da saída da Grã-Bretanha. O problema não está aí.

O problema está na geopolítica, mais exatamente no “balance of power” que trata do equilíbrio armamentista entre grandes potências que se originou após a 2ª guerra mundial com a vitória aliada sobre o eixo Alemanha-Itália-Japão. Ali, a União Soviética separou-se dos aliados do mundo capitalista, e houve um realinhamento recíproco como necessidade para se evitar um conflito nuclear, que poderia extinguir a raça humana em nosso planeta. 

Naquele pós-guerra surgiu a “Guerra Fria” em que os dois blocos dominantes tratavam de se manter informados sobre o lado adversário através de espionagem. Tínhamos o Tratado de Varsóvia a unificar os interesses dos países militarmente alinhados com a Rússia, e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) a fazer o mesmo com os países militarmente alinhados aos Estados Unidos.

Com a dissolução da União Soviética em 1991, como dominó desfez-se o Tratado de Varsóvia, mas não se desfez a OTAN. O fato de o regime socialista-leninista ter caído nos países do leste europeu não mudou a necessidade de interação econômica entre as vizinhanças. A criação da União Europeia não acolheu todos aqueles países. A Rússia, ainda poderosa, tratou de realinhá-los na cooperação comercial e cultural. No plano geopolítico, houve em 1990 o acordo pelo qual a Alemanha reunificada passaria a integrar a OTAN.

Em 2017, a universidade George Washington publicou documentos secretos recém-liberados por Estados Unidos, Rússia, Alemanha, França e Inglaterra. Revelavam que o secretário de estado dos EUA, James Baker, teria assegurado ao presidente russo Mikhail Gorbatchov que a OTAN não iria se expandir “uma polegada sequer” em direção ao leste europeu. Era a condição para o ingresso germânico na organização. No entanto, os historiadores debatem sobre isso, por não encontrarem registros impressos daquela garantia, apenas evidências de ter sido expressa verbalmente e, nesse caso, não cumprida. A partir de 1998, Polônia, República Checa, e Hungria passaram a fazer parte da OTAN e foram gradativamente seguidos por outros países do leste europeu. Os russos se sentiram traídos, reclamaram, mas não passou muito disso. 

Teria o acordo de 1990 sido uma lenda, tal qual a frase atribuída a Garrincha ?

Mais recentemente, a partir da segunda década do século 21, ao anseio do lado ocidental da Ucrânia em integrar-se à UE somou-se um segundo interesse, o de integrar-se também à OTAN. O documentário “Ukraine Burning” conduzido em entrevistas feitas pelo diretor norte-americano Oliver Stone oferece um pano de fundo diferente de típicas narrativas ocidentais. Ali são entrevistados o próprio Vladimir Putin e Viktor Yanukovich, o presidente deposto da Ucrânia no golpe de estado de 2014. 

As imagens e gravações telefônicas no filme sugerem uma importante influência norte-americana no país por ocasião dos protestos na praça Maidan, na capital Kiev. Na época, Biden era vice-presidente de Barack Obama. Yanukovich era acusado de corrupção e de ir contra a aproximação com a União Europeia. Os protestos, pacíficos no começo, acabaram sendo sabotados por provocações culminando num massacre com muitas mortes, aparentemente perpetrado por “snipers”, atiradores de elite em posições estratégicas, visíveis em imagens do documentário. Espalhou-se que a culpa pelas mortes fora das forças locais de segurança, e o decorrente clamor popular impulsionou grupos extremistas a derrubar o governo, não houve sequer impeachment. Yanukovich só não foi assassinado porque fugiu de helicóptero, enquanto os extremistas disparavam contra carros da comitiva presidencial, imaginando que estivesse em um deles.

O exilado presidente e Putin alegam que a partir de então o novo governo ucraniano manteve negociações com a Rússia e assinou vários acordos, mas simplesmente não os  cumpriu. Até aí, tolerável para os russos. Mas quando ficou clara a intenção do atual presidente ucraniano Volodimir Zelenski em associar-se militarmente à OTAN, acabou a paciência. Ucrânia é porta de entrada ao território russo, como então aceitar que se tornasse um inimigo com armas nucleares? Em 1961, os russos enviaram mísseis a serem instalados em Cuba, bem próxima aos EUA. Os norte-americanos aceitaram? Claro que não, e ali instaurou-se uma grave crise que poderia deflagrar uma guerra atômica que felizmente foi evitada pela diplomacia.

Essas minhas impressões não deixam de ser ainda superficiais, pois existem outros aspectos pontuais e importantes, como a própria questão da Crimeia. Algumas análises sugerem que o atual presidente dos EUA têm muita responsabilidade por as coisas terem chegado ao atual ponto. Biden já tinha contra si a contrariedade de muitos com a forma como as tropas norte-americanas deixaram o Afeganistão, humilhante para alguns. Mexer em vespeiro para ter a Ucrânia na OTAN foi um desafio que previsivelmente a Rússia não deixaria passar batido, e não deixou. Biden, empossado presidente, talvez tenha pecado também por auto-suficiência: teve a chance de formar aliança comercial com a poderosa Rússia ou com a rica China e não optou por nenhuma. Agora tem ambas contra si: a segunda maior potência armada, aliada à segunda maior potência econômica. 

Fica fácil portanto perceber que a Ucrânia tornou-se não mais apenas uma questão localizada mas também uma oportunidade útil para a Rússia, que apoiada pela China se propõe a dar cartas geopoliticamente, aproveitando-se do que identifica como queda de influência do ocidente.

Putin sabia que não poderia ser retaliado militarmente, pois a Ucrânia ainda não faz parte da OTAN. Biden também sabia e pouco fez para convencer Putin a mudar de ideia. Agora talvez esteja vivendo o dilema entre o que decidir: agir racionalmente com risco de perder ainda mais prestígio político-eleitoral no seu país, ou então precipitar-se numa aventura nuclear para se antecipar a um inconformado Donald Trump que possa conclamar seu povo a “fazer a América forte novamente”.  

Em geopolítica, não existem “bons”, nem princípios humanitários, e hoje nem ideologias contam mais. Tudo gira em torno de poder e riqueza. As mortes e os horrores de guerra, que acontecem diariamente, são tratados como mero dano colateral. Os próximos dias, críticos, irão dizer qual será o destino dos países envolvidos e, a rigor, de todos nós no planeta. 

Diria que existem umas 95% de chances de uma solução diplomática, em que os EUA aceitem a desmilitarização da Ucrânia e as tropas russas se retirem. Putin não teria como recusar isso, mesmo que a contragosto não obtenha quaisquer garantias de que a OTAN (leia-se EUA) não continuará se expandindo. Os 5% ficariam por conta de três possibilidades, sendo as duas primeiras para hipotética vantagem norte-americana: 

  1. o assassinato de Putin; 
  2. os EUA seduzirem a China com uma proposta irrecusável para uma aliança econômica, desfazendo o recente pacto sino-russo; 
  3. acontecer o infortúnio de alguém disparar míssil contra quem não deve, até por provocação forjada, detonando guerra mundial nuclear. “Shit happens …”, diz um ditado estadunidense. Obviamente nessa terceira hipótese não haveria vantagem para ninguém.

O resto é guerra de narrativas. Sanções comerciais são fortes mas podem não ser suficientes nessa queda-de-braço com uma super-potência que se alinhou a outra, muito rica. Assim, enquanto continua morrendo gente na Ucrânia, a lógica parece sugerir que, em vez de insistir “peitando” e tentando desacreditar Putin, os EUA talvez devessem combinar logo alguma coisa com os russos, para evitar que depois estejamos todos lamentando que “faltou”.

Augusto Licks é jornalista e músico

Conte Sua História de São Paulo 468: o canto do coração de meus amigos na cidade

José Pina

Ouvinte da CBN

Pina, de joelhos a esqueda da foto, no palco do teatro em foto divulgação


Vim do interior de Rondônia. Sonhava em estudar, trabalhar, ganhar um bom ordenado, ajudar a minha família e ser artista. Fiz uma amiga no Orkut, que me convidou para sonhar com ela, em São Paulo. Depois de três dias, desembarquei no Terminal do Tietê. A amiga que deveria estar me esperando, nunca apareceu. Eu, não tinha o que fazer, onde morar …


Passei a perambular pelas ruas. Atordoado pelo desespero e solidão, busquei ajuda na rodoviária. Encontrei um bom homem: Kemps, segurança do terminal. Me apontou direções, me ofereceu comida, me acolheu com generosidade. Encontrei uma boa mulher: Dona Cíntia, que fazia a limpeza dos banheiros. Me deixou tomar um banho: um reconforto para a alma, que estava 14 dias sem higiene corporal.


Comi jornal velho pra enganar a fome. Me fiz palhaço contando anedotas, me humilhei para sobreviver. Do jeito que dava, fui parar na favela. Fiz o próprio barraco. Fomos desapropriados e me juntei aos sem-teto para garantir o meu … Barracos, calçadas, cortiços, pensões, no chão. Dormi onde conseguia. Em cada canto, novos amigos. 


A rua me apresentou a realidade nua e crua, a educação pela pedra me transformou dono do meu destino. Criei resistência, fortaleci o espírito e me tornei solidário — aprendi com os amigos que me acolheram. Vivi quatro longos anos intensamente.


Trabalhei em trem. Vendi água, chiclete, chocolate, amendoim. Sempre fugindo dos guardas. Fui pego cinco vezes. Na última, quis desistir. Chorei no meio da plataforma. Outro amigo nasceu: Carlos Ferreira quis saber o motivo do meu choro. Disse que havia perdido tudo e não teria dinheiro para fazer o curso de teatro. Ele me emprestou um carrinho de pipoca. E novos amigos apareceram. 


Como pipoqueiro, conheci Juliana Teixeira, atriz e produtora, que ao saber do meu desejo, apostou no meu talento e financiou o primeiro curso de teatro.


Subi ao palco realizando meu sonho. No dia da estreia, soube da morte de meu pai pouco antes das cortinas se abrirem. Trôpego, sem o domínio do meu corpo, segui guiado por uma força invisível. No aplauso da plateia, ouvi a gargalhada de meu pai.


Sou artista, tenho um canal no Youtube, milhares de seguidores. Milhares de amigos. O coração de cada um deles é o melhor canto de São Paulo.


José Pina é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Nós estamos a espera da sua história na cidade. Escreva agora e envie para  contesuahistoria@cbn.com.br.  Todos os sábados, você ouve mais um capítulo da nossa cidade. Tem também no meu blog miltonjung.com.br e no podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Sua marca: histórias criam sentido para a marca

“Pense que história sua marca tem para contar”

Cecília Russo

O primeiro filtro de café foi criado pela dona de casa alemã Melitta Bentz, em Dresden, em 1908. Resultou do incômodo que causavam os percoladores de café e os sacos de linho, usados até então, que deixavam a bebida muito forte e com resíduos. Após algumas tentativas, Melitta fez pequenos furos no fundo de uma caneca de latão e usou um pedaço de papel do caderno escolar de um dos filhos. O resultado foi excelente e aprovado pela família. Ela e o marido decidiram, então, comercializar o produto e, um ano depois, com a patente já garantida, venderam 1.200 filtros de café em uma feira em Leipzig. Hoje, a Melitta fabrica mais de 160 itens ligados a café — de filtros a cafeteira. 

No Sua Marca Vai Ser Um Sucesso, Jaime Troiano e Cecília Russo destacaram a importância das marcas e produtos saberem contar as suas histórias, porque são elas que dão alma e sentido ao negócio.

“Quem trabalha com as marcas precisa muito conhecer a história, aquilo que aconteceu, que está na raiz e na origem dessas marcas”, Jaime Troiano.

Dia desses, Jaime e Cecília estiveram no Le Pain Quotidien, restaurante em um dos shoppings de luxo de São Paulo, e tiveram a curiosidade de entender o logotipo que acompanha a marca do local. O gerente da casa explicou a relação do desenho com o pão feito no forno. Eles descobriram que a história reforçava o compromisso da rede de restaurantes com o pão de qualidade.

“Em marcas, as histórias fazem muito sentido e nessa linha histórias que são verdadeiras criam o sentido de engajamento” — Cecília Russo

Em um cenário no qual o consumidor recebe uma série de estímulos, gerar histórias que constróem memória se torna fundamental. Até mesmo casos que surgem a partir de erros cometidos na fabricação de produtos. E no programa, Jaime e Cecília lembraram duas desses histórias.

A primeira eles conheceram ao entrar em uma loja da Bauducco, em São Paulo, que expõe em suas paredes a historia da criação do panetone, nome que tem origem no Pani di Toni, um padeiro de Milão, que errou a receita do pão e para corrigir o produto começou a acrescentar frutas cristalizadas. 

A segunda é do post-It da 3M que surge a partir de um adesivo de baixa aderência criado por Spencer Silver para o qual outro colega de empresa, Art Fry, encontra uma funcionalidade que se transformou em um estrondoso sucesso internacional.

“Nossa memória é seletiva, nunca esqueci dos serões da Dona Benta que contava histórias. E por ser seletiva é ainda mais importante. Use histórias a favor de sua marca, criando conexões mais profundas” — Jaime Troiano

O Sua Marca Vai Ser Um Sucesso vai ao ar aos sábados, às 7h55 da manhã, no Jornal da CBN.

Avalanche Tricolor: que a alegria dessa gurizada seja eterna enquanto dure

Grêmio 1×0 Inter

Gaúcho – Porto Alegre, Arena Grêmio

Léo Chu comemora em foto de Lucas Uebel/Grêmio FBPA

Havia Brenno no início da jogada, Ricardinho  e Léo Pereira  no meio do caminho e Léo Chu para limpar e concluir o lance que culminaria em um dos mais belos gols que assistimos nos últimos tempos em um Gre-Nal. Um gol com DNA tricolor. De uma gurizada, que tem em média pouco mais de 20 anos, que nasceu ou floresceu dentro do clube, disposta a manter a hegemonia regional e a beleza de um jogo que, há muito, já conquistou outros rincões.

Com o devido respeito e reconhecimento de todos que chegaram depois, que forjaram suas histórias antes de vestir nosso azul, preto e branco —- uma gente da qual também temos orgulho pelas conquistas alcançadas —-, o que mais me alegra nessa gurizada é a reverência aos craques do passado. 

Léo Chu é o mais expressivo —- mesmo que não seja o único. Ele se inspira em Tarciso, a quem foi apresentado pelas histórias que o avô contava e conheceu pessoalmente na Arena, alguns meses antes da morte do Flecha Negra. Admira Renato e não escondeu a alegria de poder abraçar o ídolo ao lado do campo ao comemorar seu gol, como se estivesse redivivo no time que nos levou à glória mundial, em 1983. Pensa em repetir a façanha de Luan que se transformou em Rei da América ao levantar a Copa Libertadores, de 2017.

Tricolor de nascença, aprendeu a sofrer logo cedo, quando assistia ao rival vencer campeonato após campeonato. Calejado pela provocação dos amigos de rua, que torciam para o adversário, e disposto a dar aos pais, avós e afins a alegria que eles contavam ter sentido naquela transição dos anos 70 para os 80, insistiu em permanecer no Grêmio, após o ano de empréstimo no Ceará. Teria chance de ir para o exterior, mas pediu para ficar. Quer realizar o sonho de ser campeão pelo time que ama.

No início da madrugada de Domingo de Páscoa, Léo Chu sonhou acordado quando recebeu a bola dos pés de Léo Pereira —- outro recém-entrado na partida. Havia a possibilidade de retribuir o passe ao colega de ataque, que já se deslocava em direção à área, ou superar os dois marcadores que estavam à sua frente. Preferiu a segunda opção. E no corte para dentro enxergou espaço para colocar a bola longe do alcance do goleiro adversário.

Como um súdito que sabe onde quer chegar, na comemoração do gol, já sem camisa, correu em direção a faixa pendurada por torcedores em homenagem a Tarciso e repetiu o gesto da semana passada, em que esboça o movimento de um arqueiro lançando sua flecha. Não passou despercebida a tatuagem desenhada no ante-braço direito, na qual ele aparece como um menino, pendurado no alambrado do campo de futebol e vestindo a camisa de número sete.

Assim com Léo Chu, muitos dos guris que hoje servem ao Grêmio querem deixar sua marca tatuada no coração dos torcedores. No momento do gol, nove deles estavam no time. E começam agora uma trajetória que costuma ser breve, pela incapacidade de mantermos os talentos entre nós por muito tempo. Assim como o amor de Vinicius de Moraes, em Soneto do Infinito, que a alegria dessa gurizada ao nosso lado seja eterna enquanto dure.

Sábio Chico: só queremos “uma ofegante epidemia que se chamava Carnaval”

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Foto de Imagem de JL G por Pixabay

“E um dia, afinal

Tinham direito a uma alegria fugaz

Uma ofegante epidemia

Que se chamava carnaval

O carnaval, o carnaval”

Chico Buarque

Confesso que nunca fui das maiores folionas de Carnaval, mas admirava aqueles dias de festa, as pessoas nas ruas, a explosão de sons e cores. 

Esse ano nosso Carnaval está diferente, como todas as demais festas que foram canceladas por conta da pandemia. A maior manifestação cultural brasileira foi silenciada.

O Carnaval no Brasil teve início no período colonial, como uma brincadeira popular praticada pelos escravos, alguns dias antes da Quaresma, na qual as pessoas saiam às ruas e jogavam umas nas outras líquidos que poderiam ser desde água, café ou até mesmo urina.

No século XIX, houve uma campanha para reprimir essa brincadeira ao mesmo tempo em que surgiam os bailes em clubes e teatros criados pela elite do Império. Apesar disso, as camadas mais populares não desistiam das comemorações de Carnaval e criaram os cordões. Ainda no século XIX, surgiram as marchinhas de Carnaval. No século XX, o frevo, o maracatu, as escolas de samba, os trios elétricos… o Carnaval continuou fazendo história. Se tornou uma das peças da formação da identidade e símbolos do nosso povo.

Retratado em poesias e canções, o Carnaval serviu de inspiração para muitos artistas, com seus ideais de liberdade, de sonhos, de fantasias e do saudosismo trazido com a Quarta-Feira de Cinzas, anunciando o fim da festa.

Exatamente na Quarta-Feira de Cinzas, algumas religiões cristãs iniciam a Quaresma, momento dedicado ao recolhimento e à penitência.

Das inversões produzidas pela pandemia, temos um Carnaval com privações, distanciamento e silêncio. 

Quiçá isso seja capaz de reduzir as contaminações e, com as vacinas em curso, possamos logo nos livrar desse mal que nos atinge.

Me sinto como aqueles foliões que na Quarta-Feira de Cinzas ficavam sonhando com o próximo Carnaval. Não porque eu esteja desejando tal data, mas porque vislumbro o momento no qual poderemos sair às ruas, cantar, dançar e nos abraçar como fazíamos em outros carnavais. Parafraseando Chico Buarque, a única epidemia que queremos agora é de uma alegria contagiante: “Vai passar!”.

Saiba mais sobre saúde mental e comportamento no canal 10porcentomais

Simone Domingues é Psicóloga especialista em Neuropsicologia, tem Pós-Doutorado em Neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das autoras do perfil @dezporcentomais no Instagram. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung