Por Adamo Bazani
Os relatos de motoristas, cobradores, gerentes e fiscais que trabalharam no setor de transporte urbano até os anos 80 mostram as garagens de ônibus como extensão das comunidades. Nas garagens, vários garotos brincavam vendo os ônibus e os mecânicos trabalhando. Muitos. inclusive, se tornaram profissionais do setor. Algumas garagens aos fins de semana se transformavam até mesmo em pontos de encontro, onde eram feitas churrascadas e os empresários atendiam às comunidades carentes.
Com o aumento da violência urbana e da organização de quadrilhas de roubos e assaltos, as garagens de ônibus viraram fortalezas, com câmeras de segurança, cabines de vigia e o acesso à população se tornou bem difícil, o que implicou num maior distanciamento entre passageiros e empresas. Até mesmo os busólogos, grupo de pessoas que admiram ônibus, têm uma vida difícil quando querem pelo menos fotografar um veículo novo que chegou em determinada empresa ou registrar as últimas imagens de um veículo que vai ser vendido.
Muita gente sabe o quanto é perigoso trabalhar com ônibus na rua. Diariamente, vários motorista e cobradores são assaltados ou vítimas de gangues, torcedores de futebol em dias de clássicos e de muito vandalismo. Mas trabalhar nas garagens de ônibus também tem sido perigoso.
Maria Eliana Barbosa da Silva, de 46 anos, trabalha na Viação Barão de Mauá, há 28 anos, sempre lidando com o setor financeiro. Ela começou a carreira rasgando passes de papel, depois passou para o departamento pessoal, datilografava folhas de cheques de pagamento de motoristas, controlava a bilhetagem até ser chefe do setor financeiro de um grupo formado por três grandes empresas de ônibus em Mauá. Ela tem relatos impressionantes para contar de como as garagens viraram alvo em potencial de grupos criminosos especializados.
Maria já viu várias tentativas de assaltos, principalmente em dias de pagamento nas garagens, mas dois fatos a marcaram: o seqüestro do qual foi vítima e o seqüestro da mulher do sócio majoritário das empresas.
Era uma sexta-feira, final de 1998. Maria tinha acabado de sair da garagem em Mauá. Perto de sua casa, viu um homem encostado num carro, estacionado na esquina, que a abordou. O homem sabia que ela trabalhava na empresa, o nome, o apelido dela, Morena, e sua rotina de vida. Armado, ele obrigou Maria Eliana a entrar no carro, onde estavam outros seqüestradores. O objetivo do grupo era usá-la como escudo para invadir a garagem de ônibus no fim do dia. Nesse período, os ônibus trazem toda a féria das tarifas, e o banco da empresa ainda estava com o dinheiro que muitos trabalhadores iriam sacar.
“Foram momentos de tensão. O grupo sabia que naquela época eu tinha um carro Tipo, cor preta, e foi até minha casa, usada como meu próprio cativeiro, para pegar o meu carro e invadir a garagem com ele, para facilitar ainda mais o assalto. Mas naquela semana tinha batido o carro e ele estava na oficina”.
O grupo armado entrou na casa de Maria Eliana e a fez refém, enquanto planejava como invadira a garagem com um carro desconhecido. “Eu já estava muito nervosa. Os bandidos estavam de cara limpa, mas quando falaram que estava chegando a hora de invadir a garagem, eles colocaram capuzes, aí, fiquei com mais medo ainda, não sabia o que ia acontecer. Foram horas desesperadoras”.
A casa de Maria ficava a poucos minutos da garagem. O bando tinha dito para ela que observava a rotina da funcionária e da empresa há mais ou menos seis meses. E não era mentira, pois detalhes que só quem conhece o funcionamento da empresa eram de conhecimento do grupo criminoso. Repentinamente, o celular de um dos assaltantes toca. Era um olheiro, dizendo que o seqüestro e assalto tinham de ser abortados, pois uma ronda policial estava insistentemente ao lado da garagem. Alguém teria descoberto o plano e avisado a polícia, pela movimentação estranha ao redor da empresa.
“Eles tinham olheiros em todo o canto. Os seqüestradores então me trancaram e foram embora. O susto foi muito grande e o que me surpreendeu foi o fato do alto conhecimento e especialização deles, além das armas grandes. Até hoje tenho trauma disso” – confessa.
A Polícia foi avisada, mas não chegou a prender os criminosos.
Pouco tempo depois, Maria Eliana tem outro susto. A mulher do dono da empresa, Odete Maria Fernandes Souza, foi seqüestrada. Como era difícil invadir a garagem, foi feita uma emboscada e Odete foi levada. Segundo relata Maria, os autores do seqüestro da empresária foram os mesmo que tentaram invadir a empresa, mantendo-a em cativeiro na própria casa. “Eles relataram a Odete que me conheciam e que já haviam tentado invadir a empresa”.
O clima na garagem durante o sequestro ficou tenso. Odete ficou cerca de um mês em cativeiro. Neste período, relata Maria, do funcionário mais simples até o dono, todos tinham medo de trabalhar “A cada telefonema na garagem, o coração da gente pulsava. Mas o trabalho tinha de continuar e éramos obrigados a atender os passageiros, órgãos gestores e fornecedores como se nada tivesse acontecido” – lembra. Odete só foi libertada após pagamento de resgate.
“Parece que não, mas quem trabalha na área financeira de uma empresa de ônibus ou é parente dos proprietários corre muito risco. Ônibus têm dinheiro, e muito dinheiro no final do período, dependendo da linha e do dia da semana. E é dinheiro vivo, não é cheque que pode ser sustado. Então, isso chama muito a atenção”.
Trabalhando na parte financeira, Maria Eliana viu as dificuldades que Planos Econômicos, Inflação, Desemprego, etc geraram ao longo dos anos nas empresas de ônibus. Mas para ela, tudo era superável. “A gente ouvia reclamações de passageiros na época da inflação, pois a passagem subia e os salários não. A gente ouvia reclamação dos empresários que, apesar de subirem as tarifas, os reajustes sempre eram inferiores aos custos e insumos, mas nada disso me impressionava. Era fase da vida, da economia, mas a violência, isso sim, assusta”.
Algo que, de início provocou muito temor em que trabalhava no setor financeiro de empresa de ônibus e que depois ocasionou alívio, foi o início da bilhetagem eletrônica. “Nossa, a gente tinha medo demissão, de não saber operar e contabilizar a arrecadação e muita gente quis até desistir. Depois vimos que foi uma solução, mesmo que parcial para a evasão de divisas, das empresas, pois havia muitos fraudadores de passes de papel e cobradores desonestos e ajudou até a diminuir os índices de assaltos nas empresas, pois boa parte do dinheiro vivo deixou de circular dentro do ônibus”.
O controle sobre a arrecadação tarifária também é mais preciso. “Posso monitorar on line o quanto determinado ônibus na rua está arrecadando”. Isso ajuda na mensuração dos custos e no planejamento.
“Mesmo assim, é importante lembrar que a tecnologia evolui, mas a mente humana não evolui para o bem. Há ainda fraudadores eletrônicos e os assaltos e seqüestros em veículos e garagens ainda existem”.
Apesar da violência e dificuldades, Maria Eliana diz que não saberia trabalhar em outro ramo a não ser em transportes. “Trabalho toda a minha vida aqui na Barão de Mauá. Vi a empresa sendo trocada de donos, o que de início deu medo de demissão, mas fiz uma família muito legal aqui”.
Histórias engraçadas, como da secretária que fingiu estar doente para fazer uma entrevista em outro local de emprego e a outra empresa ligar para o chefe dela pedindo referências, ou de a prórpia Eliana Maria ter perdido a saia na garagem após ter saído do banheiro são lembradas com gargalhadas pela simpática funcionária da empresa de ônibus que faz questão de sempre atender com sorriso todos os que a procuram
“Quer maior presente, quer melhor atendimento que um sorriso? Com certeza não há”.
Adamo Alonso Bazani é repórter da rádio CBN e busólogo. Todas as terças, aqui no blog, nos levar a viajar na história do transporte público de São Paulo.
Sabe que ao ler o seu texto me lembrei que quando era adolescente, morava na cidade de Cotia, e precisava comprar meu passe escolar na garagem da empresa, eu entrava dentro da garagem e comprava o passe, era bem legal ficar olhando a movimentação lá dentro, pouco tempo depois colocaram grades lá fora e não era mais possível entrar, a compra era feita pelo lado de fora… Acho que foi necessário mais rigor com a segurança….