“O bom uso da voz, o acolhimento a partir da escuta e a abertura para o outro”

Em 2 de dezembro, o colega jornalista Lauro Jardim, um dos colunistas mais importantes do País, publicou em seu blog informação inédita sobre nosso livro que será lançado em 2023. Reproduzo nota aqui para você:

Em tempos de intolerância, o remédio para superar desavenças pode estar em uma comunicação eficaz. É sobre isso que se debruça o livro “Escute, expresse e fale! – Domine a comunicação e seja um líder poderoso”, que será lançado em janeiro pela editora Rocco.

A obra foi escrita por quatro autores apaixonados pela arte da conversa: Milton Jung, âncora da CBN; a fonoaudióloga e comunicadora Leny Kyrillos; o professor António Sacavém, que ensina inteligência não-verbal e emocional a líderes empresariais e governamentais; e Thomas Brieu, pesquisador de escutatória e padrões de linguagem cooperativa.

Juntos, eles concluem: o bom uso da voz, o acolhimento a partir da escuta e a abertura para o outro são algumas das ferramentas disponíveis para melhorar relações interpessoais.

Avalanche Tricolor: da esperança na política e no futebol

Grêmio 0x1 Ituano

Brasileiro B – Arena Grêmio, Porto Alegre/RS

Gabriel Silva dribla em foto de LucasUebel/GrêmioFBPA

Venho de três dias especiais para quem dedica sua vida ao jornalismo. Cobertura de eleição por si só é daqueles momentos para os quais nos preparamos com parcimônia, apuro e equilíbrio. No meu caso, tive o privilégio de mediar as entrevistas com três dos candidatos a presidente da República — infelizmente, os dois principais refugaram, fugiram da raia e se furtaram da oportunidade de conversar com milhões de pessoas que nos acompanham na CBN e nos jornais O Globo e Valor. São daquele tipo que têm medo de perder e só arriscam o resultado quando é inevitável.

Quando estamos diante de pessoas que se candidatam ao cargo máximo do país há necessidade de planejamento e estratégia, pesquisa antecipada e atenção redobrada. Por candidatos que são têm suas artimanhas para transformar a entrevista em palanque eleitoral, driblar os temas mais complicados e contra-atacar no primeiro vacilo do “adversário”. É preciso estar atento, saber a hora de dar a bola para ele jogar e saber a hora de retomá-la; respeitar o adversário, sem subserviência; atacá-lo, sem violência. Qualquer vacilo de nossa parte: gol deles!

Há uma cobrança intensa do público, parte dele contaminado por suas ideologias e “torcidas organizadas” — termo usado por Lula, em entrevista ao Jornal Nacional, para definir o papel dos militantes dos partidos. Uma visão reducionista sobre a política, como fez questão de lembrar Ciro, do PDT, candidato que esteve na sabatina promovida pela CBN, O Globo e Valor Econômico, nessa sexta-feira, no Rio — cidade que me abrigou nesses últimos dias.

Foi, aliás, pouco antes de se iniciar essa sabatina, quando os jornalistas costumam trocar algumas palavras amenas com o entrevistado, a espera do início dos trabalhos, que Ciro falou de futebol. Disse ser torcedor do Guarany de Sobral, cidade em que nasceu, no interior do Ceará. Citou dois ou três clubes pelos quais tem admiração pelo Brasil e quando soube que eu sou gremista, lembrou que o candidato dele a governador no Rio Grande do Sul era o presidente do Grêmio, Romildo Bolzan, que quando caiu para a segunda divisão, teve de abrir mão de suas pretensões políticas.

Você não tem ideia como eu adoraria saber, nesta altura do ano, que Romildo estaria candidato e bem cotado no Rio Grande do Sul. Não, não tem nada a ver com as minhas preferências políticas, mas é que se ele estivesse candidato, certamente o Grêmio não estaria na B.

Dito isso, de volta as conversas e fatos de uma eleição. 

Foi uma semana interessante, mesmo diante de candidata que, em princípio, teria pouco a contribuir para o debate nacional, como é o caso de Vera, do PSTU, partido de linha trotskista, entrevista na quarta-feira. Não desdenho de suas propostas que, inclusive, agradaram parte da audiência, pelo que li nas mensagens recebidas. Quando digo que teria pouco a contribuir, o digo porque não tem expressão na opinião pública como mostram as pesquisas. Foi uma boa surpresa ouvir algumas de suas histórias. Aprendo sempre. E mais uma vez aprendi. Permitir-se ouvir os diferentes, nos torna melhor, nos enriquece.

Estive à frente de Simone, do MDB, na quinta-feira. A candidata repetiu algumas das frases que marcaram sua campanha. Tentou mostrar otimismo mesmo diante das dificuldades eleitorais que tem para assumir uma posição mais competitiva. Tem percentual de intenção de voto quase tão inexpressivo quanto sua outra colega de disputa, Vera. Saiu da entrevista sem marcar gols. E conseguiu se defender bem de algumas investidas dos jornalistas.

Ao fim e ao cabo, cumpri minha missão, ao lado de excelentes colegas jornalistas da CBN, Globo e Valor, e deixei o Rio satisfeito pelo resultado do trabalho, mesmo que o foco que tive de ajustar tenha me mantido longe deste blog por alguns dias. Talvez você, caro e raro leitor desta Avalanche, não tenha percebido. Mas eu senti falta, sim. Adoro a arte da escrita, mesmo que não seja exatamente um arteiro nessa prática.

Cheguei em São Paulo ao fim da tarde. Em tempo de me atirar no sofá, e ligar a TV com a intenção de me divertir assistindo ao Grêmio jogar em casa. Não foi exatamente uma diversão que meu time me proporcionou como o resultado, destacado no alto desta Avalanche, deixa explícito. Frustrei-me com a possibilidade de subirmos na tabela de classificação, abrirmos vantagem sobre os adversários que estão menos cotados e demonstrarmos um time mais maduro diante de seus adversários.

Menos mal que nossa chance de passar para o segundo turno, ou melhor, para a série A, permanece, apesar de três partidas com resultados insatisfatórios. Para me consolar, lembrei de frase dita por Ciro, que está bem distante dos dois primeiros colocados na pesquisa, mas mesmo assim insiste em dizer que, se os adversários vacilarem, quem sabe ele não consegue dar uma volta de 180 graus, esticar a perna no alto, alcançar uma bola cruzada e se consagrar marcando um gol de bicicleta ao fim do jogo. Se Ciro tem essa esperança, quem sou eu, como gremista, para não tê-la.

Um erro mantido em nome das métricas são dois erros

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Das redes sociais, a que mais uso é o Twitter, por onde deixo alguns palpites, opiniões, informações e recados, desde 2008, quando o ‘passarinho’ estava ainda no ninho, aqui no Brasil. Com o recente interesse de Elon Musk na compra da empresa, falou-se de muitas mudanças, em especial a ideia do “liberou geral” que o visionário confunde com “liberdade de expressão”. Mas também tratou-se de temas mais comezinhos como o botão “editar” que permitiria a correção de muitos erros cometidos na pressa de publicar. 

Sem opinião formada sobre o segundo tema — quanto ao primeiro sou defensor da ideia de que deve sempre haver um mínimo de moderação diante do impacto que as redes têm na vida e na reação das pessoas — , já tive vontade de voltar atrás no que escrevi. Não que eu quisesse rever minha opinião. Queria apenas ter usado uma palavra mais apropriada e, principalmente, corrigida — quando erros na grafia ou na concordância se revelavam. Não pude!

Não apenas não tive essa possibilidade como percebi um fenômeno. Se você publicar uma mensagem com erro e, em seguida, republicar a mesma mensagem com a correção, tenha certeza: a mensagem com erro vai ser retuitada muita mais do que a corrigida. Pode ser que seja pelo fato de que a primeira, por primeira que foi, chegue a mais pessoas antes da segunda, impulsionada por um algoritmo que costumo não entender bem como funciona. 

Diante do fato, desisti de manter a mensagem errada em respeito a quem já havia comentado, clicado ou retuitado. Simplesmente apago. Abri mão do engajamento ou alcance que a  mensagem com erro poderia ter me oferecido em troca da tranquilidade em saber que aquele erro não iria mais tão longe assim, causando uma série de estragos. No caso de erros ortográficos ou de concordância, imagine, alguém pode repeti-lo depois em um retuíte, no recado enviado ao chefe, no bilhetinho para a namorada ou em qualquer outra situação, construindo uma imagem ruim por minha culpa. Não me perdoaria!

Escrevo sobre esse assunto, porque me incomoda a superdependência às métricas que hoje pauta desde decisões editoriais até o ângulo em que você vai tirar uma foto. O título, o lead, a abordagem, a imagem, a cor, a disposição na página, o assunto a ser tratado, o SEO … tudo parece contaminado por aquilo que o algoritmo nos permite e pelos números que alcançamos. A reportagem não é boa pelo conteúdo, profundidade e forma com que é apresentada; é boa se teve engajamento. Se antes já havia essa tentação na busca da atenção, hoje com a possibilidade de se medir quase tudo em tempo real, o risco de nos transformarmos em refém das métricas, multiplica-se. 

Não quero desdenhar o conhecimento que aprofundamos sobre o funcionamento da engrenagem digital nem mesmo estou desmerecendo a importância de se conseguir audiência para o conteúdo que realizamos, mas se temos um compromisso —- e aí estou aqui pensando em um dos papeis do jornalismo profissional —- é com a precisão da informação. Publicar uma informação errada, identificar o erro e mantê-la errada é ser cúmplice de algoritmos que tanto criticamos por serem impulsionadores da intolerância, a medida que reforçam comportamentos e não estimulam a troca de ideias entre os diversos.

Por isso, caro e cada vez mais raro estudante de jornalismo que me acompanha neste blog, se me permitir, faço uma sugestão: sempre que uma informação estiver publicada com erro, apague-a; republique-a corrigida. Comunique seu público. E se alguém vier reclamar do prejuízo às métricas, lembre-o de uma expressão tipicamente italiana: “vaffa …”

Dez recomendações para uma entrevista de excelência

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Foi-se mais um dia de entrevista. Planejada, programada, pensada, pesquisada — sim, quando nos propomos  a estar diante de uma fonte que tem relevância, é preciso que se cumpra uma série de etapas. Quem nos ouve diante do microfone perguntando, replicando e contextualizando talvez não tenha ideia do trabalho prévio que uma boa entrevista exige. Especialmente, se do outro lado estiver alguém que se sente capacitada a assumir o cargo mais alto que se pode desejar no país: o de presidente.

Esse é o desejo de Ciro Gomes, com quem conversamos na terça. Esse é o desejo de Simone Tebet, com que deparamos nesta quarta-feira, no Jornal da CBN. É também o de André Janones, a ser entrevistado na quinta. Todos eles sabem que ocupar esses espaços se faz essencial para expor pensamentos e convencer o cidadão a apoiá-los, a despeito das dificuldades que as pesquisas eleitorais revelam.

Certamente e com grandes possibilidades de se transformar em realidade, tornar-se presidente — mais uma vez —- é o que almejam Lula e Bolsonaro, apesar de que esses querem repetir a experiência sem ter de se expor ao escrutínio do jornalismo profissional. Preferem ocupar os microfones amigos, as falas sob controle, que não questionam, que não apontam contrariedades e falta de lógica. Privilegiam o cercadinho no Palácio ou os palcos montados por correligionários. Lamentavelmente, se escondem atrás da popularidade que o cargo que ocupam ou ocuparam lhes oferece.

De volta às entrevistas — tema central desta nossa conversa. 

Dia desses, na preparação de um curso de rádio e podcast, que em breve estará à disposição do caro e raro leitor deste blog, falei que este é o momento mais incrível da nossa profissão — também tratei em parte do assunto no texto anterior a este. Assim sendo, é preciso estarmos muito bem preparados e, se você me permite, listarei a seguir, algumas recomendações para caso você decida um dia estar nesta privilegiada posição de entrevistador:

  1. Escolha bem o entrevistado. Tem pessoas que realmente são muito inteligentes, geniais, mas que falam muito mal, também. Não sabem se expressar, são prolixas, não completam as frases, falam de maneira entrecortada, que, podem acabar com a entrevista. 
  2. Após escolher o entrevistado, faça uma boa pesquisa. Conheça o perfil dele, saiba como se comporta, o que pensa, o que já falou sobre o tema que você pretende abordar. Quanto mais elementos você tiver em mãos, melhor será sua abordagem e mais difícil será de o entrevistado enrolar você e o seu público.
  3. Com base na pesquisa prévia, prepare um roteiro — alguns colocam os tópicos mais relevantes; outros preferem escrever as perguntas. O importante é que você tenha ideia de onde pretende chegar
  4. Jamais seja refém do seu roteiro e de suas perguntas. Esse material é apenas o ponto de partida. Esteja atento ao que o entrevistado vai dizer, porque a qualquer momento o rumo da conversa pode enveredar por um caminho que você não imaginava.
  5. Uma boa entrevista tem perguntas na medida certa: nem curta demais, a ponto de o entrevistado e o ouvinte não entenderem sobre o que você está falando; nem tão longa que você acabe tomando o espaço dele. Muitas vezes, cometemos o pecado de querer mostrar nosso amplo conhecimento pelo tema e esquecemos que o personagem principal na entrevista é o entrevistado
  6. Uma boa maneira de se posicionar diante do entrevistado é pensar com a cabeça do ouvinte; o que ele estaria interessado em saber daquela pessoa que está sendo entrevistada;
  7. O ideal é não interromper o pensamento do entrevistado, mas sabemos que algumas pessoas falam sem parar e sem ponto de corte; pior, algumas pessoas começam a divagar; se desviam do tema da pergunta — às vezes sem querer, outras de propósito. Cabe a você que está entrevistando, pontuar essas situações.
  8. Trate o entrevistado com o devido respeito — isso não significa que você será subserviente a ele; ou deixará dizer o que bem entender, sem questionamento; 
  9. Sempre que necessário questione o que está sendo dito: lembre-se de uma máxima do jornalismo: notícia é aquilo que alguém não quer que publique.
  10. Esteja preparado para caso o entrevistado tenha uma postura arrogante ou agressiva. Não cabe a você se equiparar a ele. Siga de forma respeitosa, sem deixar de pontuar os erros que ele comete.

Repasso essas e outras sugestões todas as vezes que estou diante de entrevistas com a importância das que estamos realizando nesta semana, na CBN. Aprendo a cada entrevista uma nova lição. Para não parecer exagerado, em algumas sou apenas relembrado de lições que aprendi anteriormente. Ao fim da entrevista, refaço toda a trajetória da conversa na mente, penso como poderia ter abordado o assunto de uma maneira diversa e se deixei de contrapor à altura alguma resposta mal feita pelo entrevistado. 

Amanhã tem mais!

Conte Sua História de São Paulo: o tricô e o rádio na vida da Dona Nilzinha

Por Eliana Lima, filha de Dona Nilza

Ouvinte da CBN

Nilzinha tem 92 anos. Santista de nascimento, chegou em São Paulo ainda menina.  Trouxe duas paixões na bagagem: os livros e o rádio. 

Aos 73 anos, perdeu 98% da visão e o rádio passou a ser o principal companheiro. 

Ouvinte desde os tempos da antiga Excelsior, adorava as seleções musicais. Com a chegada da CBN, Nilzinha sentiu-se saciada sua necessidade  pelas notícias do cotidiano. 

Uma de suas paixões é o Jornal da CBN. Acorda às seis da manhã, com o Mílton e a Cássia, que teve o prazer de conhecer pessoalmente. 

No rádio, segue até o Noite Total e só dorme depois de ouvir a Tânia Morales, por quem também tem carinho especial. Fernando Andrade, Tatiana Vasconcelos, Pétria Chaves …  são outros companheiros sobre os quais ela fala com admiração.

O rádio passeia por todos os cantos da casa. Onde ela vai, ele está. 

A atenção só fica dividida enquanto conta os pontinhos do tricô, um hábito que mantém desde os 20 e poucos anos. E do qual tricota roupas infantis maravilhosas. As roupinhas de bebê são puro encanto. 

Hoje, por conta da baixa visão, tricotar se transformou em mais um desafio, vencido dia após dia. Da vida,  dona Nilzinha nada tem a pedir. É só gratidão.

Nilza Barbosa Lima e a filha Eliana Lima são personagens do Conte Sua Historia de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. Para conhecer outros capítulos da nossa cidade, visite meu blog agora: miltonjung.com.br

Onze de setembro: a necessidade de se investir na reportagem

Foto Wikipedia

(4a parte do capítulo do livro “Jornalismo de Rádio” com lições jornalísticas no 11 de setembro)

ÚLTIMA PALAVRA

Duas guerras de cobertura global se seguiram ao atentado de 11 de setembro, uma no Afeganistão, outra no Iraque. Em ambas, o rádio brasileiro ficou à mercê dos meios de comunicação estrangeiros. As imagens das emissoras de televisão e as informações emitidas pelas agências internacionais municiaram o noticiário. Nossos homens não estava, no campo de batalha, mas diante do aparelho de TV. para consertar os desvios provocados pela visão tendenciosa da cobertura restou a permanente discussão com “especialistas”— que poderia ser alguém dotado de excepcional saber ou um palpiteiro de plantão, dependendo da qualidade da agenda do produtor.

Da batalha contra Osama bin Laden, em 2001, para a que derrubou Saddan Hussein dois anos depois, os brasileiros se beneficiaram em parte pela presença de um repórter de língua portuguesa, em Bagd. Carlos Fino foi o correspondente da RTP – Rádio e Televisão Portuguesa — e, graças ao acordo que essa emissora pública mantinha com a TV Cultura de São Paulo, suas reportagens eram reproduzidas no Brasil. Logo, o repórter passou  afazer intervenções ao vivo, que chamaram a atenção das rádios, todas atendidas mesmo durante a madrugada de Bagdá. O repórter “sentia que tinha essa obrigação como português falando para um país de língua portuguesa:, como escreve no livro A guerra ao vivo (Verbo, 2003).

Não bastassem a facilidade de comunicação e a presteza em atender aos chamados do Brasil, Carlos Fino foi o repórter que, ao lado do colega da RTP, o cinegrafista Nuno Patrício, anunciou o início da guerra do Iraque, furando as demais emissoras que se preparavam para a batalha contra Sadan.

Os correspondentes de grandes redes dormiam, muito provavelmente por terem confirmação oficial de que os ataques começariam no dia seguinte. Carlos e Nuno, não. Mesmo porque não recebiam informações privilegiadas. O que ninguém imaginava é que o serviço de inteligência americano obteria dados de última hora sobre a presença de Saddan Hussein em um palácio próximo ao hotel em que as equipes de jornalismo se hospedaram. E o início da guerra seria antecipado.

Fino acabara de participar de um program de debates da RTP, Informação Especial Iraque, em plena madrugada, quando os estrondos se iniciaram. Fez novo contato pelo videofone – um computador que processa sinais de vídeo da câmera antes de introduzi-los no telefone por satélite — para avisar dos bombardeios. A primeira reação dos jornalistas na redação de Lisboa foi de dúvida: “não pode ter começado, a CNN não está dando anda”. A CNN dormia e Carlos Fino teve de convencer o pessoal para ir ao ar com um “furo” internacional, destacando na época apenas no Brasil. Em conversa informal, após entrevista sobre a participação dele na guerra, Fino me contou o caso e brincou: “se é na BBC e o repórter diz que chove canivete, a redação acredita, mesmo que faça sol do lado de fora”. Para ele, a última palavra é do repórter.

A história de um jornalista de televisão talvez não seja a ideal para encerrar um livro que se propõe debater o radiojornalismo. Mas a ideia não me incomoda, já que as bases para um trabalho ético e de qualidade são as mesmas, esteja em qual veículo estiver. No entanto, vou aproveitar um caso que aconteceu no rádio e ilustra bem a necessidade de se investir na reportagem.

Em 2 de outubro de 1992, véspera da eleição no Brasil, houve rebelião de presos do Pavilhão Nove, da Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo. A polícia invadiu o local e ao sair deixou 111 pessoas mortas. História contada com a sensibilidade da escrita do doutor Dráuzio Varella e da criação do cineasta Hector Babenco e em centenas de artigos, reportagens, livros, além de uma peça jurídicas que mostra com detalhes e laudos os fatos ocorridos naquela que a princípio seria apenas uma uma sexta-feira, no maior complexo penitenciário da América Latina.

O “Massacre do Carandiru” somente se tornou conhecido no dia seguinte quando a eleição para prefeito e vereador já havia s iniciado. A “operação abafa” montada pelo sistema de segurança do estado de São Paulo fez com que muitos repórteres levassem para a redação a notícia de mais uma rebelião, com a morte de oito pessoas, provocadas pelo confronto entre detentos, rotina em uma prisão que reunia 7.200 presos. A farsa começou a ser desvendada na madrugada de sábado, quando chegaram informações, por telefone, ao setor de apuração da rádio CBN, que levaram a emissora a enviar o repórter de plantão para o Instituto Médico Legal. Lá, em conversa com funcionários, o jornalista Cid Barbosa soube da existência de dezenas de corpos de presos assassinados na invasão da Política Militar. Uma realidade até então escondida que, na maior das vezes, apenas o repórter em campo é capaz de descobrir.

Pelos dados coletados era possível afirmar que o número de mortos Carandiru superava oitenta. Ligou para a redação anunciando o “furo” jornalístico. A informação foi questionada. Relutou-se para levá-la ao ar., Ninguém havia levantado aquela hipótese até então. Por ninguém, quando se trata de jornalismo brasileiro, se entenda Rede Globo de Televisão. Cid disse que suas fontes eram seguras, não havia do que duvidar.

A notícias foi ao ar., Antes, porém, houve mais uma checagem. A CBN foi responsável pelo  “furo”, mas pouca gente ouviu. Na época, a rádio era uma emissora nova, mal havia completado um ano de vida e nao tinha expressão no cenário nacional. Em pouco tempo, o fato se espalhou nas demais redações e o “Massacre do Carandiru” virou manchete.

Apuração da notícia e o comedimento são fundamentais para quem pretende fazer jornalismo com credibilidade; são princípios dos quais não se pode abrir mão. A construção da imagem de uma emissora de rádio depende da confiança que o ouvinte tem em seus profissionais. Ele não acredita em quem erra e não assume o erro.

Colocar em dúvida uma informação é ferramenta a ser usada pelo profissional em qualquer situação. O bom jornalista desconfia, pergunta, pauta, confirma e volta a desconfiar, até ter certeza de que tem para oferecer ao seu público a verdade — pelo menos a verdade possível até aquele momento.

A reação das redações tanto à notícia do início da guerra do Iraque quanto ao número de mortos no Carandiru serve para uma reflexão sobre o papel da reportagem no radiojornalismo.

As emissoras não podem dispensar o trabalho do repórter, por maior que seja o número de fontes e mecanismos de informação à disposição no mercado. Não inventaram, ainda, qualquer máquina em condições de substituir o repórter na rua — mesmo que os avanços tecnológicos nos permitam ver em tempo real imagens dos principais acontecimentos no mundo, como ocorreu em 11 de setembro de 2001.

O repórter deve ser a figura central ans empressa de comunicação. Nele está a síntese do que se espera de um profissional que trabalha com radiojornalismo: um bom observador; capaz de encontrar fatos novos mesmo nos casos corriqueiros, preparado para transmitir com clareza e precisão; equilibrado principalmente quando em situação de estresse ou de extrema emoção; e pronto para ouvir o cidadão, seja na rua, na guerra, na prisão, ou no telefone que não para de tocar na redação.

Leia ONZE DE SETEMBRO: UMA COBERTURA DE RÁDIO

Leia ONZE DE SETEMBRO: NO BASTIDOR DO RÁDIO

Leia ONZE DE SETEMBRO: ERAM TODOS JORNALISTAS

Leia ONZE DE SETEMBRO: O ATAQUE NO QUINTAL DE CASA

Onze de setembro: o ataque no quintal de casa

Foto: Michael Foran/Wikipedia

(4a parte do capítulo do livro “Jornalismo de Rádio” com lições jornalísticas no 11 de setembro)

COBERTURA CONTAMINADA

A jornada de 11 de setembro não se encerrou, Nos dias seguintes, o desafio foi encontrar uma abordagem diferente para o tema. No cotidiano da redação, ser criativo na forma e no conteúdo são tarefas obrigatórias, apesar de muito do que se ouve por aí não passar de reprodução do que se lê ou vê. Do ponto de vista prático, pouco mudou após o atentado. Reportar, produzir, editar, redigir, apresentar, entrevistar e comandar. Tudo continuou sendo necessário para se fazer o rádio que atenda às expectativas dos ouvintes.

Do ponto de vista filosófico, foi necessário repensar a forma de cobrir o noticiário nos Estados Unidos e nas demais nações que se envolveram no embate internacional. Reavaliar o comportamento da mídia, à medida que a crítica, cega pelo preconceito, impediu que se enxergasse no horizonte a construção um terreno fértil ao fanatismo e à prepotência.

A programação retornou ao ritmo normal, mas estilhaços das explosões provocadas pelo choque dos aviões atingiram as empresas jornalísticas, principalmente, as americanas.

A liberdade de expressão passou a ser questionada por segmentos da sociedade. Cobrou-se postura patriótica, conceito que tende a ir de encontro à ideia do respeito à pluralidade e às diferenças de opiniões, premissas do jornalismo de excelência. Quem pede patriotismo quem mesmo é patriotada.

Essa já é antiga, mas vale chamar atenção: o que vai de encontro, vai no sentido oposto, choca-se; o que vai ao encontro, vai de acordo. A confusão é muito comum, mesmo entre pessoas mais esclarecidas. Ouve-se a troca, principalmente, durante entrevistas e o jornalista deve estar atento porque se a correção não for feita imediatamente, a informação chegará errada ao ouvinte. Se um ministro de Estado disse que o pensamento dele vai ao encontro do que pensa o presidente, nada mais óbvio. Se ele disser que o pensamento vai de encontro com o do presidente, vira notícia.

O noticiário foi contamino pelos atentados em Nova York e Washington. A maioria das informações que chegou do exterior às redações brasileiras tem como origem agências americanas. Um motivo de preocupação para quem tem a responsabilidade de selecionas as notícias internacionais. Aumenta, assim, a necessidade de se buscar fontes independentes. É possível encontrá-las e a internet está para ajudar.  A presença de correspondentes nos Estados Unidos e na Europa ajuda nesse processo de depuração. Deles se exige olhar crítico e diferenciado em relação à notícias, repercutindo os fatos a partir de histórias com as quais os brasileiros se identifiquem. Precisam sair da frente do computador out da televisão. Devem andar nas ruas, ouvir as pessoas, entender o que move aquela cultura para que sejam capazes de traduzir esses sentimentos.

Infelizmente, no rádio brasileiro até a cobertura do noticiário da América do Sul é esporádica, com repórteres sendo enviados para saber o que acontece com os nossos vizinhos apenas em situações especiais. Uma das alegações para não manter correspondentes internacional é que o rádio é um veículo de características locais, fala com a comunidade mais próxima. O ouvinte etsaria mais interessado em saber qual o melhor caminho para escapar do congestionamento do que descobrir o rumo a ser tomado pela humanidade a partir de tragédias como a vivida pelos americanos.

Uma verdade não se sobrepõe à outra. E, para mim, a sensação ao ver os aviões se chocando contra os prédios em Nova York era a de que o atentado acontecia no quintal de casa.

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Onze de setembro: eram todos jornalistas

Foto Site CBN: DOUG KANTER / AFP

3a parte do capítulo do livro “Jornalismo de Rádio” com lições jornalísticas no 11 de setembro

TODOS FALAM 

O primeiro prédio do World Trade Center, a torre sul, despencou às 10h59. Falávamos dos ataques há cerca de uma hora. Foi chocante. Naquele momento desabava a ingênua esperança de que as pessoas teriam a chance de escapar com vida, apesar de tudo. Há vinte minutos havíamos noticiado que o terceiro avião – um Boeing 757 da American Airlines – havia sido jogado sobre o Pentágono. Desse não se tinha imagem, a informação chegou pelas agências de notícias. Nem sempre é preciso ver para crer. 

No estúdio da CBN, em São Paulo, havia um número excepcional de pessoas. Ninguém mais era repórter, produtor, chefe de redação ou diretor de jornalismo. Todos eram jornalistas em busca de informação e quem a encontrasse levava ao ar. 

A estrutura do rádio não admite que os profissionais atuem de maneira segmentada. Não existe mais a figura do redator que só sabe escrever ou do locutor que só sabe ler – pelo menos, não deve existir. Os profissionais de rádio têm de dominar todas as áreas e, principalmente, saber falar ao microfone. Não há necessidade de ser um “Cid Moreira”, mas precisa ter capacidade de se expressar.

Na cobertura do 11 de setembro, profissional que estava em casa e tinha a oportunidade de apurar informação por algum canal de televisão a cabo, ou de conversar com conhecido nos Estados Unidos, ligou para a rádio. Às vezes, a notícia já havia sido transmitida; noutras, serviu de subsídio para o âncora. Em algumas situações, o próprio “informante” foi ao ar. 

Quando está na rua, o jornalista de rádio deve ligar para a emissora a qualquer instante para relatar um acontecimento, mesmo que no seu crachá apareça o cargo de apurador, redator ou editor. Pode ser o trânsito complicado em uma rua importante, a movimentação policial em um bairro, ou um prédio desabando em Nova York após ataque terrorista. 

AGENDA EM PUNHO 

A imagem do prédio transformado em poeira ainda enchia a tela da televisão quando se recebeu a notícia de que os ataques não haviam parado. Mais uma vez sem imagens, apenas as fontes a nos municiar de informações. Uma hora e catorze minutos depois de ter se iniciado a transmissão do atentado, um quarto avião é jogado ao solo. Um 757 da United Airlines que havia caído em uma área de pouca concentração urbana, Shanksville, na Pensilvânia. Não se sabia o destino que os sequestradores pretendiam dar a esse Boeing. Poderia ser a Casa Branca ou Camp David. 

Apesar da sequência dos fatos, ainda não se tinha a dimensão exata da tragédia. Produtores checavam as agendas em busca de nomes que pudessem ir ao ar para ajudar a entender o que acontecia. Ter o número de telefone de acesso direto das fontes é importante para exercer a função. Uma boa agenda se constrói com o tempo e, por isso, precisa ser iniciada o mais cedo possível, antes mesmo de entrar no mercado de trabalho. 

Leia publicações especializadas e artigos assinados de jornais e revistas, navegue com frequência pela internet e preste atenção nos personagens citados no noticiário. Sempre que uma pessoa surgir em destaque, anote o nome dela para em seguida procurar o número do telefone. Em pouco tempo, você terá um banco de dados invejável que lhe dará agilidade no trabalho. Nenhuma notícia vai pegá-lo de surpresa, nem mesmo um ataque ao símbolo da prepotência americana. 

SUBSTITUIÇÃO NA EQUIPE 

A cobertura do atentado era ininterrupta. Não havia nada mais a fazer, a não ser acompanhar um dos acontecimentos mais marcantes da história da humanidade. Espaços comerciais foram abolidos. A grade de programação, esquecida. O CBN São Paulo se transformara em Rede CBN Brasil. Por falar nisso: e aquele programa que havia sido discutido no início da manhã? 

Em meio ao trabalho de apurar informações e encontrar fontes que pudessem ajudar a entender o quebra-cabeça desmontado diante de nossos olhos, havia a necessidade de desmarcar as entrevistas agendadas. O produtor tem de estar sempre em contato com as fontes e, em caso de mudança de pauta, não pode esquecer de explicar o motivo pelo qual a entrevista não será feita. Uma questão de respeito. É preciso lembrar, também, que amanhã não haverá atentado e você há de precisar daquele entrevistado. Algumas pessoas reclamam quando são informadas de que a entrevista não será feita. Se sentem desprestigiadas ao serem substituídas por outras ou porque o jornalista avaliou haver assunto mais importante. Seja como for, melhor avisá-la do que deixá-la esperando. 

Naquela situação, não foi tarefa difícil justificar o porquê da entrevista ter sido desmarcada. As próprias fontes estavam muito mais interessadas nas informações do atentado. 

PAUTA EM ABERTO 

O ataque às torres gêmeas em Nova York e ao Pentágono, em Washington, não estavam na agenda de nenhum produtor. A não ser na do pessoal da Al-Qaeda. E estes não enviaram assessoria de imprensa para avisar as redações. Tais atentados sequer faziam parte de algum planejamento estratégico de cobertura jornalística. Portanto, os meios de comunicação foram surpreendidos e tiveram de adaptar a programação à nova realidade. 

Uma das características dos programas jornalísticos ou dos radiojornais em emissoras que se dedicam 24 horas à notícia é a existência de um roteiro sempre aberto. A entrevista e reportagem discutidas antes de a edição ir ao ar podem cair no minuto seguinte. Melhor que caiam, se em seu lugar entrar assunto mais recente, mais “quente”. Pauta boa é pauta nova. 

A participação de um repórter é suficiente para pautar o restante do programa, basta que a informação seja significativa. Nesse caso, âncora, produtor, assistente de estúdio e operador de áudio têm de estar atentos ao relato da notícia. Procurar alguém que acrescente dados à informação e fazer contato com quem tenha sido alvo de críticas são compromissos dos quais o jornalista não pode abrir mão. No primeiro caso, agrega valor ao trabalho do repórter. No segundo, atende à exigência ética de quem se propõe a fazer bom jornalismo. 

O chefe de reportagem e o próprio repórter devem sugerir o desdobramento do assunto. Do estúdio, por telefone, pode-se conseguir alguém que a equipe na rua não tenha acesso. A declaração de um entrevistado feita no programa pode ser editada, posteriormente, e usada pelo repórter para fechar a reportagem. 

Leve em consideração que a pauta que vem da rua pulsa mais do que a elaborada na redação. Quem pode ser melhor pauteiro do que o repórter? O jornalista Afonso Liks, com quem trabalhei na redação do SBT, em Porto Alegre, costumava dizer que “a boa pauta está na rua da Praia”. Alusão à rua mais popular da capital gaúcha e à necessidade de os jornalistas andarem por lá, atentos ao comportamento e comentário das pessoas. 

Nada pior para a qualidade de um programa de rádio do que o produtor se considerar satisfeito porque antes de entrar no ar já fechou todas as entrevistas e sabe quais as reportagens que serão publicadas. Este, muito provavelmente, será um programa chato, modorrento e sem novidade.

Existem compromissos que devem ser cumpridos no decorrer de um programa, como a saída para os blocos locais ou de comerciais e a participação de comentaristas. Respeitar o horário colabora com a organização da emissora, principalmente se a rádio participar de uma rede, e acostuma o ouvinte que procura assuntos específicos na programação. Mas essas regras não podem engessar o programa, e o jornalista tem de estar sempre atento para saber quando transgredi-las em nome da agilidade do radiojornalismo. 

Imagine o que pensaria o ouvinte se a rádio decidisse interromper a cobertura do atentado nos Estados Unidos para chamar o bloco de esporte. 

HORA CERTA 

O presidente dos Estados Unidos em exercício, George W. Bush, estava em uma escola secundária na Flórida, diante de alunos, no instante em que os ataques se iniciaram.Retirado de lá sob forte esquema de segurança e levado para a base aérea do estado do Nebraska, meio-oeste americano, às 10h30 o presidente fez seu primeiro pronunciamento. Bush, visivelmente abatido, admitiu que o país havia sido vítima de ataque terrorista e lamentou a tragédia do World Trade Center. Naquele instante, o Pentágono ainda não havia sido atacado. 

Quando a fala do presidente americano se iniciou, estávamos com um comentarista no ar que, imediatamente, foi interrompido. Nenhuma outra informação era mais importante naquele momento. O discurso em inglês foi reproduzido na íntegra para, em seguida, ser resumido em português, no estúdio. 

No rádio deve se evitar o uso de entrevistas em língua estrangeira, pois não se tem o recurso da legenda. A tradução simultânea fica prejudicada pela mistura do som original com a voz do tradutor. E deixar para traduzir depois atrapalha a dinâmica do programa. No caso de a entrevista ser imprescindível, prefira o espanhol e o português de Portugal, recomendando ao entrevistado que fale devagar e o mais claramente possível

O programa de rádio tem de ter agilidade para mudar de assunto sempre que os acontecimentos assim o exigirem. Caso a entrevista tenha se iniciado há pouco tempo e algo urgente ocorra, o âncora deve explicar a situação no ar para o convidado, desculpar-se gentilmente, prometendo voltar ao tema em breve.  Não se pode deixar para depois a notícia que se tem agora. 

No rádio, ao contrário do jornal e da televisão, não existe deadline. Não se sai à rua com o objetivo de entregar material pronto ao fim do expediente. O prazo para o fechamento é determinado pela importância da notícia. Esperar o fim da entrevista coletiva para divulgar a informação que pode ser reproduzida ao vivo é um desserviço ao público. O repórter deve publicar o fato conforme este for apurado, ressaltando que outras fontes serão ouvidas no decorrer da programação. Ao concluir a reportagem, entrega o material consolidado para o editor. 

Deadline é a hora em que o jornalista tem de entregar a reportagem na redação do jornal ou televisão. Leva em consideração o tempo para a edição do material e sua publicação. Originalmente, a expressão inglesa significa a linha em volta de uma prisão além da qual um prisioneiro poderia ser abatido a tiros. Por descumprir o prazo, muito colegas já foram abatidos nas redações, não, necessariamente, a tiros.

Essa característica do rádio impõe um desafio sério, porque as decisões editoriais que levam à publicação de uma notícia são tomadas a todo instante. Na redação de um jornal, as reuniões de pauta e fechamento permitem reflexão mais profunda sobre os temas. Uma determinação errada tem chance de ser corrigida até o jornal sair da oficina. No radiojornalismo, entre a decisão equivocada e sua divulgação, o prazo é muito curto.

Levado pelo entusiasmo de atender o ouvinte, muita gente boa deu “barrigada, em lugar de “furo”. Apesar da exigência do veículo, é preciso comedimento. Ao ouvinte, mais do que saber antes, interessa saber o certo. Por isso, é fundamental que, para resolver qual informação será divulgada e como será feita a divulgação, o profissional tenha consciência da linha editorial da emissora e os princípios éticos que devem orientá-lo.

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Onze de setembro: no bastidor do rádio

2a parte do capítulo do livro “Jornalismo de Rádio” com lições jornalísticas no 11 de setembro

FOGO NO AR 

A agência internacional acabara de anunciar, em apenas uma linha, o incêndio na torre, em Nova York, provocado pelo choque de um avião, e a Globonews interrompia a programação para reproduzir imagens, ao vivo, da CNN. Pelo canal interno, todas as emissoras da CBN eram comunicadas de que em trinta segundos seria formada rede para notícia extraordinária. Imediatamente, quem estava no ar em Cuiabá, Curitiba, Maringá, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília ou qualquer ponto do país em que houvesse retransmissora da Central Brasileira de Notícias parou a entrevista, a reportagem, seja lá o que estivesse sendo apresentado, para ouvir o Plantão CBN, transmitido do estúdio em São Paulo.

Com base nas primeiras informações, anunciei o incêndio no World Trade Center, imaginando ter sido um acidente de avião ocorrido há apenas dez minutos. Disse que seria um Boeing 737, mas se descobriu em seguida que era modelo 767, duas vezes mais pesado e com quase o dobro de capacidade para transportar passageiros. 

Encerrado o plantão, continuamos em rede descrevendo as imagens. O apresentador da CBN no Rio de Janeiro, Sidney Rezende, passou a dividir o comando da programação. Às 10h03, logo após a leitura do Repórter CBN – síntese noticiosa com duração de dois minutos, que vai ao ar de meia em meia hora –, transmiti, ao vivo, o choque do segundo avião, com a voz revelando o impressionante da cena. 

Até aquele instante ainda era difícil entender o que acontecia à nossa frente. Impossível não se emocionar, porém, com as imagens. Produtores no Rio e em São Paulo já haviam ligado para correspondentes em Nova York, em Washington e na Europa. Apuradores haviam levantado detalhes nas agências. Quem conhecia alguém nos Estados Unidos, correu para o telefone em busca de informação. Na redação, todos os monitores de televisão estavam sintonizados nas emissoras a cabo americanas. O escritório da BBC Brasil também foi acionado. E a cobertura se iniciara há apenas seis minutos. 

DEU NO RÁDIO 

O “espetáculo” do 11 de setembro foi planejado para ser transmitido pela televisão. A diferença de tempo entre o choque de um e outro avião nas torres gêmeas vai ao encontro dessa ideia. O primeiro, da American Airlines, chamou atenção das emissoras americanas que circulam por Nova York com suas equipes móveis de alta tecnologia. Quem anda pelas grandes avenidas de Manhattan se depara a todo o momento com os técnicos, sem a companhia de repórteres, em pequenos e ágeis furgões. Haveria tempo suficiente para se direcionar uma câmera para o prédio que se enxergava de vários pontos da ilha. Daí a facilidade para reproduzir, ao vivo e em cores, o segundo ataques.

O recado enviado pelo segundo avião, o Boeing da United Airlines, era claro. Se alguém não havia entendido até então o que estava acontecendo – e eu, que transmitia tudo aquilo, não entendia mesmo – ali estava a verdade. Um ataque programado para se transformar em fenômeno midiático. A câmera era a única forma de contato do mundo com aquele cenário. A aproximação do local atingido era impossível. Toda e qualquer leitura que se fez naquelas primeiras horas foi construída a partir da imagem. 

Apesar de o episódio ter privilegiado a televisão, como ocorre nos shows de entretenimento, no Brasil, o rádio teve papel importante na cobertura jornalística do 11 de setembro. 

No momento em que o ataque se iniciou, boa parte das pessoas não estava mais em casa. Encontrava-se no carro, a caminho do trabalho, ou havia chegado ao escritório. Nas escolas e universidades, as aulas tinham começado. Muita gente se deslocava a pé nas ruas de comércio. Com esse quadro e com base em análise comparativa da audiência, arrisco dizer que a maioria da população ficou sabendo do atentado pelo rádio. 

Números do Ibope deixam evidente a supremacia da programação radiofônica em relação à televisiva na faixa das nove às dez da manhã. Chega a ser, em média, três vezes maior o número de pessoas que ouvem rádio nesse horário do que os que assistem à televisão. Mesmo no decorrer do dia, o número de ouvintes supera o de telespectadores. Pesquisa do Ibope, citada pelo Jornal do Brasil, mostra que no terceiro trimestre de 2003 os ouvintes foram 2.967.603, enquanto os telespectadores não passaram de 2.408.560, entre seis da manhã e sete da noite, no estado de São Paulo. 

Não tenho dúvida de que, alertado pelo plantão da rádio jornalística da cidade, o ouvinte saiu à procura do primeiro aparelho de televisão que houvesse nas proximidades. Reação provocada em todo o cidadão que, por outros meios de comunicação, até mesmo o telefonema de um vizinho, teve acesso à notícia. Mas, ao encontrar os canais que reproduziam as imagens da CNN para o mundo, esse cidadão se deparou com âncoras, repórteres e comentaristas atuando como se estivessem no rádio. 

Sem acesso à “cena do crime”, a solução foi voltar as câmeras para o local do atentado e, por telefone, conversar com pessoas que escaparam do prédio em chamas, acionar correspondentes internacionais, entrevistar especialistas, falar com autoridades políticas e policiais em uma linguagem muito próxima à do rádio. 

Os programas jornalísticos na televisão não têm humildade suficiente para aceitar o uso do telefone como meio de informação. Um repórter que esteja diante da notícia, mas sem uma câmera, terá dificuldade de convencer o editor de que o fato deve ser transmitido, apesar da falta de imagem. Foi com o surgimento das emissoras de notícias 24 horas, como Globonews e Bandnews, que esse formato passou a ser aceito na TV brasileira, apesar de ainda encontrar muitas restrições. Antes disso, repórter ou entrevistado falando por telefone era cena rara na televisão. 

Por mais fascinante que seja a TV, fenômeno de massa de enorme impacto na sociedade, a imagem por si só não informa. É perigosa a ideia de que a câmera aberta diz tudo. De que o cidadão não carece de um intermediário para explicar o que vê. Precisa, sim. A reflexão, o questionamento e a apuração dos fatos são imprescindíveis para que o processo de comunicação se complete. Jornalistas e público não podem se tornar reféns da imagem. 

O rádio contou para as pessoas o que acontecia no 11 de setembro e elas foram ver na televisão. Encontraram seus apresentadores favoritos fazendo rádio, apesar da imagem. E que imagem. 

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Onze de setembro: uma cobertura de rádio

Com a proximidade dos 20 anos do “Atentado de 11 de Setembro”, reproduzo nesses próximos dias trechos do último capítulo do livro “Jornalismo de Rádio”, que lancei em 2004, com publicação pela Editora Contexto. Da primeira notícia que levei ao ar, em plantão, à cobertura internacional que tivemos de planejar ao longo daquele dia, conto algumas curiosidades e aproveito para ilustrar com os acontecimentos de bastidor a incrível dinâmica de uma redação e de um programa de rádio.

Foto: Wikicommons

O DIA QUE NÃO ACABOU 

“São 9 horas e 56 minutos. Um avião bateu nas torres do World Trade Center há poucos instantes, em Nova York. O prédio está pegando fogo. De acordo com informações de uma testemunha ocular, teria sido um Boeing 737, mas esta informação ainda não foi, oficialmente, confirmada. Daqui a pouco, traremos outras informações sobre este acidente: um avião bate em uma das torres do World Trade Center, em Nova York” 

Onze de setembro de 2001 se inicia, antecedido por uma cortina musical tocada na velocidade da emergência que marca as edições extraordinárias no rádio. O primeiro parágrafo do mais dramático capítulo escrito pelo terrorismo internacional na era moderna é anunciado, ironicamente, em trinta segundos, tempo reservado na comunicação do mundo capitalista para a venda de produtos e a oferta de serviços. No texto improvisado que descreve a cena inicial do prédio em chamas, de 110 andares e 412 metros de altura, se oferece ao público o que seria a propaganda de maior impacto dos grupos antiamericanos. 

Os meios de comunicação multiplicam a mensagem enviada por Osama bin Laden e pela Al-Qaeda, através de pilotos suicidas e aviões-bomba. Cada veículo, usando de seus recursos característicos para conquistar o público ansioso pela informação. A televisão estava lá quando o segundo Boeing acertou a torre sul do World Trade Center, quinze minutos após o primeiro ataque, transmitindo ao vivo o “espetáculo”. O rádio propagou o feito terrorista narrando o acontecimento em off tube, como nos grandes jogos internacionais de futebol – sem precisar pagar pelos direitos de transmissão. A internet também calçou a cobertura nas imagens da TV, na notícia do rádio e nas informações das agências internacionais, a maioria levando em tempo real material colhido pela CNN. 

Nas ruas, o pedestre tem atenção despertada pelo anúncio do painel eletrônico: “Terroristas arremessam aviões sobre WTC”. Na tela do telefone celular, o texto do serviço de mensagem informa: “Torres gêmeas em fogo, após ataque terrorista”. O pager na cintura da calça chama: “Terror no ar: avião com passageiros atinge Pentágono”. Jornais e revistas mobilizam redações para rodar o mais cedo possível uma edição extraordinária – prática abandonada desde o advento da internet.

A sociedade informativa, fenômeno na virada do Terceiro Milênio, acorda para viver o dia que ainda não acabou. 

MAIS UM DIA DE TRABALHO 

O CBN São Paulo, programa que apresento desde 1999, estava apenas começando. Era hora de falar do esporte com os destaques dos clubes. Antes, já havíamos passado em revista a tropa de repórteres. Cada um apresentando a informação que cobriria naquela manhã. Meteorologia, trânsito, estradas e aeroportos, informações da cidade – este é o nosso foco das 9h30 ao meio-dia, horário destinado ao noticiário local na rádio CBN, que tem boa parte da programação dedicada aos temas nacionais e internacionais.

Logo cedo, após ler um jorna diário, assistir aos telejornais da manhã e ouvir um trecho da programação da rádio, havia negociado com a produção, pelo viva-voz do celular no carro, a pauta do dia. A produtora Fabiana Boa Sorte, na redação, havia feito o balanço das reportagens que poderiam estar gravadas; conversado com o chefe de reportagem para saber quais assuntos seriam cobertos pelos repórteres; e feito varredura nos demais jornais impressos. Também já recebera, pelo correio eletrônico, sugestões de ouvintes e assessores de comunicação.

Ao entrar no ar, duas entrevistas estava fechado — ou seja, os convidados estavam disponíveis para falar sobre o tema nos horários propostas. Ainda se aguardava o retorno de um terceiro entrevistado. Não tinha sido encontrado pela produção até aquele momento. Alguém da assessoria dele ficara de telefonar de volta.

Os comentaristas tinham assuntos decididos. Os cartuchos com reportagens, sonoras e teasers gravados, estavam separados, cada um com sua devida cabeça redigida em laudas de computador. Ao operador de áudio Paschoal Júnior, que comanda a mesa de som responsável por levar a rádio ao ar, havia sido passada as orientações do que seria apresentado. Ele, por sua vez, havia feito algumas sugestões a partir de notícias que lera no jornal ou ouvira na programação da rádio, desde às seis horas da manhã. O pessoal da área técnica é parte integrante da equipe de jornalismo, e tem de ser consultado. Essa interação facilita o andamento do trabalho.

Teaser é um pequeno trecho de entrevista, normalmente de dez segundos, que pode ser usado como destaque durante a programação ou para ilustrar um tema discutido no programa. Cabeça é nome de batismo do texto que serve para chamar uma reportagem, geralmente redigido em cinco ou seis linhas, que apresenta o assunto ao ouvinte.

Em geral, buscamos tratar de questões relacionadas à vida do cidadão. Fatos que influenciam com o dia a dia do paulistano. Ações de participação da comunidade, à medida em que a parceria com o poder público deve ser incentivada. Também orientam nossa pauta denúncias contra desrespeito aos direitos humanos e a fiscalização do que as autoridades públicas fazem com nosso dinheiro. 

À minha frente, o computador recebia mensagens de todo o tipo. A quantidade de spams (material enviado para os correios eletrônicos sem autorização nem utilidade) é enorme e atrapalha a avaliação criteriosa daqueles que merecem alguma atenção. Já desperdicei meu tempo levantando a seguinte estatística: de cada vinte e-mails que aterrissam na caixa de correio eletrônico, cinco merecem ser abertos, dos quais três têm de ser respondidos e apenas um tem direito e respeito para ser registrado no ar. Além do correio eletrônico, navegava na internet em busca de informação e acessava as agências de notícias. Um televisor sobre a mesa, ao lado do computador estava ligado na Globonews, canal de notícias 24 horas, da Rede Globo de Televisão. 

Entrávamos no ar para mais um programa. Mas era 11 de setembro de 2001. 

Ouça o Plantão CBN que marcou o início da cobertura dos atentados, nos Estados Unidos:

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