São Bernardo, 457 anos contados a bordo de um ônibus

 

Acompanhe a primeira de duas reportagens em homenagem ao aniversário de São Bernardo e clique nas imagens para saber a história de cada um desses ônibus.

RIACHO GRANDE

Por Adamo Bazani

De um pequeno povoado na região das terras ocupadas pelo português João Ramalho, passando por ponto de pousada de tropeiros, fazenda de religiosos, núcleos coloniais até chegar a um dos expoentes da indústria e da economia nacional. É assim a rica história de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, que nesSe dia 20 de agosto, completou 457 anos.

A cidade, antes mesmo do progresso industrial e de ser um dos palcos da fabricação de automóveis brasileiros, a partir dos anos de 1950, dependeu e muito dos serviços de transportes coletivos para seu desenvolvimento e integração com as áreas que também registravam crescimento econômico, possibilitando para a população o acesso a mais oportunidades de renda e melhor qualidade de vida.

Neste aspecto, várias famílias, principalmente de imigrantes se destacaram para que São Bernardo se tornasse o que é hoje: um dos maiores PIBs do País, apesar da perda de boa parte das indústrias,  a partir da Guerra Fiscal entre Estados e Municípios, intensificada na segunda metade dos anos de 1990.

Entre as famílias de transportadores estão Setti, Braga (que depois de uniram pelos laços do romantismo), Locosselli, Aldino, Romano, Luchesi, Fogli, Breda, entre outras, que mesmo antes de São Bernardo se tornar propriamente urbana, tiveram a visão de que a cidade se desenvolveria e não tiveram medo do ineditismo e das dificuldades de transitar com ônibus de madeira montados sobre chassis de caminhão, as velhas jardineiras, que atolavam e quebraram nos caminhos de barro que ligavam as vilas recém criadas a partir dos anos de 1920, época em que núcleos habitacionais com características urbanas ainda se mesclavam com áreas de plantações e sítios.

E são dessas famílias que surgiram nomes de empresas de ônibus que marcaram a história de São Bernardo do Campo e ainda são muito conhecidos da população: Auto Viação ABC, Viação Cacique, Auto Viação Riacho Grande, Viação Triângulo, Viação Cacique, Breda Transportes e Serviços, Trans-Bus Transportes Coletivos Ltda, Expresso São Bernardo do Campo, entre outras.

É bem verdade que, por causa das transformações econômicas e políticas, principalmente por conta da inflação dos anos de 1980 e das ondas de municipalização dos transportes no início dos anos de 1990, além de problemas internos e específicos, algumas dessas famílias não resistiram e saíram do ramo, empresas deixaram de existir, ou mudaram de donos, quando houve no ABC Paulista a entrada de novos grupos, principalmente de empresários mineiros. Já outras famílias, no entanto, conseguiram vencer estes desafios e adversidades e as empresas ainda continuam sendo administradas pelos herdeiros, algumas já chegando à quarta geração destas famílias.

São Bernardo do Campo, no entanto, deve muito ao empreendedorismo e coragem destes investidores de transportes, que aproveitaram o crescimento econômico viram além do seu tempo e também se beneficiaram e muito com este desenvolvimento.

Mesmo antes da existência dos ônibus, no entanto, São Bernardo do Campo já tinha vocação para os transportes.

CACIQUE

Em 1553, o primeiro registro do povoado, fazia parte da Villa de João Ramalho ou Villa de Santo André da Borda do Campo. João Ramalho, imigrante português, casado com a índia Bartira, filha do Cacique Tibiriçá, que escolheu a região para reunir o primeiro povoamento do que se tornou o ABC que se tem registro.

No entanto, este povoamento teve de se mudar pela influência dos índios (alguns não eram simpáticos à ocupação dos portugueses), do Governo Imperial e dos religiosos.

São Bernardo do Campo já despertava sua vocação para transportes quando até metade da década XVII era ponto de passagem de tropas de comerciantes e investidores que levavam diversos produtos do Planalto (Capital Paulista e parte do Interior) para Santos.

Os “tropeiros” descansavam na região hoje correspondente a São Bernardo do Campo.

No ano de 1717, a região reúne outro povoado que começou a dar início a ocupação permanente de São Bernardo do Campo. Era a fazenda dos Monge Beneditinos, que ergueram uma capela para São Bernardo. A fazenda foi constituída ao redor desta capela e, além das atividades religiosas, atuava economicamente em plantações e criação de animais. Tudo inicialmente para o sustento dos religiosos.

O local desta fazenda era às margens do atual Ribeirão dos Meninos, hoje correspondente ao bairro de Rudge Ramos, um dos mais desenvolvidos de São Bernardo do Campo, que abriga intensas atividades de serviços, educação universitária e comércio.

No início da primeira década dos anos de 1800, os Monges se transferiram para a região correspondente hoje a Igreja Matriz, no centro da cidade.  Em 1812, devido ao crescimento das atividades comerciais e agrícolas, São Bernardo recebe o primeiro reconhecimento do governo provinciano e é elevado à categoria de Freguesia.

Mas os planos econômicos para a região eram maiores. No ano de 1877, por desentendimentos com o Governo Imperial e com o objetivo de fomentar ainda mais a economia da região, os monges têm suas terras desapropriadas. É formado neste ano o Núcleo Colonial de São Bernardo. A região foi divida em 15 glebas coloniais que desenhariam o que seriam hoje os principais bairros da cidade.

A partir deste momento, a área que já era um grande atrativo para imigrantes, principalmente italianos, que vinham buscar no Brasil melhores condições vida e mais oportunidades, conta com a primeira vinda em massa de europeus, que com uma concepção de negócios mais desenvolvida, empreendiam um novo ritmo econômico a área.
Isso fez com que a área ganhasse ainda mais notoriedade e importância. No dia 12 de março de 1889, São Bernardo é elevado de Freguesia para Município. Até 1938, toda a região do ABC Paulista, hoje composta por sete cidades, pertencia a São Bernardo do Campo.

Logo quando foi elevado a município, São Bernardo do Campo, já demonstrava sua inclinação para a industria, mesmo que nos padrões da época.

Guardadas as proporções de tempo e de forma de trabalho, uma das primeiras atividades industriais de São Bernardo foram as serrarias, que se beneficiavam da exploração de madeira. A área era repleta por diversos tipos de árvore.

A criação da represa Billings no início do século XX permitiu o aumento da infraestrutura e também das atividades recreativas da região.

Mais tarde até a primeira metade do século XX, o carro chefe da economia de São Bernardo do Campo era a indústria e o comércio moveleiro. A região da atual Av. Brigadeiro Faria Lima, que hoje abriga supermercados, igrejas evangélicas, lanchonetes e várias revendas de veículos, foi um dos principais pólos de fabricação e venda de móveis não só para a região, mas para todo o País.

Já com a indústria de móveis, a cidade oferecia condições de emprego e renda e atraía gente de todos os lugares do Brasil e do mundo.

VIACAO ABC

Os sítios que davam lugar aos galpões das fábricas também se transformaram em bairros, inclusive os mais afastados a região central ocupados principalmente por pessoas de baixa renda que não tinham condições de comprar terrenos perto de indústrias e comércio. Como em outras regiões, entra aí mais uma vez o ônibus como integrador social, facilitando o acesso da mão de obra aos locais geradores de emprego e de renda.

Paralelamente ao crescimento de São Bernardo, distrito de Santo André, que pertencia ao município, se destacava economicamente. Um dos principais fatores era a proximidade com a linha férrea Santos – Jundiaí, construída depois da idealização de Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, com Capital Inglês.

Por conta deste destaque, a sede do município, que era São Bernardo do Campo, passou a ser Santo André. Os papéis se invertiam e São Bernardo tornava-se distrito de Santo André.

Algo que não foi muito bem recebido por parte da população e por lideranças políticas que, pouco tempo depois lideraram movimentos emancipacionistas. Tais movimentos resultaram na criação do município independente de São Bernardo do Campo.

A partir dos anos de 1950, o perfil econômico de São Bernardo se transformaria mais uma vez. Iniciava a era do setor automobilístico, incentivada pela política desenvolvimentista de Juscelino Kubitscheck. A instalação de montadoras de grande porte em São Bernardo do Campo, como Volkswagem e Mercedes Benz, significou um avança tecnológico e uma renovação na estrutura da cidade. Além das montadoras, vieram as empresas de prestação de serviços e as indústrias da cadeia produtiva, como autopeças, plástico e borracha. Para fixação de todas estas atividades, uma outra ganharia importância: a da construção civil. Afinal, galpões, linhas de montagem, casas de operários, precisavam ser construídos.

A população de São Bernardo do Campo registra um crescimento vertiginoso. Pessoas de todas as regiões e de todas as qualificações profissionais (muitas até sem “profissão urbana”) chegam à cidade, que mais uma vez registra um elevado nível de crescimento urbano e populacional.

As ligações por ônibus tornam-se cada vez mais importantes, já que os bairros se tornavam maiores e mais distantes. Nasce também a atividade de fretamento de ônibus para a indústria. Eram empreendedores que encontravam brechas no sistema regular, indo até onde os ônibus urbanos ainda não tinham linhas, e também servindo turnos cujos horários não eram servidos pelas linhas “convencionais”, como o turno da madrugada,

Mas estas famílias de transportadores são anteriores a este processo. Muitas assistiram as várias etapas econômicas da cidade, desde as serrarias até as montadoras. Pela história das empresas é que podemos confirmar este fato. Algumas destas histórias você vai conhecer amanhã neste mesmo espaço, na segunda parte desta homenagem a São Bernardo.

Adamo Bazani, repórter da CBN e busólogo, escreve no Blog do Mílton Jung

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