Paraty … quantas saudades você me traz !

 

Por Julio Tannus

 

 

É parte da letra de uma música que cantávamos há muitos anos, décadas de 40/50, quando acordados víamos o sol nascer por detrás do mar alto em Paraty.

 

Ainda menino, vivia entre a cidade e a roça, com avô por parte de mãe fazendeiro, grande produtor de cachaça – as famosas Branca do Peroca e Azulada do Peroca – e avô por parte de pai sírio-libanês, principal negociante da cidade.

 

E aí chegam as lembranças. A leitura, o cinema aos domingos, a maré cheia limpando toda a cidade, a pescaria na noite de lua cheia, a cata de caranguejos no mangue quando roncava trovoada. Y otras cositas más!

 

A Leitura – além dos clássicos, lembro-me de versos e histórias contadas. Um provérbio “Quem compra o que não precisa, vende o que precisa”. Um ditado “Raposa na governança, não há frango em segurança”. Ao pé do ouvido: “Quem caminha descalço não deve plantar espinhos”; “A primeira ilusão do homem foi a chupeta”; “Nossas mentes são como paraquedas, só funcionam bem quando abertos”; “Quem não leva tombo não aprende a andar”. Não é a toa que a Flip – Festa Literária Internacional de Paraty tem tudo a ver com a cidade.

 

O Cinema – era a janela para o mundo. Sempre aos domingos, assistíamos ao noticiário pós-Segunda Grande Guerra, além é claro do Zorro, E o Vento Levou, Branca de Neve e os Sete Anões. O seu Pedro, dono do cinema, ficava na porta de saída auscultando a pulsação dos presentes para encomendar filmes que agradassem aos gostos de todos.

 

A Maré Cheia – a sabedoria dos portugueses construiu a cidade de tal maneira que a maré alta cobria as ruas da cidade, lavando-as e levando toda a sujeira para alto mar. Até que um prefeito chegou a conclusão que “Paraty não é nenhuma Veneza”, e então construiu um dique de pedras para acabar com “essa coisa absurda”. A maré continua firme e forte, mas o dito prefeito conseguiu transformar a saudável praia da cidade em um lago de sujeira.

 

A Pescaria – saíamos de canoa tarde da noite de lua cheia para a pesca com anzol. Os peixes eram tantos que o simples toque do remo emitindo sons levava peixes para dentro da canoa. No arrastão de rede na Praia do Sono experimentava as delícias de uma massagem inigualável: deitado na proa da canoa carregada de peixes vivos até a borda.

 

Os Caranguejos – eram a fonte de dinheiro para compra de picolés, marias-moles, bolas de gude, gibis e outras guloseimas mais.

 

E hoje vejo Paraty com seu caráter nuclear ainda presente, intocável, fazendo parte dessa nossa pós-modernidade. Foi lá que encontrei minha companheira de sempre, e em sua homenagem escrevi esses versos:

 

Uma Ode a Sonia amiga

 

Oh! Sonia querida
Hoje não tem alegria, só tristeza.
Você que alegrava meu silencio com seu olhar;
Você que tirava minha solidão com sua presença;
Você que conquistava meu coração com sua coragem;
Você que carregava a tristeza de tantos com sua sabedoria;
Você que iluminava a escuridão de todos com seu pensamento;
Você que diminuía a dor de muitos com sua generosidade;
Você perdeu seu corpo, mas ganhou o olhar de todos nós;
Oh! Sonia querida
Hoje não tem alegria, só tristeza…

 

Julio Tannus é consultor em estudos e pesquisa aplicada, co-autor do livro “Teoria e Prática da Pesquisa Aplicada” (Editora Elsevier). Escreve às terças-feiras, no Blog do Mílton Jung

12 comentários sobre “Paraty … quantas saudades você me traz !

  1. A questão da maré e a sabedoria dos portugueses ficou provado na cidade do Rio de Janeiro, onde a praia de Copacabana, por exemplo passou a ter uma enorme faixa de areia. Originalmente uma escassa praia permitia à menor “ressaca” invadir os prédios da Avenida. Atlântica.
    Quanto aos peixes, lamentavelmente hoje as coisas mudaram pela pesca desordenada. Ainda há, mas infinitamente menos.
    De qualquer maneira ainda há encanto e, a FLIP não tem melhor lugar para acontecer.
    Só faltou falar da exuberante culinária de Paraty. O camarão casadinho, a banana da terra frita com canela, o biju, a farinha, a tapioca, etc. tão bem retratada no romance de João Silvério Trevisan “Ana em Veneza”.

  2. E leio agora nota no Estadão de que Suzana Villas Bôas, após cinco anos, conseguirá fazer sair do papel projeto de restauração do cinema de Paraty. Mais arte, mais cultura, mais beleza em Paraty.

  3. Pois é Milton, as coisas andam sempre muito devagar. Há cinco anos passados, durante a Flip, fui convidado a dar uma entrevista sobre a história do cinema em Paraty, no próprio local do cinema. Após a entrevista, fez-se o lançamento do projeto de restauração, cujo cronograma previa uma implantação de curto prazo.

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