Por Waldizia Moniz
Ouvinte da CBN

A casa ainda está lá. Quando nasci em meados da década de 40, ela era muito mais bonita. Um sobradão amarelo com quatro janelas dando para a rua. As do andar superior exibiam duas pequenas jardineiras lotadas de lírios azuis, paixão de vovó. Tempos diferentes aos de hoje. Nossa porta permanecia sempre bem aberta para facilitar a entrada dos parentes e dos vizinhos. O único telefone disponível naquela rua era o nosso, exceto um outro que pertencia ao Lourenço da mercearia.
Pois é. Nasci e cresci ali, numa rua ainda sem asfaltamento e quase nenhum trânsito. De minha porta, podia perfeitamente avistar a pequena igreja de São José do Maranhão, onde fiz a primeira comunhão. Tínhamos dias comuns e bucólicos, com o verdureiro passando logo cedo com sua carroça de frutas, legumes e verduras. Sentadinha no degrau da porta da rua, eu acompanhava a cantoria das donas de casa batendo suas roupas nos tanques e seu vai e vem com bacias equilibradas nas cabeças, em direção ao gramado, onde estendiam sua fileira de roupas alvas e humildes.
Por volta do meio dia, o cheiro de frituras variadas invadia o ar. Vovó fazia uns bolinhos de polvilho sensacionais. A infância que vivi difere completamente da infância atual.
Meu local para brincar e aproveitar a vida era a rua. Com um bando de garotos, eu desaparecia por entre recantos fascinantes do meu querido bairro do Tatuapé. Gozei de uma espetacular liberdade de movimentos, onde não se cogitava ainda da presença de quaisquer perigos.
Muito pequena, aprendi a me virar sozinha quando foi preciso estudar um pouco mais distante de casa. O velho bonde era meu meio de transporte favorito. Eu esperava por ele ali na Celso Garcia e seguia até o bairro da Penha, descendo no ponto final. O colégio religioso ficava logo atrás da igreja da Penha. Durante sete anos, fiz este percurso. Expandi minhas andanças tão logo comecei a fazer um cursinho pré-universitário na região central de São Paulo. Acho que foi nesta época que caí de amores pela minha cidade. Ao relembrar as ruas de minha São Paulo antiga, muitas vezes ainda sou tomada por uma emoção marcante e singular.
Fui uma pequena exploradora que percorreu com amor e curiosidade todas aquelas ruas que ainda mantenho vivas na arquitetura de minha mente. Tomei o famoso chá no Mappin da Xavier de Toledo. Fazia meus lanches na Leiteria Americana. Comprei meus vestidos de baile nas butiques da rua do Arouche. E como namorei! Namoros ingênuos, regados a músicas românticas e passeios de mãos dadas. Hoje, tenho três filhos, seis netas e um casamento com o companheiro que está aqui ao meu lado há cinquenta anos.
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Waldizia Moniz é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Seja você também personagem da nossa cidade. Escreva seu texto agora e envie para contesuahistoria@cbn.com.br.