Conte Sua História de São Paulo: a festa junina da Vila Brito

Dora del Mercato

Ouvinte da CBN

Foto: Alan Kleina Mendes

Na década de 1970 meu mundo se resumia a Freguesia do Ó, mais precisamente a Vila Brito — uma vila de algumas ruas com casas iguais, alugadas para famílias em busca de uma vida melhor. O piso era de terra, quase nenhum movimento de carro. Telefone? Era um luxo. Havia apenas em uma casa que a família emprestava para quando algum vizinho necessitasse.

Aquele bairro, aquelas ruas eram nosso parque. Foi onde cresci. Tinha amigos que moravam na vizinhança e estudavam na Escola Estadual Professor Antônio Emílio de Souza Penna, que fazia divisa com a minha casa, garantia de lanche fresquinho no recreio. Era só gritar: “mãããnheeeeee”… em seguida, ela aparecia com um pão ou um bolo entregue por cima do muro.

Mas, vamos ao que interessa: a festa junina! 

Tudo planejado com antecedência: a data, onde colocaríamos a mesa, as cadeiras, a fogueira .. chamaríamos um sanfoneiro? Cada um levaria um prato típico. Fazíamos uma vaquinha para comprar o papel de seda das bandeirinhas, bambus que enfeitavam a entrada da rua, e lenha para a fogueira. O fim de semana era dedicado a recortar as bandeiras e fazer a cola: uma mistura de água com farinha de trigo. Na véspera da festa, um fio enorme de barbante era estendido de ponta a ponta na altura suficiente para as crianças alcançarem e colarem as bandeirinhas. Uma bagunça só, misturada com ansiedade e alegria.

Na cozinha da minha casa —  e dos vizinhos também — mais bagunça. Ninguém se contentava em levar apenas um pratinho. As mães se desdobravam em fazer o melhor: quentão, vinho quente, doces, salgados, pipocas e amendoins. Daria para alimentar um batalhão! 

Na noite da festa, as crianças eram as primeiras a aparecer. Ansiosas pelas comidas, brincadeiras e pela fogueira. Ah, a fogueira! Os adultos preparavam a estrutura de madeira e lenha logo pela manhã. As cadeiras eram posicionadas no entorno dela — em um ponto que fosse possível ficar vigiando as crianças ao mesmo tempo conversando amenidades.

Minha mãe não nos perdia de vista, mesmo assim conseguíamos brincar com as brasas. Uma das diversões era amarrar palha de aço num barbante, colocar na brasa para pegar fogo e girar a palha com força; lindo de ver, mas devo confessar: às vezes escapava o barbante e queimava de leve a blusa de algum vizinho. Lá vinha bronca!

Quando o sanfoneiro aparecia era uma alegria! Cantorias e danças improvisadas. Com várias paradas para ele abastecer. Música, danças, conversas e risadas: era mágico olhar o fogo e as labaredas; já no fim da festa, as cinzas e algumas brasas avermelhadas. Dormíamos cheirando a fumaça e com medo de fazer xixi na cama — ou você nunca ouviu que criança que brinca com fogo faz xixi na cama?

O tempo se foi, vizinhos partiram, a rua foi asfaltada e virou passagem de carros, casas deram lugar a prédios. Nada, porém, foi suficiente para levar embora nossas lembranças da festa junina na Vila Brito.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Dora del Mercato é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto agora e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite meu blog miltonjung.com.br e o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Deixe um comentário