Por Maria Lucia Solla

Ouça ‘De Exercício’ na voz e sonorizado pela autora
proteção todos nós temos
a mesma
abençoados todos nós somos
sem exceção
dizem que viemos aqui
para aprender a lição
É preciso apenas reconhecer o fato, para encontrar a paz, agradecer sempre pela vida, límpida ou nebulosa, com gosto doce ou amargo.
Quanto tempo perdi, meu Deus, choramingando mais do que quinze minutos por qualquer coisa – por mínima ou máxima que fosse – que me desagradasse, que fosse contrária aos meus desejos; aos meus princípios.
E que raio de princípios são esses, que mal se pode ler na cartilha esquecida no banco do carona do carro da minha vida?
Abro a porta e me desfaço dela, e até hoje busco força para desinstalá-la de mim. Sei que felicidade existe na proporção inversa da lembrança do conteúdo da tal cartilha, e que é preciso arregaçar as mangas e seguir em frente com a faxina, dia após dia; descer aos porões e subir ao sótão, escancarar portas e janelas, espanar, varrer e recolher o entulho. Desfazer-se dele, cada um à sua maneira. Com ou sem ritual, no raiar do dia ou no seu final.
desfragmentar-me é preciso
libertar-me é preciso
renovar
aceitar o palatável
rejeitar o indesejável
largar a mágoa na esquina da rua que sobe e desce
agir
agir sempre
exercer a vida
é condição
não opção
assim a gente cria
faz e se expressa
na correria
ou sem pressa
Hoje consigo vislumbrar raiozinhos de luz aqui e ali. Tateio o dia, tropeço na emoção, me equilibro entre o sim e o não. Me sinto só, célula desgarrada do tecido social, mesmo sabendo que faço parte de uma imensa, forte e sempre crescente rede de outros seres conhecidos, desconhecidos, visíveis e invisíveis aos olhos da carne, e aos olhos da saudade.
Quando sinto que algo ou alguém está sendo levado de mim, o reflexo aprendido na cartilha mofada e embolorada é chorar, lamentar, ou driblar a responsabilidade e passá-la para o vivente mais perto da jogada; ou ainda chutá-la para o alto, mirando o Criador, o Pai, a Mãe, pensando estar cheio de razão. Só que razão não enche barriga, não aplaca tristeza; é ativo inútil e não negociável. E vou tocando meu barco, de preferência sem razão, que pesa, não ajuda a remar, é arrogante e nem de longe elegante.
E ontem hoje e amanhã, me rendo, rindo ou chorando, ao inevitável exercer a vida.
Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung.