Conte Sua História de São Paulo 470: minha Móoca tem o cheiro do cotonifício e o sabor do cannoli

Italo Cassoli Filho

Ouvinte da CBN

Fachada do Cotonifício Rodolfo Crespi. Foto de Daniellima89 Domínio público

Destacar um ponto especial de São Paulo não é tarefa fácil. Cada lugar, cada cantinho, cada nicho tem seus encantos próprios.

Se você for ao Brás, Liberdade ou Bela Vista terás a oportunidade de vivenciar emoções diferentes ainda hoje.

Mas o meu “cantinho” é a Mooca…ahhh como eu te amo!

E essa paixão vem dos idos de 1960 quando passava as férias na casa do tio Américo e da tia Ida.

O encanto era ainda maior porque eu vinha de Pirassununga, uma realidade totalmente diferente. Desembarcar na estação da Luz e embarcar no bonde rumo a rua Javari passando pela rua dos Trilhos já fazia aquele menino tremer na base. 

Quando o motorneiro parava próximo ao Cotonifício Rodolfo Crespi, uma industria têxtil, fundada em 1897, que ocupava uma enorme área a minha pulsação disparava. Até a fumaça e o odor que ela exalava, me encantavam.

E assistir aos treinos e jogos do Juventus? Que felicidade vibrar com meu Moleque Travesso, aquele cannoli de sabor incomparável. Dá água na boca.

Dez anos depois, eu iniciei minha carreira profissional como professor. 

Onde?  No Colégio MMDC na rua Cuiabá. Claro, na Mooca. Destino? Se foi ou não, eu pouco me importei, a minha felicidade era estar novamente no bairro que aprendi a amar.

O bonde fora substituído pelo ônibus, que partia da Praça Clovis Beviláqua, e ao mesmo tempo que fazia seu trajeto projetava em minha memória um filme que até hoje, quando tenho a oportunidade de lá retornar, ainda vejo: a fumaça, o cheiro do Cotonifício, o sabor do cannoli, as vitórias do Moleque Travesso.

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Italo Cassoli Filho é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Juliano Fonseca. Venha participar das comemorações dos 470 anos da nossa cidade. Escreva seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos, visite o meu blog miltonjung.com.br , acesse o novo site da cbn CBN.com.br, e ouça o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo 470: dos bondes lotados às cabras do Cambuci

Joao Coppa

Ouvinte da CBN

Reproduçao do site São Paulo Antiga do pesquisador Douglas Nascimento

Os bondes que usávamos estavam sempre cheios de pessoas andando em pé nos estribos. Quando a gente não tinha dinheiro, era preciso fugir dos cobradores, que andavam em volta do bondes mesmo quando em movimeto. A maioria dos cobradores de bondes era de portugueses .

Nasci em São Paulo, no bairro do Cambuci na Rua José Bento, lá pelos anos de 1930. A ruas do bairro eram de terra, onde se faziam fogueiras na época de São João. A festa durava a noite inteira e o melhor momento era o de pescar com uma varetinha as batatas doces no meio da fogueira. 

Tinham também pinhões assados e pipocas, além do gostoso quentão, só para maiores Os balões coloridos passeavam à vontade lá entre as estrelas, e, às vezes, caiam, por sorte, perto da gente. 

De vez em quando ouvia-se um tilintar de sinos e lá vinha uma porção de cabras, lideradas por um bode. Eram os vendedores de leite de cabra, que por uns trocados nos forneciam um copo de leite ainda quente, pura delícia! 

Nos fundos da vila de casa onde morávamos, passava uma valeta, onde, nos campos em redor, meu pai catava cogumelos, que minha mãe fritava. 

Todos os dias, no cair da tarde, enxames de pernilongos vinham atacar, e minha mãe costumava, acender jornais dentro de uma bacia, a luz atraía os insetos que morriam no calor. Ainda não havia inseticida. 

Fomos morar depois na rua do Paraíso, onde meu tio tinha uma loja de armarinhos, em que se vendia fazendas em peças, roupas, linhas e agulhas. Comecei a trabalhar nessa loja enquanto frequentava o curso primário no Grupo Escolar Rodrigues Alves, que ainda existe lá na  avenida Paulista. Eu fazia entregas da loja, alem de varrer, arrumar as mercadorias. As entregas me levavam longe, lá para o bairro da Aclimação. Para chegar até lá tinha de atravessar a mata que hoje é a avenida 23 de Maio. Pura aventura! No meio tinham bicas d’água sempre geladinha, frutinhas silvestres, moranguinhos e amoras, coquinhos e pitangas. 

Naquele tempo, o Carnaval era festejado na Paulista, e os carros enfeitados com os foliões vinham da Consolação e faziam a volta  na Praça Osvaldo Cruz, que só tinha uma única via, e alguns casarões no entorno.

Durante a Segunda Guerra, as padarias não tinham trigo para fazer o pão e de vez em quando produziam um pão preto e intragável. Gasolina também não tinha, e inventaram o carro a gasogênio, que funcionava a carvão e soltava uma fumaça preta e mal cheirosa. 

Chegando nos anos 1950, na Praça da Bandeira, onde é hoje o terminal de ônibus, havia o Circo de Alumínio, que era também um parque de diversões. Naquele tempo, o Palhaço Piolin e sua turma faziam as brincadeiras no seu próprio circo, na praça Marechal Deodoro. 

Já na esquina da São João com a Ipiranga, grande filas se faziam para entrar nos belos cinemas: o cine Art-Palácio, o Paisandu, o Ipiranga e o belo Cine Metro, onde os homens só entravam de gravata ao lado de mulheres bem chiques.

Todas essas coisas e lembranças boas que o tempo deixou para trás.

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Conte Sua História de São Paulo 470: os sons da cidade

Fernando Dezena

Ouvinte da CBN

Foto de DANIEL QUEIROZ

queria ouvir os sons da cidade
mas a cidade não fala
a cidade não grita
a cidade fica silenciosa
pelo meu caminho

deito à noite – quarto de hotel
e não ouço a cidade
o que me vem é lembrança
de um som que se apagou
mas não era o som da cidade

na rua andando
ouço ônibus em disparada
ouço buzina atormentada
ouço gritos do louco perdido pela rua

                                                                      (eu?)


mas é o som do ônibus
o som do carro
o som do louco agora na calçada
não ouço a rua

e esse desejo de ouvir tijolos sobrepostos me consome
e esse desejo de ouvir os paralelepípedos enterrados me alucina
piso sobre eles como querendo ouvi-los gritar
eles não gritam
eles se calam
e transformam em angústia as respostas que não tive

mesmo no cemitério da cidade

(introspecto – quarta parada – última na brincadeira do taxista)

ouço vozes
uma sorrindo, outra cantando, outras pedindo clemência a Deus
mas dos muros do cemitério nada se ouve

as lápides, as esculturas

pedra, bronze, marfim
nada dizem
quietas observam a eternidade

talvez nas construções restauradas
na demão de tinta
no parque preservado
ouça algum barulho que não da vida
(de agora)
mas da vida silenciosa que construiu a metrópole
talvez
auscultando
as paredes
com outro timbre
possa ouvir ruídos de histórias
talvez
talvez um menino que correu pela praça
talvez a prostituta em gozo pela noite
talvez o professor
talvez o poeta que nada quis além do menino da mulher e do aluno
talvez um poeta possa ouvir
mas não o que canta a cidade
aquele que tente ouvi-la

surdamente questiona

ouvi-la para quê?

qual o sentido de ouvir a cidade
qual o sentido de petrificado ante ao Theatro municipal gritar
– o que me tens a dizer!

não te procurei
não te procurei
não te procurei
três vezes te nego
e sei que jamais serei absolvido em teu silêncio

o meu pai aqui pisou
minha mãe andou por tuas ruas
andou em teus bondes
ouviu as pessoas
contou tantas histórias
sei de coisas que podem me levar ao engano
de dizer
– ouvi a cidade

mas meu pai morreu com o pulmão cheio de nicotina

não das fumaças de tuas ruas

minha mãe morreu de tanto amor que tinha

traiçoeiramente

não em tua traição

meu irmão Toninho morreu no alto da Paulista

meu irmão Tarcísio viveu no alto da Paulista

meu sobrinho canta pelos teus bares

meus sobrinhos andam por tuas ruas

meu irmão tem casa nesta cidade

pensei que poderia ouvir-te dizer

ao menos

bom dia.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Fernando Dezena é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Juliano Fonseca. Esse texto foi adaptado para você ouvir aqui no rádio. A poesia completa você lê no meu blog miltonjung.com.br. Seja você também um personagem dos 470 anos da nossa cidade: escreva agora para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos acompanhe o podcast do Conte Sua História de São Paulo

O mover e vibrar dos sessenta anos

Por Antonio Carlos Aguiar

Imagem criada no Dall-E

“Sinto-me como Silvana Dualibe ao escrever

seu ‘De repente sessenta’, citando Cora Coralina ,

‘com mais estrada no coração do que medo na cabeça.’” [1]

 

Nesse começo de ano alcanço a idade de sessenta anos!

Todos vocês já sabem como vou começar, mas, me desculpem, não há como ser diferente, senão iniciando pelo bordão: passa rápido demais

 E pior: não fosse o bendito do espelho, eu sequer me veria com sessenta anos.

Mas, chegou. E devo dizer: que ótimo, uma vez que a outra opção não é melhor, uma vez que desconheço literalmente se há “um depois”, e como ele é ou seria.

Bora, então, olhar o lado bom e místico desse novo número etário.

Nesse sentido, os olhares espiritual, mítico e da numerologia se apresentam como um belo elixir para amainar o peso dos sessenta, afinal de contas, segundo a Bíblia:

“Sessenta é o número que representa misticamente todos os perfeitos. Por isso se diz no Cântico dos Cânticos (3:7): ‘É a liteira de Salomão – isto é, a Igreja de Cristo – escoltada por sessenta guerreiros, sessenta valentes de Israel’. Também sessenta é o fruto dado pelas viúvas e continentes. Daí que se leia no Evangelho (Mt 13:23): ‘E produzirão fruto: cem por um, sessenta por um, trinta por um’”; [2]

No espiritismo, observo o número 60 pode ser associado a diferentes conceitos, como evolução espiritual, aprendizado, equilíbrio e transformação;

Nos enigmáticos, numerologia, horóscopo e signos, o número 60 pode ter diferentes interpretações e significados. Pode representar uma energia específica, uma influência astrológica ou até mesmo um arcano do tarot;

No Candomblé e umbanda, o número 60 pode estar relacionado a diferentes entidades, orixás ou energias espirituais. Cada um desses sistemas possui suas próprias interpretações e significados específicos”.

Na vida prática o neófito sexagenário deve, portanto, para que “todos os perfeitos” se manifestem; para exteriorizar e materializar o “aprendizado, o equilíbrio e a transformação”; fruir “energias positivas, próprias de um arcano”; e dar “interpretações e significados” apropriados a esse estágio de vida, fazer mais, diferente e novo, de novo.

Não pode ter melindres. Deve ser humilde e atento com todos os vetores de mudanças. Tem de desaprender e reaprender. Se reinventar a todo instante, a cada segundo; a cada 60 segundos; a cada minuto; a cada 60 minutos; a cada hora; a cada ciclo de cinco anos ou 60 meses; e assim sucessivamente até por muito mais de 60 anos …

Deve viver numa espécie de looping-cognitivo-alquimista capaz de transformar experiência em desempenho superior (e digital). O tempo, mesmo para o sessentão, não para.

Há um começo em cada esquina. Há sempre mais um novo; e de novo ponto a ser ligado no mosaico nexialista dessa recente casa etária.

O sessentão não pode apenas contar com o conteúdo-linear da sua bagagem de aprendizado acumulado. Ela, com certeza, é insuficiente, e, por vezes até errática culturalmente, uma vez que se permeia pela limitação da fonte que a carregou, frente às infindas oportunidades tutoriais e disruptivas agora disponibilizadas, de modo fácil e com disponível acesso a todos.

Ele tem de olhar para frente.

Ter clareza e certeza de que o para-brisa do saber é muito maior que o retrovisor das informações lineares recebidas ao longo da sua vida.

Tem de enxergar e fazer mais, mais e diferenciado. Não existe limitação de estação, saber e/ou especialidades.

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