Por Maria Lucia Solla

Ouça “De penso, logo sou” na voz e sonorizado pela autora
Ah, estes tempos estranhos e confusos!
A situação do mundo está na corda bamba. Acontece uma desgraça atrás da outra e a gente lamenta, comenta como se não tivesse nada a ver com isso. Não estou supondo, não imagino; sei como me sentia quando lia uma notícia sobre uma criança ter sido assaltada na rua, até o dia em que meu filho, aos sete anos, foi covardemente assaltado e ameaçado de morte, na rua.
Nunca quis ter um peso ou uma medida para medir o que vivi e comparar com o que vivo. É sempre outro cenário; outros personagens, outra música, outro ritmo, mas não me lembro de ter me sentido tão insegura; tão aprisionada.
Há mais ou menos nove anos, sofri dois atentados com intervalo de quinze dias entre o primeiro e o segundo. Fui perseguida, na primeira vez, por um carro que levava quatro bandidos. Perseguição das boas, porque fui piloto de rally, no Rio Grande do Sul. Passei apuro, mas dei um trabalhão danado e, como demonstra este texto, continuo por aqui.
No segundo atentado eram dois carros coreografando uma armadilha bufa. O primeiro, depois de me perseguir, ultrapassou e freou tentando me encurralar. Eram quatro no carro também dessa vez. Freei a tempo. Tinha sentido tudo, uma fração de segundo antes. Em seguida, o outro carro bateu na traseira do meu e me encontrou mais atenta do que nunca. Não arredei pneu. Tinha percebido o movimento todo. Dois bandidos saíram do carro da frente, dois do carro de trás, e vieram na minha direção; e eu escapei, só Deus sabe como. Desloquei o espelho retrovisor batendo no braço de um deles e voltei para casa a cento e sessenta por hora, viva. Viva, mas destroçada, desrespeitada, aviltada, abusada, covardemente desafiada. Durante mais de um ano não saí de casa à noite. Nada impedia que eu fosse perseguida durante o dia, mas trauma é trauma e a gente não explica; se livra dele o mais depressa que pode.
Hoje, não penso em jantar fora porque não está no meu elenco de prioridades, ser vítima de arrastão e ter que entregar meu celular, documentos, e o anel que me sobrou quando meu apartamento, num décimo-terceiro andar da Alameda Jaú, foi invadido por oito homens armados que acabaram com a minha alegria, com a alegria dos meus filhos, do meu namorado, dos amigos que já estavam lá em casa para uma festa, dos amigos que chegavam e eram depenados – e trancafiados na casa do zelador-, do próprio zelador, dos porteiros, dos moradores que chegavam e saíam de suas casas.
É de parar e pensar, não é?
Não pensar atrelado a ideias petrificadas, não pensar o pensamento bolorento condicionado ao longo do tempo, por sucessos e reveses que se revezam nos nomes e erregês dos atores, seguindo o mesmo roteiro, com começo parecido e final já conhecido.
Há que pensar com o coração expandido, a mente domada, pensar por amor, por boa intenção, evitando a artimanha, a covardia, o medo, o Gersonismo, o fanatismo, o egoísmo destrutivo, o ódio, a mentira, o ciúme, a posse, a manipulação, o barbarismo, o fingimento, a dissimulação, a armadilha, a armadura, a arma, o mal-humor, o aidemim-mismo, a escravidão.
Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung.