Carlo Acutis: santo de jeans, tênis e rosário

Li hoje, no New York Times, a reportagem da jornalista Elisabetta Povoledo, que me levou até Assis sem que eu saísse da cadeira. Pela tela, entrei no santuário onde está o corpo de Carlo Acutis, um adolescente que morreu em 2006, aos 15 anos, e que, neste domingo, será canonizado no Vaticano pelo Papa Leão XIV.

Enquanto lia, parecia ouvir o murmúrio das orações que Povoledo descreve — em italiano, espanhol, inglês, português. Um coro de línguas diferentes diante de um jovem que será o primeiro santo millennial da Igreja Católica.

E confesso: mais do que os dados, foi a cena que me prendeu. O corpo repousa num túmulo parcialmente transparente. Jeans. Tênis. Jaqueta esportiva. Um rosário nas mãos. Não se vê um manto dourado, não há hábito de freira ou sandálias de frade. Ali está um santo com cara de quem poderia estar passando por nós na rua, mochila nas costas e celular no bolso.

A reportagem conta que um milhão de pessoas visitaram o túmulo de Carlo só no ano passado. A média de idade dos peregrinos caiu “algumas décadas”, disse o bispo de Assis. Jovens que haviam se afastado da Igreja agora se aproximam. Por quê?

Talvez porque Carlo seja deles. Jogava videogame, tinha amigos, ria, rezava, navegava na internet. Entendeu cedo o impacto da rede e decidiu usá-la para espalhar fé. Criou um site para catalogar milagres eucarísticos, antecipando o que muitos adultos ainda não sabem: a internet é só ferramenta; o sentido está no uso que fazemos dela.

A professora Kathleen Cummings, especialista em santos, disse ao Times:

“Num momento em que a sociedade e a Igreja estão preocupadas com o impacto corrosivo da tecnologia, Carlo mostra que é possível usar o digital como ponte, não como barreira.”

Talvez seja isso que atraia tanta gente: Carlo viveu na mesma frequência dos jovens que agora se aproximam dele.

Outro detalhe chama a atenção: a rapidez com que a devoção cresceu. Desde que o corpo de Carlo foi levado a Assis, em 2019, surgiram capelas, escolas e grupos nas redes sociais dedicados a ele. Há dezenas de páginas no Facebook, lembranças espalhadas por lojas e até souvenirs com a imagem do garoto de camisa polo vermelha e mochila.

Ele se tornou símbolo num tempo em que, paradoxalmente, a fé institucional parece perder espaço. Um estudo citado pela reportagem, feito pelo Instituto Giuseppe Toniolo, mostra que 30% dos jovens italianos não têm crença religiosa — o mesmo percentual dos que se declaram católicos praticantes. Carlo, dizem os especialistas, virou um ponto de convergência entre os que buscam espiritualidade e os que se afastaram da Igreja.

Uma peregrina entrevistada pelo Times, Nerea Rano, resumiu talvez o maior segredo da atração que Carlo exerce:

“É fácil rezar para ele porque ele é jovem. Ele fala com os jovens. É como olhar para um espelho.”

Um espelho, penso eu, que devolve a imagem de um santo real, de carne, osso e tênis, com gostos comuns e linguagem próxima. Carlo não fundou escolas, não abriu hospitais, não escreveu tratados de teologia. Vivia a fé no cotidiano. O Papa Francisco dizia que “a santidade está no próximo” e Carlo parecia acreditar nisso com naturalidade.

Neste domingo, na Praça de São Pedro, Carlo será declarado santo. Não sei o que isso mudará para a Igreja — talvez muito, talvez pouco. Mas, para quem lê a história, fica a sensação de que a santidade deixou o pedestal e sentou no banco ao nosso lado.

Santo de jeans, tênis e rosário. Um garoto que entendia de internet e, ainda assim, acreditava profundamente. Talvez por isso, mais do que um exemplo distante, Carlo Acutis pareça um convite próximo: ser santo pode caber na nossa rotina, no nosso feed, no nosso silêncio.

E, de algum jeito, isso me fez pensar que a fé, como a boa comunicação, acontece quando encontramos a linguagem certa.

PS: Se você estiver na cidade em São Paulo, uma das formas de conhecer de perto a história desse jovem é visitar a exposição com informações, imagens e pertences de Carlos Acuti, no Salão Paroquial da Paróquia de Santa Suzana,  na rua David Ben Gurion, 777.

Assis, de promessa do futebol a fazedor de promessas

 

Por Airton Gontow
Jornalista e cronista

Você se lembra do jogador Assis? Não, não falamos do ótimo atleta do Fluminense e do Atlético-PR, que marcou época no futebol brasileiro, formando com o centroavante Washington a versão brasileira do Casal 20.

Nos referimos a Roberto de Assis Moreira, o empresário, conhecido no mundo do futebol, como ‘o irmão do Ronaldinho Gaúcho”.

Baixinho e habilidoso, foi um dos grandes casos de craque excepcional que acabou não acontecendo. Integrou diversas Seleções Brasileiras e atraiu o interesse dos europeus que tentaram “sequestrá-lo” para a Itália. Foi resgatado pelo Grêmio e brilhou por pouco mais de um ano no tricolor gaúcho, que conduziu ao título da Copa do Brasil de 89, com atuações estupendas. Fez um dos gols na vitória gremista de 2 a 1 na partida final contra o Sport. Na semifinal, o time gaúcho havia despachado o Flamengo com uma humilhante goleada de 6 a 1.

Na época, o empresário Juan Figer chegou a afirmar que Assis era a promessa mais valiosa do futebol mundial.

Com muitas perspectivas, em estranhíssima transação Assis foi jogar no vibrante futebol suíço: no FC Sion. Lá seu futebol não evoluiu, apesar de algumas boas atuações. Pelo contrário, piorou, murchou. Quase sumiu. Mesmo assim, conseguiu transferir-se em 95 para o Sporting Clube do Porto, onde ficou pouco tempo. Em 96, jogou seis meses no Vasco e outro semestre no Fluminense. Voltou ao Sion e, novamente, a Portugal, para jogar no poderoso CF Estrela da Amadora. Pouco depois foi atuar na equipe japonesa do Consadole Sapporo. No ano 2000, foi defender o Corinthians e, em 2001, foi à França, para jogar no Montpellier, onde encerrou sua carreira.

Assis acabou não acontecendo. Percorreu o mundo, mas não chegou ao estrelato. Fracassou, para a surpresa de todos que o acompanharam nas equipes de base do Grêmio e da Seleção Brasileira.

Com a morte prematura do pai, tornou-se a figura paterna para o pequeno Ronaldo. E quando Ronaldinho Gaúcho confirmou as previsões de que seria o maior craque da família Moreira, Assis passou a gerenciar a sua carreira. Não deixaria o irmão repetir seus próprios erros, garantiu.

Roberto de Assis Moreira é presidente e fundador do Porto Alegre Futebol Clube, criado em janeiro de 2006. Após alguns anos na Segundona Gaúcha, o Porto Alegre conquistou o título em 2009 e a ascensão à Primeira Divisão. No ano passado, garantiu a permanência na elite da competição estadual. Em 2011, estará novamente entre os principais times do estado.

Assis é um homem rico. Mas não conseguiu cumprir a promessa de ser um bom gerenciador para a carreira do irmão.

Ronaldinho Gaúcho ganhou competições importantes, foi campeão do mundo pela Seleção Brasileira, foi duas vezes eleito o melhor jogador do mundo pela FIFA, tem uma fortuna estimada em 100 milhões de euros, mas está claro para todo mundo – mídia e torcedores – que – quando o assunto é apenas futebol e não situação bancária – é um jogador que desperdiçou o enorme talento que “Deus lhe deu”.

Nunca um gênio do futebol amargou tantos momentos no banco de reserva. Foi assim no Grêmio, ainda que em início de carreira; assim foi no Paris Saint-Germain, no Milan e até mesmo no Barcelona. Aos 30 anos, não foi convocado para a Copa do Mundo de 2010.

Ronaldinho Gaúcho é um craque que não é o grande ídolo em nenhum dos clubes em que atuou. Teve, sabemos, milhões de admiradores no mundo inteiro. Mas não é amado por torcida alguma. Não deixou saudades no Paris Saint-Germain e no Milan. Saiu vaiado do Barcelona, onde foi substituído e implacavelmente superado por Messi.

Não tem nem a paixão da torcida brasileira. As vozes que cobraram Dunga por sua desastrosa convocação para a última Copa pediam Ganso e Newmar. Poucos reclamaram a ausência de Ronaldinho Gaúcho.

Nada indica que se for para o Flamengo o excepcional jogador conseguirá ocupar na história do clube e no coração do torcedor rubro-negro o espaço que é de Zico. Sua última chance de se tornar um ídolo para a história era no Grêmio.

Há poucos indícios de que o jogador está realmente disposto a resgatar seu grande futebol. As notícias sobre o craque gaúcho mostram que ele encontrou Romário na churrascaria Porcão, que foi esta semana a uma feijoada e que ontem foi até Florianópolis para assistir, às duas da manhã, ao show de Amy Winehouse. Nenhuma informação ou imagem trazem o Ronaldinho entrando em uma academia ou correndo na praia, em busca de entrar em forma, ainda que todos os times já estejam em plena pré-temporada.

O leilão promovido por Assis e a ridícula coletiva de imprensa no Copacabana Palace desgastaram ainda mais a marca Ronaldinho Gaúcho. Se o futebol do jogador já estava em declínio desde 2006, sua imagem parece seguir o mesmo caminho, ainda que seu provável destino seja o Flamengo, time com a maior torcida do futebol mundial.

Promessa e Assis são palavras que andam, inexoravelmente, juntas. De eterna promessa, Assis é um homem que promete para todo mundo.

É triste a atual imagem de Ronaldinho Gaúcho.

Seu famoso sorriso faceiro parece hoje, para a maioria das pessoas, o riso de um homem sem personalidade, um bobo alegre, que deixa tudo nas mãos do irmão.

Assis e Ronaldinho Gaúcho flertaram ao mesmo tempo com pelo menos três clubes, deram a palavras de que o negócio estava fechado e fizeram promessas que não cumpriram. Juras de amor foram apenas para o Grêmio. Cairão, porém, nos braços de outros torcedores.

Para os gremistas que estão tristes e indignados, digo o que falaria para um bom amigo, traído pela mulher:

– Chora não. Ela não presta!