Avalanche Tricolor: pela volta às manchetes 

Sport 0x4 Grêmio
Brasileiro – Ilha do Retiro, Recife/PE

Foto de Rafael Vieira/GrêmioFBPA

Os jornais do dia, que insistem em sobreviver na banca do Vilela, na Vicente da Fontoura, ou na do Largo dos Medeiros, mais ao centro de Porto Alegre, vão estampar na manchete principal o livramento do co-irmão. Escapou do rebaixamento na rodada final e teve de contar com o revés dos adversários diretos. Ao Grêmio, com sua vaga garantida na Copa Sul-Americana, restará a segunda dobra da primeira página. Ao Juventude, quiçá uma linha fina. Ao descrever esse cenário, não faço crítica alguma à hierarquia construída pelos editores; fosse eu o responsável pelo jornal, faria o mesmo.

Muitos porto-alegrenses que ainda preservam o ritual da leitura do impresso talvez sigam ao trabalho, nesta segunda-feira, com a camisa do clube. Nós, gremistas, celebrando a goleada que encerrou a temporada — mesmo sabendo da fragilidade do adversário — e o fato de terminarmos o campeonato na primeira página da tabela, com um lugar assegurado em competição sul-americana.

Outros torcedores comemorando como se fosse épico escapar na rodada final, passando 90 minutos de ouvido colado no que acontecia nos estádios alheios. Devem ter chegado em casa aliviados e repetido a velha frase: “time grande não cai”. Esquecem que já caíram, assim como tantos outros.

Não critico editores, tampouco os excessos de paixão. O futebol nos empurra para um território em que todos os sentimentos sobem ao topo da tabela, enquanto a razão amarga uma vaga cativa no banco de reservas.

O fato é que aquilo que testemunhamos no fim desta temporada deveria preocupar quem acompanha o futebol do Rio Grande do Sul. A rivalidade que, durante décadas, nos impulsionou para cima perdeu o fôlego. Ganhar campeonatos estaduais deixou de ser medida de grandeza. Diante do tricampeonato brasileiro do adversário, o Grêmio apontou para horizontes maiores: tornou-se tricampeão da Libertadores, conquistou o mundo. A contratação de um craque de um lado exigia resposta imediata do outro. Um estádio mais moderno chamava outro ainda mais robusto. Era uma disputa que elevava o nível.

Nos últimos anos, e neste em particular, deixamos a ambição escorregar e adotamos a mediocridade como parâmetro. A tabela do Brasileiro e a ausência de clubes gaúchos nas decisões das competições relevantes dizem por si.

O futebol do Rio Grande do Sul não nasceu para ser nota de rodapé. Nesta última Avalanche do ano, deixo o desejo de que voltemos a ocupar a parte mais nobre das manchetes — não pelas circunstâncias, mas pelos feitos.

Avalanche Tricolor: os 121 anos mereciam mais do que um suspiro

RB Bragantino 2×2 Grêmio

Brasileiro – Bragança Paulista/SP

Braithwaite deu assistência para o primeiro gol. Foto: Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Os 121 anos do Grêmio mereciam resultado mais expressivo. Nem me refiro àquelas vitórias de encher os olhos e dar orgulho ao torcedor. Daquelas que tornamos memoráveis pelo placar e perfomance. Que nos colocam à frente dos adversários e nos encaminham à conquista maior. Essas, infelizmente, não fazem parte do roteiro que almejamos nessa temporada. 

Além da conquista do Campeonato Gaúcho, restou-nos pouco em 2024. Fomos eliminados da Libertadores e da Copa do Brasil, enquanto no Brasileiro a disputa será mesmo para ficar fora daquela zona-que-você-sabe-qual-é. Sem muita esperança de que esse martírio termine cedo, considerando que as oportunidades para respirar um pouco mais aliviado têm sido desperdiçadas partida após partida. Nos últimos dois jogos, entregamos cinco de seis pontos disputados.

Do jogo desta tarde no interior paulista, há talvez a celebrar apenas o suspiro de talento que tivemos aos 28 minutos do segundo tempo. A triangulação iniciada por Monsalve, do lado esquerdo, que teve a participação de Cristaldo e um passe preciso de Braithwaite, foi concluída com uma cavadinha do jovem colombiano em direção às redes. É pedir muito que esse futebol bem jogado se espraie no restante do jogo? 

Verdade que chegamos a marcar um segundo gol: em mais uma troca de passes de Monsalve e Cristaldo, o cruzamento chegou para Jemerson completar de cabeça. Diante da forma como temos desperdiçado pontos, porém, confesso, minha dúvida era apenas a que horas cometeríamos mais um pênalti (assim como havíamos feito no primeiro tempo, e no jogo anterior e em uma dezena de outras partidas neste ano). Não precisou. Falhamos de maneira bizarra e sofremos o empate.

Temos experimentado mais amarguras do que precisaríamos. Mesmo considerando os impactos das enchentes na trajetória gremista — muito maior do que para qualquer outro time gaúcho —, o time que temos à disposição deveria ter uma performance superior. Pelo menos acima de algumas das equipes que temos enfrentado na competição — caso do adversário de hoje. 

Mais do que não conseguirmos os resultados, tenho a impressão de que estamos dispostos a aceitar esse destino. Em lugar de lutar até o último instante pelos três pontos, admitimos o empate. As substituições finais sinalizaram esse comportamento. Entendo a prudência diante da maneira como entregamos a partida anterior e de estarmos jogando fora de casa. Mas eu queria muito um time pautado pela valentia, especialmente no dia em que comemoramos 121 anos de uma história que me enche de orgulho.

Avalanche Tricolor: quero falar sobre Geromel

Fortaleza 1×1 Grêmio

Brasileiro — Arena Castelão, Fortaleza, CE

Geromel em foto de Lucas Uebel/GrêmioFBPA

Na última partida antes do Gre-nal, assuntos não faltam para os que gostam de falar do Grêmio —- gostem bem ou gostem mal. Pode-se falar da qualidade da assistência de Reinaldo, que serviu Suárez com um passe em curva nas costas dos marcadores e permitiu que o uruguaio marcasse o gol de empate. 

Claro, pode-se falar de Suárez, também, que sempre é um bom motivo para puxar conversa, mesmo com torcedores contrários. O gringo mais uma vez se entregou em campo como quase nenhum outro. E nos premiou com aquela corrida por trás dos zagueiros e a precisão do chute, apesar da pressão do goleiro que saiu em sua direção e parecia ter fechado todos os espaços. Até a reclamação de que ele não marcava gols fora de casa cai por terra: ele fez dois nas duas últimas partidas em que jogamos como visitantes

Há os que andam por aí reclamando da dificuldade que temos de impor nosso futebol na casa dos adversários — e têm motivos para tal; ou do desperdício de pontos que nos afasta cada vez mais do título, apesar de estarmos na luta pelas primeiras colocações há muitas rodadas; ou das perdas sucessivas de cobranças de pênaltis — esquecendo-se de que foi nos pênaltis que avançamos até a semifinal da Copa do Brasil.. 

Apesar de tudo, ter o melhor ataque, com 40 gols marcados e o segundo maior número de vitórias, 13 no total, no Campeonato Brasileiro, ao menos até o instante em que publico esta Avalanche, talvez também fosse razão de um bom bate-papo no boteco.

Todos são temas pertinentes! 

Eu me reservo o direito de falar do que mais me chamou atenção na partida dessa tarde de sábado: a performance de Geromel. Ver nosso zagueiro de volta com a faixa de capitão e, pela primeira vez no ano, disputando uma partida completa, após a cirurgia no joelho e o problema muscular, já seria motivo de alegria para mim. Vê-lo com a segurança e empenho que vi —  imagino que você, caro e cada vez mais raro leitor dessa Avalanche, também tenha visto — é mais do que motivo para minha satisfação.

Geromel está com 38 anos, completados há cerca de uma semana — aos crentes nas coisas alheias, ele é virginiano como o Grêmio. Resiliente e paciencioso, nosso zagueiro superou a distância dos gramados e a dureza do período de reabilitação. Para quem foi atleta e passou por isso, sabe o drama que é cada dia de fisioterapia, exercícios doloridos e avanços limitados, expectativas para voltar aos treinos e medos de que a lesão volte a incomodar.

Enquanto alguns reclamariam da falta de ritmo de jogo, na volta ao time, Geromel  demonstrou estar em plena forma física e técnica. Em campo, mostrou que mantém o reflexo que o fez dos maiores zagueiros que já vestiram nossa camisa. Deu o bote na hora certa e impediu o drible do atacante. Antecipou-se às jogadas e abortou as tentativas do adversário. Dentro da área manifestou seu gigantismo despachando a bola pelo alto e por baixo. Independentemente de como ela viesse.. 

Nos deu ainda a satisfação de assisti-lo novamente ao lado de Kannemann com quem forma a dupla de zaga mais vitoriosa dos últimos tempos. Geromel traz tanta segurança à defesa que seu colega de área pode se expor menos e completou uma partida sem tomar cartão amarelo, coisa rara nesta temporada. 

Ao fim ainda expressou a humildade que marca sua trajetória. Ao repórter de campo que o elogiou, respondeu que não poderia ser diferente depois de tanto tempo que teve para treinar. Como se voltar a campo após meses recuperando-se de lesão e jogar da forma como jogou fosse a coisa mais natural do mundo. Não o é! Geromel é simplesmente sobrenatural !

Pelé, o Rei que quase jogou no Grêmio

Pelé no estádio Olímpico Foto publicada pelo perfil @Gremio no Instagram

A morte de Edson Arantes do Nascimento, aos 82 anos, nos traz à memória as incríveis histórias protagonizadas pelo Rei do Futebol. Todos lembramos dos grandes feitos do maior jogador do planeta terra — os recordes, os títulos, os dribles, o gol perdido, o gol 1.000, a guerra que parou ou os países e autoridades que o enalteceram. Cada um de nós, seus súditos, sem medo do sacrilégio cometido, também procuramos referências que nos aproximem dele: o jogo que assisti ao vivo, o dia em que o vi no Maracanã, a transmissão que ouvi no radinho portátil, a imagem que eternizei armazenando-a no arquivo do computador ou a réplica da camisa 10. Sim, somos tentados a produzir uma espécie de “eubituário”, em que nos colocamos ao lado da morto ilustre.

Nessa linha, poderia contar aqui o dia em que assisti a Pelé jogar no estádio Olímpico, em Porto Alegre, em 1974, em partida válida pelo Campeonato Brasileiro do ano anterior, em que o Grêmio venceu por 1 a 0. Meu pai me levou pela mão e mesmo tendo apenas 10 anos sou capaz de lembrar o local do estádio em que tive o privilégio de ver Pelé desfilando: as sociais do velho Olímpico, abaixo do reservado para as cadeiras cativas. Cinco anos antes foi o pai quem vivenciou o histórico gol 1.000, narrado por ele de uma cadeira de madeira colocada ao lado do gramado do Maracanã, pois não havia mais espaço nas cabines de rádio.

Fugirei dessa armadilha — mesmo que, no parágrafo acima, tenha ensaiado algumas linhas  nesse sentido. Prefiro lembrar de um trecho da entrevista que o jornalista Luiz Zini Pires fez com Pelé, para o jornal Zero Hora, publicada em novembro de 2014. O rei confidenciou que quase jogou no Grêmio. 

Quando estava no início da carreira, o Santos costumava emprestar seus jogadores mais jovens para que ganhassem experiência. O time paulista esteve em excursão no Sul, jogou em Pelotas e Rio Grande, no interior gaúcho, e foi consultado se alguns dos garotos poderiam ficar. Pelé era um deles. 

“Quase que eu reinicio minha carreira no Grêmio”, disse ao repórter. Tivesse um cartola santista aceitado a proposta, naquela época, haveria a chance de Pelé ter se imortalizado no cenário futebolístico com a camisa do Grêmio e, provavelmente, nossas conquistas nacionais e projeção mundial teriam chegado mais cedo. Por outro lado, a facilidade com que alcançaríamos nossas façanhas impediria que forjássemos a nossa imortalidade. O destino quis que cada um construísse sua própria história.

Enquanto escrevia este texto, o perfil do Grêmio no Instagram, publicou trecho da entrevista em que Pelé confirma a história de que quase foi jogador do Grêmio:

Avalanche Tricolor: de experiência, esperanças e fracassos

Inter 1×0 Grêmio

Brasileiro – Beira Rio, Porto Alegre/RS

Kannemann em foto de Lucas Uebel/Grêmio FBPA

Das boas coisas que o tempo nos oferece, a experiência é uma delas, a despeito de saber que essa também é feita da intensidade com que se vive as coisas — senão, como explicar jovens capazes de transformar o mundo como temos vistos recentemente.  No que se refere ao tema de sempre desta coluna,  sou muito experiente — e não escrevo isso para me gabar, apenas para constatar que de Grêmio já vivi muito e intensamente. Sofri como a maioria de vocês, nascidos nestes anos de 2000, nunca sofreram. Chorei na arquibancada, ao lado do gramado e dentro do vestiário, abraçado a meus ídolos. Chorei de dor e de amor. Vivenciei a escassez e a abundância de títulos — sequências que nos ensinam que nada daquilo que experimentamos no momento será eterno (vai passar!). 

Derrotas em clássicos sempre ocorreram. E em uma quantidade inimaginável para os tempos atuais. O que assistíamos até recentemente beirava o ineditismo, chegava ao limiar do impossível, a medida que falamos de uma das maiores rivalidades do futebol brasileiro. Há quem diga que é a maior. Humilde, como os gaúchos devem ser, a coloco entre as maiores do futebol mundial. Portanto, não surpreende a turma do lado de lá ter dado volta olímpica, desfraldado bandeira, tocado tambor e até feito pose de foto do título(?). Das galhofas com símbolo adversário, prefiro não comentar. Me falta isenção. 

E por isento que não sou, uso a experiência em situações como essa. Em lugar de iniciar meu texto assim que o árbitro encerrou a partida e os jogadores ainda se engalfinhavam no gramado, preferi contemplar o cenário com um copo de vinho em mãos. Ao mesmo tempo que o álcool percorria meu corpo e ascendia ao sistema límbico, atingindo meu senso crítico, meu sangue corria menos quente entre as veias e esfriava meu ânimo. Nesse jogo de compensações que a biologia humana disputa em situações como essa, meu desejo de dizer algumas “verdades” arrefeceu – sim, entre aspas, porque a verdade a que me refiro tem a ver com a reação que costumamos expressar quando a razão se cala e a emoção exacerba, geralmente traduzida em ataques desnecessários, palavras deseducadas, e injustiças. Embevecido – ou seria embebido – preferi a cama às palavras. Deixei para escrever essa Avalanche em momento mais oportuno.

Que bela decisão tomei – pensa o humilde escrevinhador cá com as listras tricolores da sua camisa.

Hoje cedo, quando ninguém ainda estava acordado em casa, deparei com a crônica do colunista de esporte dominical de O Globo, Marcelo Barreto, que tinha como cena de fundo o clássico carioca Botafogo e Vasco, e protagonista, um torcedor vascaíno, desses que se apresentam como “doentes”, apesar de já dar sinais de consciência. O time carioca caiu quatro vezes para a Série B e a possibilidade de permanecer por lá ano que vem chega a ser maior do que a nossa de cair, nesta altura da competição. Ou seja, o clássico de hoje deve ser determinante em diversos aspectos.

Marcelo descreve as reações do amigo vascaíno que fez de sua paixão, resignação — a medida que a idade avançava. Hoje, com o coração endurecido no tempo e na intensidade, não impõe mais medo nos amigos, que temiam atos extremos e vida colocada em risco como resposta às frustrações em campo. O cronista diz que “meu amigo aprendeu a esperar. E ainda não perdeu a esperança. Mas está a um passo de normalizar o fracasso.” As duas primeiras frases guardarei como lição nesta tristeza que me abate; a última, lutarei até o fim para não me dominar. Porque se tem algo com que não devemos jamais nos contentar é com o fracasso, sob o risco de perdemos o título que realmente conta na nossa história: o da imortalidade.

Avalanche Tricolor: “aí vem o Grêmio!!!” e outros capítulos do rádio gaúcho

Aragua 2×6 Grêmio

Sul-Americana — Caracas/Venezuela

Foto: Lucas Uebel/Grêmio FBPA

Os que tiveram o privilégio de ouvir transmissões de futebol na época de ouro do rádio gaúcho têm na memória o grito que marcava a entrada do time do Grêmio no estádio Olímpico. ‘Aí vem o Grêmio!!!’ — com direito ao alongamento de todas as vogais e tom de voz firme —- era a senha do repórter de campo João Carlos Belmonte para a explosão de alegria do torcedor que recepcionava seus jogadores aos gritos e sob foguetório. Ele ficava com microfone da Rádio Guaíba em punho ao lado da escadaria que dava acesso ao gramado e a medida que os jogadores se posicionavam em fila, citava nome a nome, e a cada nome o coração batia mais forte no nosso peito.

O ritual se repetia no Beira Rio com o time da casa —- e dizem as más línguas com uma pitada maior de alegria, reveladora; eu não concordo. Mas como esse espaço tem suas exclusividades, vou me ater a emoção que Belmonte provocava na nossa torcida. Era mágico. Transgressor. Porque seu olhar e palavras devassavam o escurinho do túnel, quase sagrado, tantos eram os ídolos que se reuniam a espera da batalha. Belmonte descrevia a movimentação dos jogadores, a conversa ao pé da orelha e os gritos motivacionais, tudo hoje naturalizado pelas câmeras de televisão e pelo insípido cerimonial de entrada em campo.

Quando Belmonte fazia do rádio magia, eu era  guri de manga curta, ouvinte e gremista encantado pelas palavras dele.

Vibrava no cimento do Olímpico acompanhando a festa comandada pelo repórter de rádio que mexia duplamente com a minha imaginação. Por torcedor que era e por jornalista que sonhava ser. Transformei-me repórter de campo anos à frente. Anos luz distante do talento de Belmonte e outras feras que fizeram o rádio gaúcho ser dos melhores do Brasil. Ele e a mulher Ligia —- recentemente falecida — eram amigos dos meus pais e faziam parte de um círculo de casais, ligados ao jornalismo, que saíam quase toda semana para jantar. Isso me gerou alguma intimidade com o Belmonte e com muita gente boa do meio. E colaborou para minha escolha de carreira.

Certamente, foi essa mesma convivência que fez Roberto Villar e o Caco Belmonte seguirem a carreira jornalística. Eles são os filhos da Ligia e do Belmonte e foram os responsáveis por convencer o pai a escrever suas histórias, curiosidades, estratégias e furos de reportagem no livro “Fala, Belmonte! Memórias do cronista esportivo”(Farol3 Editores). Um exemplar está aqui em casa, lido e guardado junto a outros três que deveriam, obrigatoriamente, fazer parte de um caixa literária sobre o jornalismo esportivo: “Olha Gente – As histórias de Lauro Quadros”, escrito pelo próprio; “Pedro Carneiro Pereira — O narrador de emoções”, de Leandro Martins, e, claro, “Milton Ferretti Jung. Gol, Gol, Gol, Um Grito Inesquecível na Voz do Rádio”, de Kátia Hoffmann.

Essa ‘coleção’ conta, em cada capítulo e livro, um pouco do que se fez no radiojornalismo e esportivo brasileiro, através da história de seus protagonistas —- dois deles dedicados à narração, Milton, o pai, e o Pedrinho; dois à reportagem e ao comentário esportivo, Lauro e Belmonte. Deve ser preservada porque traz a memória de um rádio que, mesmo permanecendo forte, já foi mais influente na opinião pública. Hoje, é inimaginável a cena de um repórter de campo regendo um coro de milhares de torcedores no ‘parabéns à você’ em homenagem ao jogador aniversariante com quem conversa ao microfone. Belmonte era capaz. 

É interessante saber como eram as jornadas internacionais em uma época pré-internet, a dificuldade de deslocamento, o improviso das estruturas e a qualidade com que se conseguia levar os fatos aos ouvintes, Em “Fala, Belmonte!” vale uma dedicação especial à cobertura do título Mundial do Grêmio, em 1983. Sim, Belmonte viveu intensamente aqueles momentos:

“Dias após o Grêmio conquistar a Libertadores de 1983, fui enviado ao Japão. Missão: desbravar Tóquio e remeter matérias à Rádio Guaíba e Correio do Povo, gravar um programa de uma hora para a TV2 Guaíba. Além disso, havia a missão ‘secreta’ de contratar linha 24 horas, disponível antes e depois do jogo final, conectando o nosso hotel e o estádio com a emissora em Porto Alegre”

Belmonte viveu e vive aqueles momentos, mesmo que aposentado. Conversei com ele dia desses para agradecer pelo envio do livro, oportunidade em que relembramos algumas passagens que teve com o pai. E na qual percebi que mantém uma das marcas de sua personalidade. Amigos mais próximos dirão que é a avareza — fama desmentida pelo próprio Caco Belmonte, no texto de introdução. Belmonte, para mim, além de referência jornalística, sempre foi um cara bem humorado. Alegre com o que fazia. E disposto a deixar seus ouvintes ainda mais felizes — como ficávamos lá no Olímpico, todas as vezes que ele anunciava: “aí vem o Grêmio !!!”

PS: sei que o caro e raro leitor desta Avalanche entenderá minha disposição de escrever sobre João Carlos Belmonte em lugar de ocupar este espaço, como sempre faço, com mais uma goleada gremista no exterior. A partida da noite de ontem era fava contada, apesar de ter me divertido muito em ver os guris brincando com a bola em campo. E o que importa mesmo nesta semana, vai acontecer domingo, em mais um Gre-Nal. Pena que o Belmonte não estará na beira do gramado para chamar a torcida ao delírio.

Avalanche Tricolor: até logo, Renato! 

Foto de Lucas Uebel/Grêmio FBPA

Foram-se cinco dias, dois jogos, um empate ‘oxo’ e uma vitória categórica desde a última vez que estive com você, caro e raro leitor desta Avalanche. Pelo ritmo acelerado com que se disputam partidas de futebol em um país paralisado pela pandemia, para quem esteve acostumado a dizer o que pensa e sente assim que a bola para de rolar, a distância entre o texto da quarta-feira passada e este é uma eternidade.

Deixei o tempo fluir para ver se absorvia melhor a saída de Renato Portaluppi, técnico mais longevo do futebol brasileiro e prestes a completar cinco anos no comando da equipe. Na versão oficial, foi comum acordo. Alguns dizem que ele foi demitido. Há os que compraram a ideia de que ele se demitiu. 

Como permito que a ilusão domine meus pensamentos quando o assunto é Grêmio, insisto em acreditar que Renato, do alto da sua majestade, sacrificou-se em nome do time do coração. Vendo que havia divergências internas na direção e externas na torcida, preferiu se afastar da Arena para que as diferenças não causassem uma cisão sem retorno no clube. Porque ele haverá de retornar.

Mesmo com a noção de que muitas das coisas que escrevo ou penso nesta Avalanche estão mais sintonizadas com os meus desejos do que com a realidade —- repito: aqui me dou o direito à ilusão —-, ninguém minimamente saudável da mente e da boa-fé há de negar o que Renato representa para o Grêmio. 

E digo isso, ciente do que pensava dele no início de sua carreira como jogador, época em que sua posição não era incontestável e a pressão pela sua escalação como titular, em 1982, foi um dos motivos do afastamento de Ênio Andrade do comando do time. Seu Ênio foi campeão brasileiro, em 1981, e vice, em 1982, pelo Grêmio —- este título, aliás, foi o que levou o time para a Libertadores de 83, que nos rendeu a primeira conquista sul-americana e o Mundial. Era amigo íntimo do pai, a quem confidenciava coisas dos bastidores da vida e do Olímpico e dividia garrafas de whisky, no bar que ficava atrás do campo suplementar. Adotei-o como padrinho pela intervenção famíliar que fez em momento dos mais difíceis na minha vida escolar. A saída do Seu Ênio me entristeceu e fez maldizer os responsáveis pelo ato —- Renato estava na lista.

Alguns poucos anos depois, —- já incontestável e campeão do Mundo — Renato foi um dos responsáveis pelo rumo que tomei na carreira. Um dia conto de forma mais detalha esse caso se é que você está interessado. Pra resumir: foi diante de uma negativa dele em ser entrevistado e uma fuga dos microfones, flagrada e estampada no jornal Zero Hora, que me levou a rever o interesse pela cobertura esportiva. Dia seguinte, pedi para ser transferido do esporte para o departamento de jornalismo —- e isso mudou minha vida, não sem antes reforçar minha bronca com o ídolo.

O tempo nos ajuda a enxergar melhor o que aconteceu. A mente é seletiva e distorce nossas lembranças. Passamos a armazenar imagens que nunca se realizaram e histórias que não foram contadas. As transformamos em nossa verdade. Acreditamos no que que queremos acreditar. E, em particular, prefiro guardar no coração o que me causou amor e esquecer meu rancor — tomara que com você também seja assim, Renato.

Renato construiu sua história. Fez o Grêmio maior do que era. Não o fez sozinho, mas fez. E com o Grêmio se fez grande, também. Fim dos tempos de jogador — em que os pés, o corpo e o coração se expressavam com talento nos gramados ——, assumiu o papel de treinador — que exige inteligência e criatividade, méritos da mente. Na casamata, sempre que passou pelo time, deixou sua marca vitoriosa, revelando-se então completo. 

Na primeira, em 2010, nos elevou de uma constrangedora posição na zona de rebaixamento para a disputa de vaga na Liberadores. Na segunda, em 2013, foi vice-campeão brasileiro. E na terceira …. bem, esta acho que você ainda não esqueceu. Conquistou todos os mais importantes títulos desta década, do Tri-Gaúcho a Libertadores. Foi campeão da Copa do Brasil, da Recopa Sul-americana e da Recopa Gaúcha. Além de troféus, criou uma nova maneira de o Grêmio jogar futebol —- indo muito além da paixão e do coração, que sempre o moveram —, que encantou os críticos pelo Brasil. 

Um cara que nos deu a chance de ser transformado em lenda ainda em vida —- coisa rara nas relações efêmeras que costumamos ver na sociedade contemporânea. A estátua na esplanada da Arena do Grêmio, no Humaitá, foi apenas a materialização de algo que já estava construído no coração de cada gremista. Lá permanecerá como permanece na nossa memória a revolução que Renato causou sempre que esteve em campo ou ao seu lado, em nome do Grêmio. 

Por tudo isso e por tantas outras coisas que não tenho habilidade para escrever ou memória para lembrar, para mim é difícil entender a saída de Renato neste momento, quando caberia a ele —- e poucos terão essa capacidade —- administrar o novo ciclo que estamos iniciando, após assistirmos à passagem da geração vitoriosa que conquistou a América. 

A mudança que se faz necessária somente é possível com alguém forte o suficiente para resistir a pressão pelos tropeços inevitáveis no processo de reconstrução de um time. Quem assumir terá a mesma responsabilidade —- tenho dúvidas se terá  a força de Renato diante da adversidade. Torço para que seja blindado pela diretoria, co-responsável pelo que vier acontecer. E que tenha a tolerância do torcedor, algo raro nesses tempos em que os intolerantes contaminam as relações com suas palavras de ódio.

A me consolar, a alegria que tenho até hoje na mente — e essa não esquecerei jamais —- de Renato ter comandado o time que me fez sorrir e vibrar abraçado aos meus dois filhos (guris, o que foi aquela noite em Al Ain, nos Emirados Árabes?!?); e me permitiu compartilhar com o pai nossas últimas comemorações em vida pelo Grêmio, clube que ele me ensinou a amar.

Renato sai da casamata e abre espaço no vestiário para que alguém assuma a responsabilidade de manter no elenco e nos torcedores aquilo que ele resgatou logo que chegou em 2016: o prazer pelo futebol bem jogado e pelo título conquistado. Vai embora sem dizer adeus, porque de Renato jamais iremos nos despedir. No máximo, arriscamos um “até logo!”; quem sabe, “até breve”. Porque Renato não sai do Grêmio nem o Grêmio jamais sairá de Renato. Somos eternos. Imortais!

Avalanche Tricolor: … dito isso, vamos ao que interessa

Goiás 0x0 Grêmio

Brasileiro —- Estádio Hailé Pinheiro, Goiânia/GO

 

Ferreirinha de olho na bola em foto de Lucas Uebel/Grêmio FBPA

 

Era jogo para três pontos, a despeito termos apenas cinco titulares em campo, ser fora de casa e contra adversário desesperado para sobreviver na primeira divisão. Quem assistiu ao primeiro tempo, chegou a imaginar que a vitória estava a alguns centímetros —- duas ou três bolas passaram bem perto do gol. Bastaria caprichar um pouco mais. Veio o segundo tempo e logo se percebeu que o caminho seria mais longo, tanta era a aglomeração na proximidade da área. Buscou-se algumas soluções, arriscou-se jogadas de toque de bola, chutes de fora e até acreditamos na possibilidade de um drible de Ferreirinha decidir o jogo. Nada do que se fez foi suficiente para impedir que registrássemos nosso 11º empate no campeonato.

Com o amontoado de clubes na zona da Libertadores, sairemos dessa rodada abaixo da posição que entramos, mas com as mesmas chances dos demais. Uma vitória na sequência e estaremos de volta à disputa. Por mais que nossas pretensões tenham sido frustradas neste sábado à noite, chegamos a 18 jogos sem derrota somando Brasileiro, Copa do Brasil e Libertadores —- uma boa marca, você haverá de convir.

Dito isso, vamos ao que interessa: quarta-feira tem mais uma decisão de Libertadores pela frente e a ideia é que tenhamos time completo para disputar vaga à semifinal —- e quando falo em time completo, leia-se com Jean Pyerre, que faz uma baita diferença. Uma vitória nos mantém na competição. Um empate com dois gols ou mais também garante a classificação. Se o empate for em um gol, leva a decisão para os pênaltis Qualquer coisa diferente disso …. melhor nem pensar.

Avalanche Tricolor: pragmático, Grêmio segue superando etapas

Juventude 0x1 Grêmio

Copa do Brasil – Alfredo Jaconi, Caxias do Sul/RS

Festa do gol em foto de LUCAS UEBEL/GRÊMIOFBPA

 

Um antes, outro agora. Um gol em cada partida.  Um bem no início (8min do 1º), outro lá no segundo tempo (24min do 2º). E foi o suficiente para estar nas quartas de final pela sexta vez na Copa do Brasil. Se há de se clamar por um futebol mais fluido, parecido com aquele que nos levou às taças nos últimos anos, sob o comando de Renato., não há do que reclamar quanto aos resultados alcançados. 

Na Libertadores nos classificamos em primeiro da chave; na Copa do Brasil avançamos com duas vitórias; e se colocar o Campeonato Brasileiro na conta, nos últimos sete jogos vencemos cinco e empatamos dois. Resultados que driblaram a carência no futebol apresentado e de jogadores no elenco. Que superaram lesões, vírus e críticas. Que trazem confiança a um time que está sendo reconstruído pelo técnico e passa por um período difícil de transição —- sob forte pressão de torcedores impacientes.

Pedido por muitos, Jean Pierre entrou no segundo tempo e ajudou a transformar o comportamento do time. A bola que o guri joga está sintonizada com a movimentação de nossos atacantes. Rola bonita quando passa pelos pés dele e sai precisa para os pés dos companheiros. “Eu não disse”, gritam os críticos querendo vê-lo entre os titulares, sem considerarem que o treinador tem o grupo sob seu controle, conhece o potencial técnico e físico de seus jogadores, e costuma soltar os craques na hora certa e pelo tempo que puder contar com eles. 

Nesta noite em Caxias, se lá atrás Geromel  e Kannemann cumpriam com maestria seu papel de reduzir ao máximo os riscos de um gol, no pouco que se fez lá na frente, quando se fez foi pelos pés de três dos jogadores questionados neste momento pelo torcedor: Cortez, Diego Souza e Thaciano. O lateral que muitos querem ver longe do Grêmio se aproximou da  linha de fundo, trocou passe com Diego que havia saído da área para buscar a bola e colocá-la na cabeça de Thaciano — e que toque de cabeça foi aquele, seguindo à risca o manual dos bons cabeceadores.

Ninguém pense que não vejo os limites que temos e as dificuldades que enfrentamos para ser o Grêmio que nos fez o maior das Américas, mas enquanto não superamos essa fase me satisfaço com o pragmatismo dos resultados. 

Avalanche Tricolor: têm empates e empates

Grêmio 1×1 Palmeiras

Brasileiro — Arena Grêmio

Ferreira comemora em foto de LUCASUEBEL/GRÊMIOFBPA

 

Foram sete empates com o deste domingo —- o terceiro em casa. Alguns saímos na frente e cedemos. Outros saímos atrás e recuperamos. Fizemos bons jogos ainda no início da retomada do futebol e empatamos. Fizemos jogos medíocres e empatamos, também. Vitórias foram duas e derrotas apenas uma no Campeonato Brasileiro. Como os empates são a constância nessa competição, é deles que falo com você, caro e raro leitor desta Avalanche. 

Dependendo a sequência, tem empate que é bom. Pra ter ideia, no começo do campeonato éramos dos poucos times invictos, com uma vitória e quatro empates seguidos —- muitos não gostavam do fato de sairmos de campo apenas com um pontinho conquistado, ainda assim a ideia da invencibilidade persistia. A primeira derrota veio e a conta se inverteu. O que até então era mérito —- cinco jogos sem perder —- virou fardo —- cinco jogos sem ganhar.

Dependendo o momento do campeonato, comemora-se empate, também, afinal, um ponto pode representar um pé mais próximo do título, da conquista de uma vaga ou fora da zona de rebaixamento.

Avalia-se o empate ainda de acordo com o adversário. É com quem se disputa posição? Menos mal que conseguimos segurá-lo. É com quem vem de baixo? Pode ser desperdício. É com quem está em cima? Tá valendo. 

Nem sempre é o fator casa —- se é que este ainda existe desde a pandemia — que serve para a análise de quanto vale um ponto na tabela. Lembra que empatamos com o Flamengo no Maracanã? Foram dois pontos desperdiçados pela condição do jogo. No de hoje, foi um ponto conquistado, sem dúvida.

O momento na temporada, a sequência que teremos daqui para a frente —- especialmente levando em consideração a Libertadores —- a escalação e a performance do time, fizeram justo o placar. 

Com jogadores baleados fisicamente e suspensos disciplinarmente, Renato mexeu na estrutura do time e montou uma equipe mais consistente atrás. Sem alguns dos seus principais nomes —- Geromel, Kannemann, Maicon, Jean Pyerre, Pepê e Everton —- fez partida equilibrada até o fim, com domínio da bola e chegando ao ataque bem mais do que o adversário

Renato teve a humildade —- há quem não consiga enxergar esta qualidade no nosso técnico —- de compreender que o momento que passamos é de altíssima responsabilidade. Depois da derrota no meio da semana, com time que não expressou sua alma de Libertadores, assistimos em campo a jogadores abnegados em suas funções, mesmo sabendo dos limites de uma equipe desfalcada. Estivemos diferentes na escalação e no ânimo —- esse foi o melhor sinal deste domingo.

O gol sofrido foi resultado da necessidade de soltar o time um pouco mais e tentar os três pontos — a fragilidade defensiva apareceu e pagamos o preço. Sair desta partida com derrota teria um custo muito grande para o Gre-nal da Libertadores. Abriria espaço para a pressão de corneteiros, críticas nas redes sociais e especulação  na imprensa.

Aí, apareceu Ferreirinha: Aldemir dos Santos Ferreira, 22 anos, camisa 47, 1,73 de altura, canela fina, cara de guri e futebol de moleque. Depois de oito meses em banho maria por desacordo contratual com o Grêmio, o menino entrou em campo nos três últimos jogos, sempre no segundo tempo e por pouco tempo. 

Tem-se a impressão de que a perna ainda não faz o movimento com a mesma rapidez que o cérebro imagina para se safar do adversário e correr em direção ao gol, mas, claramente, tem talento e tem estrela —- marcou o gol de empate de cabeça, da única maneira que jamais imaginaríamos sendo ele minguado diante dos marcadores. Meteu-se na área, foi rápido para se desmarcar e deslocou a bola distante do goleiro e quase no limite da trave.

Saímos de campo com mais um empate, mas esse tem um peso melhor do que a maioria dos outros. Veio com um time muito modificado; com jogadores que lutaram muito em campo; com dedicação até os minutos finais que permitiu a recuperação no placar; contra adversário que chega forte na competição; e oferecendo um pouco de tranquilidade para pensarmos no que realmente interessa no meio de semana: a Libertadores e o Gre-nal. 

PS: sem contar que me livra de ter de ouvir chacota de um bando de amigos e colegas de trabalho palmeirenses, na segunda-feira.