De desabafo

 

Por Maria Lucia Solla

 

Desabafo é vapor que assobia pela válvula, quando se está prestes a explodir. É o que está acumulado há tanto tempo que não dá para represar. É um descarrilhar inesperado que faz a gente escorregar, meter as mãos pelos pés, cair, se ralar, levantar, e mesmo sangrando gritar. Para não engasgar, para não sufocar.

 

Desabafo não é bafo; desabafo é vital e sua banda. É uma das últimas cartas que se tem na manga, é recurso derradeiro, mesmo que seja o primeiro.

 

Desabafo é pioneiro, toda vez.

 

Desabafo é como rolha de champanhe, sai apressado e desatento, de tanto armazenar desalento. E é bom ficar atento para não amordaçar o detento. É deixar fluir, cada um o seu. A seu modo, em cada canto, dando vazão ao desalento.

 

Para a pressão do desabafo que aumenta, ha duas saídas, expressão ou depressão. Solidão ou união.

 

Fui cara pintada, sou rebelde dos anos sessenta e confio na juventude que de alienada não tem nada, mas tenho medo de quem tenta pôr panos quentes na revolta, de quem tenta pôr ordem no caos. A cegueira intelectual só vê coerência no que pode apalpar, naquilo que serve ao seu próprio paladar.

 

De política sei quase nada, mas de gente sei um pouco. Não é preciso ser especialista para ver que a vida vai mal por estes lados do planeta, que o povo vive mal, estendendo a mão para alcançar promessas vãs, de migalha em migalha de pão para o corpo, esfomeado na alma e na dignidade que nem sabe mais o que é.

 

Pitaco para a solução? Que tal exterminar a obrigatoriedade do voto manipulado, do analfabeto comprado por tostão? Que tal arrumarmos nossa casa em vez de posarmos de bacana ajudando o povo de Havana? Que tal escola e saúde para o povo faminto em vez de facilitar a compra de automóvel e de tevê?

 

Estamos virando as costas para o ópio de cada dia, para o sorriso falso arquitetado por marqueteiros de plantão, para o populismo barato que nos custa tão caro.

 

Dá-lhe povo brasileiro! É hora do desabafo. Para diminuir a pressão no peito, para dar a Deus a mansidão patética de quem se contenta com merreca.

 

Queremos ricos, pobres e políticos ladrões na cadeia, ou este país, num piscar de olhos se incendeia.

 

Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung