Ação Pegada Berrini quer mobilidade e um bairro cidadão

 

Trabalhei no WTC por dois anos seguidos. O prédio fica ali próximo da Ponte Estaiada, entre a Marginal Pinheiros e a Avenida Berrini. Naquela época, a ponte ainda não existia e muitos apostavam que com o trânsito da Roberto Marinho sendo despejado do outro lado, os carros que seguissem por baixo, vindo lá dos lados da Bandeirantes, ou no sentido contrário, lá dos lados do Shopping Morumbi, andariam com mais rapidez e, finalmente, os motoristas estariam livres dos congestionamentos.

Nunca acreditei no resultado prático dessas obras gigantescas e o que se via na Berrini dava pouca esperança de que a situação iria melhorar, principalmente levando em consideração as notícias de novos empreendimentos empresariais e aumento da frota de carro – naqueles tempos se falava em 6 milhões, hoje os jornais já dizem que serão 7 milhões até início do ano que vem (ouça esta notícia aqui)

Sair da redação no horário de pico era impossível. Os elevadores estavam sempre lotados e o congestionamento nos deixava parado dentro do estacionamento. Lá fora ainda havia o medo de assaltos no trânsito travado. A ideia era atrasar o fim do expediente para encarar situação mais amena. Cada vez era preciso deixar o local mais tarde.

Lembrei-me deste cenário, hoje, quando entrevistei o artista plástico Fábio Woody que participa do projeto Ação Pegada Berrini, iniciado há algumas semanas quando empresários, moradores, trabalhadores, pedestres, ciclistas e toda esta gente que se encaixa na tag #cidadão sentaram em uma sala grande e começaram a discutir soluções e criações para resolver o problema da mobilidade na região.

Ouça a entrevista de Fábio Woody, no CBN SP

O curioso é que o investimento inicial feito pela cidade na Avenida Berrini e arredores tinha como intenção criar um ambiente em que moradias e empresas convivessem e a necessidade de grandes deslocamentos fosse evitada. Se não me engano isto pode ser lido, inclusive, na Operação Urbana da Roberto Marinho.

Apesar da construção sem parar de apartamentos, esta realidade não se concretizou. E a Berrini para – ou continua parando – nos horários de pico que se estendem para além das 7 às 10 e das 18h às 20h.

Incentivar o deslocamento de bicicleta com prédios e comércio criando espaços para estacioná-las e escritórios com direito a banho, além de promover seu uso das estações da CPTM/Metrô até o local de trabalho pode ajudar.

Restringir o uso de carro com mudanças de vias e limitar os pontos de estacionamento nas ruas no entorno da Berrini são medidas que devem ser adotadas mas com o cuidado de a emenda não ficar pior do que o soneto. Haverá comerciante que ficará de cabelos em pé.

Rever o horário de entrada e saída, evitar reuniões presenciais e promover o trabalho em casa devem ser alvo de análise, mesmo que muitos escritórios já façam isso.

Criar espaço específico e exclusivo para ônibus circularem me parece um bom caminho, mesmo que gere revolta em quem não pensa na possibilidade de deixar o carro em casa ou à distância – para estes, quem sabe espécies de bolsões de estacionamento?

Talvez seja o caso de a Secretaria Municipal de Transportes reavaliar a restrição aos ônibus fretados, medida adotada há pouco mais de um ano para “facilitar o deslocamento na região” – diziam os técnicos na época.

A CET pode, também, dar uma espiada no tempo dos semáforos das vias principais. Quantos dos que estão espalhados por ali são considerados ‘inteligentes’? E a distribuição da faixas para pedestres, permite o passeio seguro ? Nunca devemos esquecer: calçadas são espaços que privilegiam as pessoas, portanto toda barreira tem de ser eliminada.

Bem mais complicado, pelo impacto econômico que teria, é o aumento das restrições para a construção de prédios e ocupação da terra naquela área. Mas se a intenção é mudar a Berrini, talvez seja necessário, sim, pensar nisto com base no que está no Plano Diretor Estratégio e na revisão deste plano que, pelo visto, não sairá da Câmara Municipal.

Como se vê, mesmo sem tempo para a reflexão, há muitos interesses que, na entrevista, chamei de difusos. Mas que o Woody fez questão de ressaltar têm o mesmo objetivo: melhorar a qualidade de vida na área da Berrini.

Se é assim mesmo – e eu acredito -, quem vive, trabalha e precisa da região tem obrigação de se mexer, se unir a este grupo, antes que a Berrini pare de vez.

Caso você não tenha nada a ver com esta história, pense como poderia organizar ação semelhante onde você vive, transformando o entorno e a si mesmo. Construindo um bairro cidadão.

Conte Sua História de São Paulo: Meu Brooklin

 

Por José Manuel Cascão Costa
Ouvinte-internauta do CBN SP

Ouça o texto “Meu Brooklin” sonorizado por Cláudio Antonio

Aqui você lê o texto original, escrito pelo autor, sem os cortes necessários (feitos pelo próprio) para adaptar ao programa de rádio:

Faz um mês que estou trabalhando no sétimo andar de um prédio na Rua Arandú, no Brooklin, paralela à Berrini. Daqui até aonde a vista alcança (o que dependendo da direção que eu olhe, não dá mais do que um quarteirão) posso ver uma parte do bairro ainda não tomada pelos prédios. Fosse este onde estou, o único, e estivéssemos nós em 68, quando vim morar no Brooklin, minha vista alcançaria alguns quilômetros em todas as direções, já que não havia um único edifício no quadrilátero compreendido entre a Marginal de Pinheiros, a avenida Santo Amaro, a avenida Vicente Rao e avenida dos Bandeirantes, território onde vivo desde os 11 aos atuais 52.

Antes do Brooklin, meu universo era bem mais reduzido: uma pequena aldeia ao norte do Portugal, cuja população total não era muito maior do que o número de pessoas que hoje trabalha num edifício qualquer da região. Saí dessa aldeia com meus pais em 1968, para nos juntarmos aos meus irmãos que cá estavam. Depois de 14 dias a bordo do navio Theodor Erzl de bandeira israelense, que saiu de Lisboa às 7 horas de uma manhã fria e nevoenta de dezembro, e viajando numa classe que não me recordo ter alguma das letras do alfabeto, desembarcamos finalmente no Porto de Santos.

Confesso que aquele Brasil de 68, e tudo que estava acontecendo nele, eu só conheci mais tarde, já no colegial. E depois, mais profundamente, durante os tempos de repressão na faculdade de comunicação em meados dos anos 70. Mas ali, garoto, imigrante recém-desembarcado, com a terra prometida em baixo dos meus pés, o que eu via com os olhos esbugalhados, o queixo caído e a boca aberta era a esperança, o futuro promissor, o maravilhoso mundo novo chamado Brasil!

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