Conte Sua História de São Paulo: a boneca de Natal que mamãe nos deu de presente

 


Por Edithe Martha Peukert
Ouvinte-internauta da rádio CBN

 

 

Em 1927, minha mãe Melida, com 14 anos, veio com a família dela da cidade de Lodz, na Polônia, a bordo do navio Belle Isle. Desceram em Santos e vieram para capital. Meu avô tinha a carta do filho mais velho, Edmundo, que havia chegado há algum tempo. O endereço na carta era do jornal Alemão, na Liberto Badaró. Como era domingo, chegaram lá e encontraram tudo fechado. Meu avô e minha avó conversavam em alemão sem saber o que fazer quando um homem, que também falava alemão, parou, perguntou o que acontecia e disse que os ajudaria : levaria todos para uma casa, no bairro do Cambuci, e depois sairia para descobrir onde encontrar Edmundo, o filho do meu avô que trabalhava em um restaurante da cidade.

 

Incrível, mas após alguma andança pela cidade, encontraram Edmundo. Lógico que todos ficaram muito felizes. Meu tio arrumou um emprego de babá para a minha mãe, na avenida Paulista, e para minha tia, na Alameda Casa Branca, de onde só podiam sair duas vezes por semana.

 

Meu avô, minha avó e meu outro tio, Paulo, foram para Cananéia tentar a vida. Acabaram todos voltando para a capital, onde meu avô comprou um terreno na Vicente Leporace, antiga rua Santa Rita, no Campo Belo. O quartinho de tijolo assentado em barro que construíram, conta minha mãe, tinham paredes que balançavam com o vento. Meus avós rezavam e seguravam as paredes para não caírem. Naquela época o bairro pertencia a Santo Amaro que era um município independente e depois foi anexado a Capital que praticamente terminava na Vila Mariana. E o terreno do meu avó, pela distância, era considerado fim do mundo.

 

Minha mãe se casou, em 1939 com meu pai Alfred Uebele.

 

Meu pai era lustrador de móveis finos e trabalhou na Fábrica de Móveis Foltas, na Oscar Freire, que depois mudou para o bairro do Morumbi. Ao se aposentar continuou trabalhando para um vizinho que também tinha uma pequena fábrica de móveis.

 

Minha mãe trabalhou como costureira na Rua Prates, próximo a Praça da Luz, até a gravidez da minha irmã. Quando éramos pequenos trabalhou em casa como costureira, costurando 36 camisas sociais para homens, por dia, em uma máquina Singer que ela comprou em prestações quando tinha 18 anos. Depois trabalhou com grampos de cabelo, costurando blusas de lã, sempre ajudando meu pai que lhe entregava todo o dinheiro, pois ele sempre dizia que ela sabia como administrá-lo bem.

 

Hoje tenho ótimas lembranças da vida que passamos juntos.

 

Os Natais foram inesquecíveis, sempre com árvores em cipreste natural, mais ou menos dois metros e meio de altura, cheia de bolinhas de cristal coloridas, que na época eram importadas da Alemanha. Tinham velinhas acesas. Tudo muito lindo e festivo. Não havia presentes caros e todos eram recebidos com muita alegria.

 

Houve uma época que eu e minha irmã pedimos uma “noiva”, um tipo de boneca, mas eles não tinham como comprar. Então, minha mãe, pegou as nossa bonecas de pano com cabeça de bebê de “biscuit” e as escondeu. Quando perguntávamos onde estavam nossas bonecas, ela respondia que a culpa era nossa, pois não sabíamos guardar nossos brinquedos: “não sabem onde colocam suas bonecas, depois ficam aí procurando, perdidas!”.

 

Naquele Natal, para nossa surpresa, veio o Papai Noel e ganhamos as nossas bonecas noivas. Minha mãe que era uma ótima costureira fez vestidos lindos para as nossas bonecas, aquelas com cabeça de bebê que ela havia escondido.

 

Ainda éramos crianças, quando meu tio Paulo deu de presente uma só bicicleta para mim e para minha irmã. Não tinha dinheiro para duas bicicletas. Aí decidimos: uma anda de manhã, a outra de tarde. Até minha mãe pedalou naquela bicicleta.

 

Meus pais sempre gostaram de viver no Brasil e em especial em São Paulo, sempre disseram que esta terra é abençoada. Se fizéssemos alguma crítica, eles lembravam a dificuldade que passaram durante e depois da 1ª guerra na Europa. Nunca falaram em voltar para a Polônia.

 


Edithe Martha Peukert é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é de Cláudio Antonio. Conte mais uma capítulo da nossa cidade, escreva para milton@cbn.com.br.

Conte Sua História de SP: a boneca que o Seu João comprou no Mappin

 

Por Luiz Silva

 

 

E assim que desembarcou na antiga rodoviária da estação da Luz, dentro do ônibus observou uma grande movimentação de pessoas que passavam rapidamente com enormes malas pra lá e pra cá.

 

O motorista abriu o compartimento que ficava na parte debaixo do ônibus, colocou as enormes malas do Senhor João no chão, conferiu o bilhete e fechou rispidamente o enorme “maleiro”:
 

 

– Felicidades e muito sucesso nesta grande metrópole!disse em tom de despedida.
 

 

O senhor João, sua esposa Maria e os seis filhos pequenos pegaram as enormes malas e saíram silenciosamente pelas ruas da redondeza sem destino, entraram num pequeno boteco e pediram alguns pastéis e duas tubaínas e lá ficaram a degustar os pastéis e olhando toda aquela movimentação da rua com muito receio da grande metrópole São Paulo.

 

Após saciarem a fome de todos, saíram ainda em silêncio olhando para o chão, enquanto as crianças admiravam com muita alegria e ansiedade tudo e todos.

 

Embarcaram em um ônibus lotadíssimo com destino a zona Leste onde poderiam rever um compadre que tinha vindo para a cidade há muitos anos e prontificou-se a recebê-los até que arranjassem um cômodo por lá mesmo, um emprego e a vida pudesse ganhar o seu rumo na cidade.

 

Durante o café da manhã o compadre disse ao senhor João:
– Olha compadre, vocês podem ficar aqui na nossa casinha morando conosco até “aprumarem”. Enquanto isso, tenho um pequeno serviço para o senhor!
O senhor João olhou para o compadre e foi logo perguntando:
– Mas que tipo de serviço eu poderia fazer se só sei capinar roçado, cuidar de gado e cortar lenha?

 

 
O compadre foi logo explicando que conhecia um senhor que trabalhava numa agência de publicidade e sempre estava precisando de pessoas para carregar algumas placas com propagandas pelo centro de São Paulo.
 

 

O senhor João um pouco receoso perguntou:
– Mas, Compadre, será que eu sirvo pra este tipo de serviço? Afinal nem ler e escrever eu sei!
– Ora compadre, é só carregar a placa pra lá e pra cá e ficar orientando o pessoal para ir até a loja, muito fácil o serviço e nem é necessário ser “letrado”.
 

 

      
No outro dia lá estavam os compadres descendo do ônibus no centro da capital e entrando numa agência de publicidade. O senhor João foi apresentado para um senhor obeso que fez algumas perguntas. E sem perder tempo, o levou até a frente da grande loja de departamento, chamada Mappin.

 

 
Após algumas orientações. o senhor João foi “abandonado” em frente a loja  com uma enorme placa que cobria todo o seu esquelético corpo e seguiu caminhando pela rua Sete de Abril com destino a Praça da República.

 

O senhor João muito apreensivo andava pela praça toda e sempre o seu olhar parava naquela enorme loja de departamento. Ficava imaginando o que poderia ser encontrado ali, na loja com aquele  enorme relógio e muitas letras, que ele não sabia o que dizia.

 

 
Pessoas passavam apressadas e a maioria nem parava para observar a insignificante presença do senhor João. No finalzinho da tarde quando a chuva despencou, todos correram para baixo de um toldo. E lá o senhor João coçou a barba e ficou morrendo de vontade de entrar na loja.

 

 
O senhor obeso apareceu e depositou uma quantia em dinheiro na mãos do senhor João. Desejou  boa noite e pediu que na manhã seguinte ele se apresentasse no mesmo lugar em seguida saiu apressado pelo viaduto do Chá.

 

 
O senhor João tomou coragem e entrou na loja. Vagarosamente atravessou o andar térreo, repleto de pessoas olhando tudo, e ficou a imaginar na grandiosidade daquela cidade. Foi andando entre alguns esbarrões, parou diante da vitrine que vendia brinquedos e perguntou, com sua humildade de praxe, quanto custava aquela boneca com um lacinho na cabeça. Atenciosa, a vendedora disse o preço, o senhor João enfiou a mão no bolso da carcomida calça e retirou a quantia exata para comprar o presente para a filhinha caçula.

 

 
Chegou em casa após viagem de duas horas dev ônibus, entrou sorrateiramente e depositou a bonequinha ao lado da filha que já estava dormindo. Tomou banho e foi dormir ao lado da esposa.

 

 
Adormeceu muito feliz com a imagem da grande loja de departamentos na cabeça e sonhando com o rosto de felicidade da filhinha no dia seguinte, quando abriria os olhos diante da linda boneca comprada no Mappin.

 


O Conte Sua História de São Paulo tem a sonorização do Cláudio Antonio. Você pode participar, enviando seu texto para milton@cbn.com.br

A boneca sem-teto

 

Por Devanir Amâncio
ONG EducaSP

Bonecos sem-teto

 
São Paulo é uma cidade cheia de curiosidades e detalhes que a torna mais humana. No Parque Dom Pedro II, por vários dias a boniquinha ‘Chiquinha’, da moradora de rua Maria, ficou sentadinha na  guarita da sentinela do antigo quartel abandonado, enquanto Maria catava latinha ou ia lavar roupa no chafariz da Praça da Sé. As pessoas passavam e paravam para olhar a bonequinha que parecia uma criança recém-nascida. Olhavam, olhavam, e admiradas partiam meio tristes .
 
Maria foi embora para Cambé , norte do Paraná.

Bonecos sem-teto
 
Na Praça Wilson Olivetto, Mooca, na  Zona Leste, uma outra cena impressiona: um macaquinho  de pano verde e olhos pretos expressivos ou esbugalhados – pendurado num pé de goiaba – pisca o tempo todo. Parece que quer dizer alguma coisa.
 
Talvez observar as coisas simples da cidade num feriado prolongado, pode ser a descoberta para viver melhor .