Conte Sua História de SP: a guerra de mamonas no bairro da Penha

 

Por Rodolfo Eufrásio da Silva
Ouvinte-internauta

 

 

Nascido no Brás, infância no Belenzinho e adolescência na Penha. Paulistano de corpo e alma, belo! Lembranças de um tempo onde garoava em São Paulo, os litros de leite eram de vidro e o pão chamado de bengala. O Grupo Escolar Amadeu Amaral e o policial com apito, parando o trânsito para que pudéssemos atravessar o Largo São José do Belém. Coincidência ou não, tínhamos em cada extremo de nosso bairro três torrefações de café: Moka, Seleto e Jardim, que todas as tardes lançavam ao ar um maravilhoso aroma de café torradinho.

 

No início dos anos 70, mudamo-nos para a Penha, bairro também tradicionalíssimo, mas com características completamente diferentes, um jeito de interior, com centro comercial movimentadíssimo, cheio de vitrines e muitas pastelarias chinesas, rodeado por vilas tranquilas, campos de futebol, córregos e grandes espaços livres, onde travávamos guerras de mamona, arremessadas por nossos estilingues nos garotos da outra vila. Pipas, bolinhas de gude e peões passaram a fazer parte de minha vida. Nessa época, o ponto alto de nossos fins de semana eram os bailinhos de garagem, os vinis rodando em vitrolinhas portáteis, dançando juntinho um prá lá e prá cá, corações disparados em clima romântico num sonho adolescente. John Travolta, com seus Embalos de Sábado à Noite, motivou a abertura de grandes discotecas e viramos fregueses de carteirinha da Toco, na Vila Matilde.

 

Com a necessidade de se começar a trabalhar cedo, geralmente como office-boy, nos abria a porta desse grande mundo que era o centro de São Paulo. Filas em cartórios, bancos, repartições públicas reuniam centenas de garotos, com suas pastinhas debaixo do braço. Inúmeras vezes fazia a pé o percurso Praça da Sé, Praça da República, Consolação, Paulista, Brigadeiro e retornando a Sé, verdadeira São Silvestre, só para economizar os trocados do ônibus, sonhando com aquele tênis Germade! Alimentação saudável: pastéis, esfihas, coxinhas e churrasco grego com suco grátis, várias vezes ao dia. Voltar do trabalho para casa através do inesquecível Lapa Penha, sempre extremamente lotado. Jantar, pegar os materiais, se trocar, escovar os dentes, arrumar o cabelo, nem sempre nessa ordem era o ritual obrigatório diário para se ir ao colégio. Tudo muito difícil mas que marcou nossas vidas de uma forma maravilhosa e inesquecível! Parabéns São Paulo, meu berço, meu amor!

Conte Sua História de SP: o pequeno espelho me faz feliz

 

Por Maria Lúcia de Oliveira Souza

 

 

Meus pais, “Seu Francisco” e  “Dona Conceição”, chegaram a São Paulo no início dos anos 60. Assim que desembarcou na rodoviária, minha mãe foi direto para maternidade Leonor de Barros, estava grávida do segundo filho, meu irmão José. Lembro-me do meu pai, caminhando pelas ruas frias da cidade e eu abraçada ao seu pescoço. Ele procurava um lugar como abrigo. Foi o Centro Imigração que cedeu acolhida por três dias. Tempo suficiente para meu pai conseguir trabalho e moradia na zona rural do município de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Em Mogi, meu pai foi trabalhar com japoneses. Teve que amassar muito barro para construir uma pequena casa. Eu tinha apenas dois anos de idade, meu irmão acabava de chegar do hospital e assim se iniciava a guerra pela sobrevivência desta pequena família que mais tarde se tornou bastante numerosa.

 

Meus pais estavam felizes, pois deixaram suas terras para vir para cidade dos sonhos. Aos fins de semana, para ampliar os ganhos com o trabalho,  meu pai era  “Seu Francisco, o Mascate” – o vendedor de porta em porta. Toda vez que via sua mala de trabalho aberta, com todos aqueles pequenos objetos para venda, eu ficava repleta de felicidade. Ela tinha um pouco de tudo. Eram, em sua maioria, objetos que agradavam as mulheres pobres do bairro. Nela se encontravam presilhas, pentes, lenços, brincos, colares, agulha, linha, espelhos, maquiagem, fitas, flores de pano … Tinham até sachês de chá! Mas o que eu gostava mesmo era do espelho. Pegava um daqueles e ficava me olhando, apreciando os cabelos cacheados, a cor morena, os tristes olhos e as sobrancelhas fortes. A pequena Maria, a menina de quatro anos de idade, sorria e voltava a guardar o espelho.

 

Um dia muito feliz era quando acordava cedo para acompanhar meu pai até a região do Brás para comprar objetos e fazer as reposições necessárias. O trajeto era feito sempre de trem, uma viagem muito longa. O início das compras sempre começava com um pastel de carne. Enquanto eu devorava, ele ficava observando serenamente a minha satisfação com a primeira refeição do dia. Depois de mãos dadas íamos às compras. Com uma das mãos segurava firmemente a minha e com a outra, a mala.

 

Passaram-se 50 anos e ainda vou para o Brás fazer compras. Meu pai não está mais de mãos dadas comigo. As barracas de pastéis mudaram de lugar e ganharam espaço mais confortável, (bem como o meu pai Francisco). A mala? Ah! A mala permanece a mesma, guardada no lado esquerdo do peito. Dela, agora não mais a menina Maria, mas a Dona Maria, tira o pequeno espelho e nele vê o passado que lhe faz tão feliz no presente.

 

Maria Lúcia de Oliveira Souza é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antônio. Você pode contar mais um capítulo da nossa cidade. Agende entrevista em áudio e vídeo no Museu da Pessoa pelo e-mail contesuahistoria@museudapessoa.net. Pode também mandar um texto para mim: milton@cbn.com.br

Foto-ouvinte: Esquina do mundo

 

“Uma celebração de todos os paulistas, onde quer que tenham nascido”, escreveu Luis Fernando Gallo, nosso colaborador e ouvinte-internauta, sobe a 15a. Festa do Imigrante, que se realizou neste domingo, na Hospedaria do imigrante, no Brás. Além de compartilhar com a gente alguns momentos deste encontro que se repetirá domingo que vem (30.05), Luis Fernando sugere o passeio de Maria Fumaça.

O serviço da festa:

Local: Memorial do Imigrante – Rua Visconde de Parnaíba, 316 – Brás
Preço: R$ 5
Meia entrada: R$ 2,50 (é preciso apresentar a Carteira de Estudante)
Isentos: Maiores de 60 anos e crianças até 7 anos isento; professores (mediante comprovação)
A entrada pode ser paga com cartões de crédito ou débito, mas o consumo de alimentos deve ser pago com dinheiro
Mais informações: (11) 2692-1866 / 2692-2497 / 2692-1335

Conte Sua História de São Paulo: O trem da vida

 

Por Elza Guerra Alemán
Ouvinte-internauta

Ouça “O trem da vida” com sonorização de Cláudio Antonio

Bairro do Brás

O ano de 1947 corria. E corria mesmo. Minha mãe falava todos os dias que o ano estava passando muito veloz. Isto porque ela não queria mudar-se do bairro do Brás onde morávamos e meu pai já havia estipulado o mês de janeiro para a mudança. A cada 24 horas mais se aproximava o dia de irmos para outro bairro, o longínquo Real Parque. Era longe, muito longe, naquelas montanhas cheias de eucaliptos, depois da ponte sobre um grande rio. Varias vezes tínhamos ido até lá visitar a família Valladares – o senhor Andrés, dona Luisa e suas duas filhas. Até que achávamos divertido passar o dia na granja deles! Enquanto minha mãe se lamentava, eu e minha irmã não víamos a hora de mudar de casa.

Meu pai tinha uma hospedaria no bairro do Brás, na rua Dr. Almeida Lima. Era a “Pensão Brasil”, um hotelzinho de poucas ou nenhuma estrela e onde também morávamos.

Nessa ocasião, eu tinha 7 anos. Estava no primeiro ano do curso primário, na Escola Normal Padre Anchieta. Todos os dias, pela manhã, passava pela rua 21 de abril para chamar minha coleguinha Olímpia e juntas chegávamos à avenida Rangel Pestana, no belo colégio, para as aulas da professora Idalina Guerra.

Apressadamente o ano caminhava para seu final.

Meus pais procuravam levar-nos, a mim e a minha irmãzinha, a todos os lugares onde provavelmente seria muito difícil voltar depois da mudança. Íamos então com mais freqüencia aos cinemas do bairro. No Piratininga, no Brás Polytheama, no Universo, assistiamos filmes espanhóis, americanos, brasileiros e argentinos. Quando íamos a noite, a sessão era de dois filmes e não podíamos ficar na sala de exibição depois das vinte e duas horas. O lanterninha vinha avisar meus pais para se retirarem com as crianças. Alguns filmes, talvez o “Sob a luz de meu bairro”, o “24 horas na vida de uma mulher” ou o “Os sinos de Santa Maria” eles não puderam ver o final, pois certamente tiveram que sair antes de terminada a sessão. Era a lei na época.

O Teatro Colombo, no largo da Concórdia, além de espetáculos musicais e peças de teatro, também exibia filmes. Lá, nas matineés de algazarra, assistíamos desenhos e seriados cujos finais nunca mais saberíamos.
Aquele final de ano rendia em passeios. Fomos ao circo montado na rua Visconde de Parnaiba , quando levavam a peça “Os milagres de Lourdes” e lembro-me que eu e minha irmãzinha choramos emocionadas.

De outra feita vimos também a peça “O Ébrio”, talvez no mesmo circo, onde também nos derretemos em lágrimas.

O Parque Shangai, instalado no parque Dom Pedro, era um acontecimento. E lá fomos nós ver todas aquelas luzes, brinquedos que se moviam, a mulher gigante que ria, ria sem parar e acho que se chamava Chica Pelanca.

Assistir aos casamentos na igreja Bom Jesus era também uma grande distração. Tenho a impressão que não perdemos nenhum sábado. E depois de analisar os vestidos das noivas e os trajes dos convidados passávamos pela rua Caetano Pinto para que minha mãe pudesse matar a saudade de seu tempo de criança.(Foi ali que meu pai a viu pela primeira vez, quando não passava de uma menina, filha de imigrantes espanhóis).

Atravessar as Porteiras do Brás, quando estas se fechavam, era cansativo, pois tínhamos que subir uma escada de muitos degraus, andar por um corredor e descer do outro lado. Dentro da estação de trens, no local de embarque, havia uma balança para pesar volumes. Não sei como funcionava, porém quando meu pai nos pesava, a balança soltava um cartãozinho com desenho de algum animal. Lembro-me que sempre recebia o desenho de um carneirinho, talvez pelo meu pouco peso. Gostava de ouvir o sinal avisando que as porteiras iriam se fechar ou abrir. Elas barravam o fluxo de carros, bondes e ônibus que cruzavam a avenida Rangel Pestana, para a passagem dos trens.

Mas, voltemos a Pensão Brasil que tinha altas portas e janelas idem que se abriam para a rua. A construção seria com certeza do século XIX. Fazia parte de uma serie de casas geminadas, que nessa época, anos 40, eram residências de famílias proletárias. Meu pai alugara duas daquelas casas, que possuíam muitos quartos e as transformou em um pequeno hotel. Hotel que servia tanto aos estudantes da Escola

Aeronáutica, da rua Visconde de Parnaíba, como aos migrantes, despejados aos montes na Estação do Norte. Esses eram seus hospedes. O grupo de casas fazia vizinhança ao “Laticínios Paulista”, a usina de leite, que por sua vez ficava junto a outra passagem dos trens. Uma passagem também com porteiras que cortava a rua dr. Almeida Lima.

Pensam que não? Lembro-me e ainda penso ouvir o barulho dos trens… dos vagões de carga, do trem de luxo, da litorina… ouço o barulho das caixas metálicas, arrastadas pelos funcionários do Leite Paulista…com vasilhames de vidro…na calçada que estava constantemente molhada…

Aquele 25 de dezembro chegou num instante. A Aurora Pazzito, o Alfredo, a Maria, a menina bem vestida da última casa, eu e minha irmã, logo cedo saímos a rua para mostrarmos os presentes que havíamos ganhado. Uma boneca, um joguinho de sofá, panelinhas e um revolver do Roy Rogers faziam a alegria daquela meninice.

Os dias rolaram como bolinhas de gude na ladeira. E uma noite ouvi minha mãe nos chamando para ouvir os apitos das fábricas, as buzinas dos carros, os estrondos dos fogos de artifícios, os meninos com paus batendo nos postes. Era a festa do reveillon. Terminava 1947 e nascia um ano novo.

Dias depois, nossa parca mudança chegava ao Real Parque. Casas pequenas com grandes quintais, árvores, cachorros, galinhas e pássaros. Água de poço. Rua de barro. Era uma nova etapa, um novo trajeto do trem de nossas vidas.


O Conte Sua História de São Paulo vai ao ar aos sábados, às 10 e meia da manhã, no CBN SP. Você participa enviando seu texto ou arquivo de áudio para contesuahistoria@cbn.com.br.

Vídeo-ouvinte: Sem saída

Falta organização e respeito nos super-lotados trens de São Paulo, conforme relata o ouvinte-internauta Wilson Ferreira da Silva que gravou estas imagens na chegada da estação Brás. “As pessoas que estão na plataforma invadem o trem e não deixam quem está dentro desembarcar”, reclama.