Por Milton Ferretti Jung
A saudade é companheira inseparável quando envelhecemos. Digo isso com a experiência de quem está perto de completar 78 anos. Quinta-feira passada, se é que alguém leu o meu texto do dia 15 deste mês, detive-me a relembrar detalhes, inesquecíveis para mim, da casa dos meus avós por parte da mãe, na qual nasci no longínquo ano de 1935. Hoje, a saudade voltou a se manifestar. A culpa se deve a uma decisão da Volkswagen. Não é que essa empresa decidiu deixar de produzir um de seus veículos que fez história no Brasil durante 56 anos? Estou me referindo à aposentadoria da Kombi. Quem leu os jornais da semana passada, embora a notícia não tenha sido publicada com destaque, deve ter conhecimento disso.
Por que – talvez alguém esteja se perguntando – a velha Kombi causou neste escriba um acesso de saudade? Explico: este utilitário, cuja saída do mercado será marcada pelo lançamento de uma série especial, chamada de Last Edition, que constará de 600 unidades por 85 mil reais, deu-me a chance de percorrer o interior do Rio Grande do Sul e de boa parte do Brasil.
A Companhia Jornalística Caldas Júnior, proprietária do jornais Correio do Povo, Folha da Tarde, Rádio Guaíba e, mais tarde, da TV Guaíba, possuía uma frota de jeeps para o deslocamento de seus funcionários. Eram dirigidos por motoristas profissionais. Um desses inseguros veículos – todos com capotas de lona – acabou capotando durante viagem a Pelotas para a realização da cobertura de um jogo do campeonato gaúcho. O narrador Ataídes Ferreira e o comentarista Jaime Eduardo resultaram feridos, esse último, com gravidade. Daí para frente, a equipe esportiva da Rádio Guaíba passou a viajar de Kombi.
Mendes Ribeiro, principal narrador da Emissora, tinha medo de viajar de avião. Nas Eliminatórias da Copa de 1958, no jogo entre Paraguai e Brasil, lá foi a equipe da Guaíba por péssimas estradas, muitas delas inundadas, o que obrigou os radialistas e técnicos realizar desvios que alongaram em muito o trajeto. A turma chegou a Assunção quase na hora de o jogo se iniciar.
Acompanhei a Copa pela Guaíba, para a qual me transferi em abril no dia 10 de abril de 58, depois de atuar quatro anos na Rádio Metrópole. Novamente, Ribeiro quis que fossemos de Kombi. Dessa vez, para Águas de Lindóia-SP,onde a Seleção Brasileira fez um jogo-treino. Fui um dos que pilotaram a Kombi. Já nos preparativos do Brasil para a Copa de 66, a equipe da Guaíba, com um enorme transmissor ocupando o que seria o banco do meio do veículo, estivemos em Lambari e Caxambu, estâncias hidro-minerais, em Niterói, Teresópolis e onde quer que a Seleção treinasse.
Minha saga “kombeira”, me permitam neologismo, não se resumiu a viagens longas. Visitávamos o interior do Rio Grande com regularidade. Nessas, cada um dirigia a Kombi, no sistema de revezamento, de hora em hora. Eu era o piloto mais fominha. No tempo em que a gente aliava o trabalho de radialista com o de motorista – sem cobrar nada pela dualidade de funções – o autor dessas mal digitadas linhas ainda não tinha carro. E ficava felicíssimo dirigindo Kombi.
Ah,que saudade daquelas Kombis da Caldas Jr.!
Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung (o filho dele)