Política inovadora somente nas resoluções de Ano Novo

 


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No desejo de que o Brasil reencontre seu rumo, o ex-presidente Fernando Henrique, em artigo publicado no Estadão desse domingo, trata da necessidade de se inovar na política nacional com os dois principais partidos, PSDB e PT, ao lado de novas forças políticas – tais como a Rede e o Partido Novo – incorporando em suas crenças e prática o que ele identifica como sendo algo mais contemporâneo. Sugere que “olhem para as questões da sustentabilidade, da mobilidade urbana, da segurança, educação e saúde, entendendo as funções do mercado e do Estado no século 21”. Nesta lista de temas pede para que não tenham medo das mudanças de estilos de vida e não fujam da discussão sobre a regulamentação das drogas.

 


Mais do que mudanças temáticas, Fernando Henrique propõe passos iniciais para a reforma política reivindicada com mais vigor após as manifestações de 2013 mas que nada avançaram desde lá. Sugere a aprovação da cláusula de barreira, que exige de partidos número mínimo de votos em âmbito nacional e em certo número de Estados para lhes assegurar plena representação no Congresso, acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito na TV. Inclui ainda a proibição de coligações entre partidos nas eleições proporcionais; e a proibição do uso de marketing político nas TVs, que seriam usadas apenas para debates entre candidatos ou para suas falas diretas à audiência.

 


Tenho dúvidas sobre o impacto em relação a formação do eleitor caso se modifique a forma de se fazer campanha eleitoral no rádio e na TV, pois corre-se o risco de se reduzir ainda mais o interesse por estas peças que, mal ou bem, esclarecem algumas propostas dos candidatos, partidos e coligações. Com certeza, porém, um das grandes distorções do nosso processo eleitoral começaria a ser corrigida que é o custo das campanhas. Como referência, apenas neste ano, se gastou R$ 5,1 bilhões, de acordo com as despesas declaradas ao Tribunal Superior Eleitoral. Valores que nos levam a outro problema a ser atacado na legislação atual: a doação para as campanhas.

 


Em seu texto, o ex-presidente sugere que “o financiamento privado, se mantido, deve limitar-se a algo como R$1milhão por conglomerado de empresas, dado apenas a um partido, e não a todos, o que cheira corrupção”. Já o financiamento da pessoa física seria livre, desde que limitado em valores. Outra mudança que considera ser bem mais difícil por sua audácia: introduzir em caráter experimental o voto distrital nas eleições para as Câmaras Municipais, abrindo espaço para se estender a prática às eleições estaduais e nacionais em um futuro quando se teria menos e mais bem definidos partidos.

 


O Congresso Nacional já têm em mãos projetos de lei e propostas de iniciativa popular que mexem nas regras eleitorais brasileiras. O próprio Supremo Tribunal Federal – STF foi provocado inúmeras vezes a se pronunciar em ações judiciais que questionam a legislação atual. Nem o Legislativo nem o Judiciário parecem interessados em avançar nestes aspectos. Apenas para registro: desde abril do ano passado, o ministro Gilmar Mendes deve uma resposta à nação em ação que proíbe as doações de empresas privadas para campanhas políticas. Seis ministros já votaram a favor mas o processo emperrou desde o pedido de vistas feito por Gilmar Mendes.

 



A opinião de um ex-presidente da República que teve a relevância de Fernando Henrique poderia nos oferecer alguma perspectiva de avanço na reforma política, neste início de legislatura, mesmo que não fosse no sentido pleno em que ele propõe até porque outras estão por aí em discussão e com bons argumentos a nos convencer da sua utilidade para a melhoria da prática política no país. Porém, como se sabe, o fato de uma ideia vir abaixo-assinada por integrante de um partido político, especialmente se for da oposição, a inviabiliza. Passa a ser bombardeada de imediato pelos grupos que estão nos demais espectros políticos independentemente da qualidade do que é apresentado. Em lugar de provocar a reflexão, gera a agressão, porque, no Brasil, política inovadora, por enquanto, é apenas resolução de fim de ano, daquelas que se acabam na primeira semana do novo ano.

 



A foto publicada neste post é da galeria de Favaro Junior,no Flickr,e segue a licença creative commons

O dia em que o candidato comprou um livro

 

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A cobertura jornalística da campanha eleitoral, em rádio e TV, tem várias limitações impostas pela legislação e, algumas vezes, se transforma em um “agendão”, como costumamos dizer nas redações. O candidato está aqui, vai até lá e passou acolá. Informações ilustradas por imagens de político sorridente em meio a multidão que se espreme na feira livre e a rua de comércio popular. Gostam também de aparecer no palco de seminários de engravatados, onde recebem propostas de governo que assinam e jamais serão cumpridas. Com o pé no chão ou no palanque, estas agendas costumam render cenas para a campanha, talvez votos e, em alguns casos, infecção estomacal. Um dos lugares preferidos desta semana é a Bienal do Livro, que leva hordas de estudantes e fãs de escritores para os corredores no Parque do Anhembi, em São Paulo.

 

Há uns dois dias, vi um dos candidatos à presidência, ao lado de seu vice, caminhando entre “eleitores” e encenando para selfies que serão distribuídos nas redes sociais. Nos estandes, folhavam livros e posavam para as câmeras como se estivessem interessados na leitura. E nós jornalistas relatando o acontecido. Encenação que me lembrou história contada pelo jornalista Lucas Mendes, na época em que trabalhamos juntos na redação da TV Cultura. Ele já dava expediente em Nova York quando o presidente Fernando Collor acabara de ser eleito no Brasil. Antes da posse, Collor fez viagem para os Estados Unidos, não lembro se para descansar e recuperar o fôlego da intensa campanha eleitoral ou se para mais uma vez viver no mundo do faz de conta, o que lhe era típico. Cada passo que dava era coberto com curiosidade e intensidade pela imprensa brasileira que deslocou suas equipes de jornalistas atrás do primeiro presidente eleito desde o fim da Ditadura Militar.

 

Conta Lucas Mendes que, entre os programas realizados, Collor entrou em uma livraria e começou a olhar as estantes em busca não se sabe de que livro. Dezenas de repórteres cinematográficos e fotógrafos entraram correndo para registrar o momento, assuntando a dona da livraria. Ela se dirigiu a Lucas Mendes, que observava tudo da periferia da confusão, e quis entender “por que toda esta gente?”. Lucas explicou que o novo presidente do Brasil estava comprando um livro. E foi obrigado a ouvir da atônita livreira americana: “ele nunca comprou um antes?”