Conte Sua História de São Paulo: joguei panela no Canindé

Por Antonio David Bravo

Ouvinte da CBN

 

 

Os meus contemporâneos se lembram. Na meninice, naquela época de antanho, sem iPod, iPad, iPhone e iCloud, tínhamos que ser criativos nas brincadeiras. Todo o nosso lazer acontecia na rua. Morei no Canindé, na Rua Madeira, número 160. Era a última casa da rua, que tinha 160 metros de extensão. Eram tantos os moleques que as turmas precisavam ser divididas em do começo; do meio e do fim. 

Futebol, corrida, briga e todo tipo de competição eram constantes entre as turmas. Quando não, nos juntávamos para competir e guerrear com as ruas vizinhas. Tínhamos na vizinhança o canil da PM, que ocupava uma área de 200 mil metros quadrados. Era só pular um muro de dois metros e meio de altura e todo aquele espaço era nosso. Apostávamos corrida em cima do muro. Não lembro de nenhum moleque ter quebrado um braço ou uma perna, apesar do muro ser todo torto.

 

No início da década de 50, o sistema de coleta de esgoto começou a ser implantado. Buracos foram abertos no meio da rua e as manilhas de diâmetro enorme foram a glória para a molecada: tínhamos trincheira, barro, esconderijos, enfim, tudo o que desejávamos para as nossas brincadeiras. 

 

Inventamos o Jogo da Panela, que era disputado entre dois e até cinco competidores. Tínhamos de fazer uma panela de barro com fundo do tamanho que a mão permitisse e com laterais de mais ou menos 8 centímetros de altura. A panela era jogada no chão com força e de cabeça para baixo. O impacto criava uma pressão interna e o fundo explodia. O buraco que se formava no fundo tinha que ser pago com um remendo feito pelo barro dos adversários. Ganhava quem conseguisse obter todo o barro do outro time. A turma do fim da Rua Madeira era sempre a campeã.  

 

Foi ali, no querido Canindé, entre lagoas e o rio Tietê, que, em 1956, a Portuguesa ergueu seu estádio, inicialmente apelidado de Ilha da Madeira. Lusa que completou 105 anos, em 14 de agosto. E, assim como a extensa maioria dois bairros na cidade de São Paulo, o meu Canindé também assumiu uma nova feição. 

Hoje, o bairro se ampliou e vem sofrendo uma notável mudança cultural imposta pela influência boliviana que transformou a região num centro de compras populares. Imigrantes vindos da América do Sul e da África alteram os contornos que no passado foram estabelecidos pelos tradicionais portugueses, italianos e árabes que ali fizeram a minha história.  E, consequentemente, a minha história de São Paulo. 

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Antonio David Bravo é personagem do Conte Sua Historia de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br e o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Conte Sua História de São Paulo: delírio com o Canindé e um sonho com o Tietê

José Emilio Guedes Lages

Ouvinte da CBN

Foto aérea do estádio do Canindé; autor: Will Lusa

A primeira vez que fui a São Paulo, vindo de Belo Horizonte, desci no terminal rodoviário Tietê cheio de curiosidades. Logo de cara, esperando o táxi, vislumbrei o campo da Portuguesa, time da minha maior admiração na capital Paulista  — Félix, Ivair, o Príncipe, Leivinha, Lorico. Só com isso aí já fiquei satisfeito. Lembrei também do livro Quarto de Despejo, em que autora Carolina Maria de Jesus falava da favela do Canindé, onde passa parte de sua obra , aí então o astral melhorou mais ainda.

No táxi, pedi para que fosse para o Alto de Pinheiros e o taxista me perguntou se era para passar pela Cerro Corá. Como eu não conhecia nada da cidade e achei o nome muito lindo, disse que sim.

Quando passávamos por uma rua, próximo ainda a rodoviária, vi uma frase no muro que me encantou sobremaneira: “Kdê o Salvador daqui?”.

Cheguei ao endereço que me esperava e apaguei! Acordei no dia seguinte, para conhecer a Ipiranga com a São João, uma bela história que me ronda até hoje. No passeio, puxei da memória o que havia visto no dia anterior, após deixar a rodoviária: lembrava de ter ficado deslumbrado ao passar pelas marginais Tietê e Pinheiros, encontrado s ruas arborizadas e floridas; e a criançada pulando de um trampolim imaginário e — “tibum” — nadando de braçada naquelas águas límpidas dos rios que cortavam a grande metrópole.

Somente no dia seguinte, quando voltei a cruzar as marginais é que percebi que aquelas cenas eram apenas imaginação, resultado do sonho que sonhei enquanto descansava. O que era real, porque voltei a encontrá-la, no dia que retornei a Belo Horizonte, era a frase no muro: “Kdê o Salvador daqui?

José Emilio Guedes Lages é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é da Débora Gonçalves. Seja você também personagem da nossa cidade. Escreva seu texto agora e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua Historia de São Paulo.

Avalanche Tricolor: como escolho meus próprios caminhos, prefiro falar da Portuguesa

 

 

Grêmio 0x0 Corinthians
Brasileiro — Arena Grêmio

 

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Memórias de um das vezes em que a Lusa esteve no meu caminho (Foto: Canindé, 2013)

 

Jogar em casa, obriga à busca dos três pontos. E o Grêmio buscou pelos caminhos que gosta de percorrer no campo. Com bola tocada, passe trocado, tentativas pelo meio e investidas pelos lados. Às vezes, fico com a impressão de que preferimos refinar o lance a chutar a gol — como se ele fosse surgir a qualquer momento, de forma natural, resultado do domínio da bola. Quase surgiu, em um cabeceio aqui, um bate e rebate acolá, e um pênalti desperdiçado.

 

Aqui um parênteses: alguém sabe me dizer quantos pênaltis nos perdemos em um ano? Pode ser implicância minha. Mas há algum tempo que reclamo o pênalti em favor do Grêmio — como hoje no carrinho imprudente do marcador de Diego Souza —, mas não comemoro antecipadamente pelo alto risco de frustração. Parênteses fechado.

 

De volta ao jogo.Ou melhor. Não vou falar do jogo, não. Se em campo os dois times fizeram pouco para vencer e saíram com cara de “melhor assim do que perder”, prefiro seguir esta Avalanche pelos meus próprios caminhos. E carinhos.

 

Durante a transmissão da TV, o locutor de esportes lembrou que o último título de Brasileiro conquistado pelo Grêmio foi em 1996, na final contra a Portuguesa, no estádio Olímpico. Isso me remeteu às cenas que ainda estavam na minha memória do filme “Lusitanos — o centenário da Portuguesa” que assisti pela internet na sexta-feira, dia 14 de agosto, data de nascimento da Lusa. A produção é de meu colega Luiz Nascimento e Cristiano Fukuyama, ambos torcedores da Portuguesa, é claro.

 

O filme é um primor, pois relembra momentos incríveis vivenciados por torcedores resilientes; e revela na voz embargada e no olhar mareado da maior parte dos depoentes, a única razão pela qual a Portuguesa sobrevive a tudo que enfrentou na história —- de injustiças a falcatruas; de lances imperdíveis a momentos impensáveis. É uma gente apaixonada. Que revive cenas que talvez jamais tenha vivido, mas que ouviu dos bisavós, dos avós, dos pais ou de algum lusitano com quem um dia sentou à mesa para dividir um prato de sardinha, saborear um bacalhau ou um cozido à portuguesa.

 

A colcha de lembranças muito bem costurada pelos produtores, a partir de depoimentos de torcedores, sócios, ex-jogadores e admiradores da Lusa, me envolveu de tal maneira que passei a pensar como a Portuguesa fez parte da minha vida paulistana, que se iniciou em 1991 — muito mais do que qualquer outro time daqui; e não foi por falta de grandes confrontos com os paulistas nestes últimos anos todos.

 

Logo que cheguei, a primeira partida de futebol que assisti foi a final da Copinha, em que o Grêmio enfrentava a Lusa. Perdemos de 4×0 para um time que tinha como maior destaque Dener, que um dia tive a alegria de ver vestindo a camisa gremista. O talento da gurizada lusitana era tal que nem mesmo a goleada e a perda do título me fizeram tristes naquela manhã, no estádio do Pacaembu.

 

Danrlei era o goleiro naquela final de jovens que acompanhei com resignação e admiração. E estava no gol em outro momento histórico que colocou a Portuguesa no meu caminho, cinco anos depois. Foi a final do Brasileiro em que na primeira partida perdemos por 2 a 0 em São Paulo — jogo que não pude assistir no estádio mas que acompanhei com o rabo do olho em um monitor ligado embaixo da câmera em que apresentava, no mesmo horário, o Jornal da Cultura.

 

No domingo seguinte, coube a mim a tarefa de editar os melhores momentos da final, que seria disputada em Porto Alegre, para o Cartão Verde, programa esportivo da Cultura. Minha escala naquele plantão tinha requintes de crueldade, pois meus colegas de redação apostavam todas suas fichas no time lusitano e queriam ver minha cara editando a conquista da Portuguesa em cima do Grêmio.

 

O fim da história você —- caro e raro leitor desta Avalanche —- haverá de lembrar. Faltando oito minutos para o fim do jogo, no estádio Olímpico, o Grêmio marcou o segundo gol que deixava o confronto igual e nos dava o título pela melhor campanha no campeonato. Minha felicidade não cabia naquela fita Betacam que, com o sorriso de um campeão, entreguei ao diretor do programa para ser reproduzida para todo o Brasil.

 

Apesar de nunca ter assistido nada muito empolgante em campo, desde as finais, em 1991 e 1996, os confrontos entre Portuguesa e Grêmio sempre foram os meus preferidos, aqui em São Paulo. Eram os poucos que conseguia ver, ao vivo, no estádio, e levar meus filhos, por considerar mais fácil de entrar e torcer no Canindé, a despeito da fila interminável na bilheteria e da fúria dos Leões da Fabulosa.

 

Lamento apenas ter sido testemunha do mais triste momento da Portuguesa na série A do Campeonato Brasileiro, em 2013, quando na última partida da rodada, em que o empate deixava todos felizes — o Grêmio, na Libertadores, e a Lusa na primeira divisão — um erro administrativo fez o time paulista ser rebaixado, por escalar irregularmente um jogador (e deixo para os torcedores da Portuguesa a explicação das razões que levaram a escalação equivocada). Era o início de uma longa jornada de decepções lusitanas.

 

Neste momento em que a Portuguesa comemora seu centenário, todo meu carinho aos torcedores da Lusa. E o desejo de que, o mais breve possível, eu possa voltar à assistir ao Grêmio jogando no Canindé, ao lado de meus filhos.

Avalanche Tricolor: eu fui ao estádio

 

Portuguesa 0 x 0 Grêmio
Brasileiro – Estádio do Canindé (SP)

 

 

Fui ao estádio. Faço a confissão logo no início desta Avalanche quase como um pedido de desculpas a mim mesmo. Porque ir ao estádio é um desrespeito que nos impomos em nome do clube que aprendemos a gostar. Neste domingo, especialmente, em nome de uma tradição (?) que começou há três anos: assistir ao último jogo da temporada do Grêmio.

 

Desta vez, o encontro estava marcado para o Canindé onde já estive em anos anteriores, portanto sabendo o que me esperava. Estacionar o carro é simples. Comprar o ingresso, razoavelmente fácil, ao menos em partida de pouco público. Verdade que a pequena janela com grade, pela qual você é atendido, faz o bilheteiro se parecer mais um prisioneiro. Não sinta pena dele, porque, em seguida, você será submetido à revista pelo PM e terá a sensação de que é um parente prestes a visitá-lo na cela. Parte das catracas eletrônicas funciona manualmente e metade está desativada. Irônico, porém, é ter em mãos um bilhete com número da fila e assento – B 22, no meu caso – e descobrir, assim que chega ao local, que não passa de uma pintura no cimento – escolhi a última fileira, “cadeira” 13, na sombra. O estádio está mais cuidado do que das vezes anteriores. Lamentei apenas pelo sumiço do funcionário que era responsável pelo rudimentar placar no alto da torre. Espero que ele tenha se qualificado para fazer manutenção no telão que agora registra o resultado da partida.

 

A Geral do Grêmio estava presente e entrou no estádio quase no fim do primeiro tempo, devido aos necessários cuidados com a segurança, com charanga, faixas, gritos de apoio e subindo no alambrado. Um certo tom de desrespeito, mas até bem comportada levando em consideração os absurdos que vimos em outros jogos pelo Campeonato Brasileiro. São marcantes na arquibancada por sua força, mas a maior parte dos torcedores que vai ver jogo fora de casa é formada por gente que mora longe do Rio Grande e aproveita a oportunidade para matar a saudade, como eu. Havia muitos pais com seus filhos, alguns assistindo a um jogo pela primeira vez, como Matheus, com quem até tirei fotografia ao lado (e o pai dele vai ter de me mandar a foto para publicar), que ganhou o ingresso de presente de aniversário. Dadas as circunstâncias da partida, o skate que havia ganhado um dia antes vai lhe render mais emoções. Ele, assim como todas as crianças presentes, se não tiveram muitos motivos para se manterem acordadas até o fim nesse domingo, pelo menos estão aprendendo a torcer por um time que não se contenta em ser coadjuvante nas competições que disputa e tem uma obsessão: jogar Libertadores da América. É isso que justifica a cantoria entoada ao fim da partida, mesmo com desempenho tão comedido diante de um adversário que também entrou em campo disposto a não correr riscos.

 

O Grêmio, aos trancos e barrancos, termina o Campeonato Brasileiro como vice-campeão e capacitado a planejar o título continental no ano que vem, quando eu estarei novamente na torcida e disposto a assistir, no estádio, ao último jogo da temporada de 2014. De preferência no Marrocos.