Conte Sua História de São Paulo: o carteiro da minha rua, no Jaçanã

Por Luiz Alves 

Ouvinte da CBN

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O carteiro da minha rua chamava-se Valter Alito. Durante toda a minha infância, eu o vi diariamente subindo ou descendo a rua de terra em que morávamos, no bairro do Jaçanã. As rajadas de vento faziam levantar nuvens escuras de um pó fino e pegajoso, que travava a garganta; e quando chovia, a rua desaparecia em um imenso lamaçal.

Ele fazia parte da rua, pois com chuva ou sol, lá vinha ele assobiando, vestindo sua farda surrada, com passos decididos e uma pesada bolsa de lona nos ombros. Tinha a habilidade de transformar aquele trabalho aparentemente ruim em algo bom e divertido. Penso que o Valter nasceu para ser carteiro.

Eu olhava com admiração para aquele homem franzino, rosto minúsculo, nariz fino, olhos da cor da distância e olhar amigo, afinal ele usava quepe; que eu era louco para colocar na minha cabeça.

Não foram poucas as vezes que, para o delírio da molecada, ele se meteu em nossas peladas de futebol. Dois ou três dribles, um chute certeiro, e lá ia o Valter, agora com os sapatos sujos, para cumprir o resto de sua jornada.

O Valter era responsável por encurtar distâncias e construir pontes entre pessoas, trazendo notícias de parentes e amigos. Conhecia os moradores pelo nome, e não raras vezes parava para um dedo de prosa com o meu pai. Falavam de política, comentavam sobre a carestia ou algum acontecimento no bairro. Todos o respeitavam e o tratavam como autoridade. E o era, pois nem os cachorros da rua ladravam com ele.

Foi o Valter Alito que trouxe o telegrama avisando da morte da minha avó, em um sete de setembro cinzento. Também era ele que entregava as cartas de parentes, que às vezes deixava a minha mãe triste e preocupada. Eu não entendia bem por que, mas sabia que aquelas cartas sempre traziam más notícias. Mas o Valter também trazia agradecimentos, afetos, conselhos, pedidos, sentimentos e saudades, dentro de envelopes.

O tempo passou, o carteiro deixou de ter a mesma importância para as pessoas, e eu não sei onde foi parar o Valter, mas jamais esquecerei a forma como ele tratava as pessoas. Com certeza, ele já não entrega cartas e cartões de Natal. Pena porque me restou uma pergunta não feita: o que será que o Valter pensava de nós?

Luiz Alves e o carteiro Valter são personagens do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Seja você também mais um personagem de São Paulo. Envie seu texto para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, viste o meu blog miltonjung.com.br ou o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

A greve dos correios e as contas a pagar

 

Hoje, no Jornal da CBN, falamos sobre o impacto da greve nos Correios e o prejuízo que os clientes podem ter com as contas que não chegarem em tempo para serem pagas. Recebi depois do programa, a mensagem de Marli Aparecida Sampaio, ex-diretora do Procon de São Paulo, atualmente na ONG SOS Consumidor, sugerindo a leitura a seguir que esclarece muitas das questões envolvendo a paralisação dos carteiros. O artigo foi escrito pelo professor universitário e desembargados do Tribunal de Justiça Rizzatto Nunes:

Tenho sempre referido os correios no Brasil como exemplo de serviço de alta
qualidade e eficiência. Ou, como digo, um dos caminhos mais rápidos entre
dois pontos é o correio. Realmente, é induvidoso que esse é um dos melhores
serviços públicos do país e que cumpre a missão estatal que se espera obter
de todo serviço essencial (público, privado ou privatizado). Mas, seus
funcionários entraram em greve, que segundo anunciado, não terminou e não se
sabe quando cessará. Por conta da paralisação, muitas pessoas podem já ter
sofrido danos ou ainda podem vir a sofrer até a completa regularização do
sistema.

Por isso, hoje cuido dos direitos dos consumidores afetados pela greve e
lembro as regras de prevenção para evitar problemas.

Ø Responsabilidade objetiva da ECT

Inicialmente, quero deixar claro que todo dano causado é de responsabilidade
primeira da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) por expressa
disposição do Código de Defesa do Consumidor. É que ela responde pelos
vícios ou defeitos de seus serviços, o que inclui, naturalmente, a ausência
dos mesmos.

Para que a ECT seja responsabilizada não há necessidade de que seja apurada
sua culpa. É a chamada responsabilidade objetiva decorrente da exploração da
atividade empresarial e seu risco. O empreendedor público, privado ou de
atividade privatizada explora o mercado de consumo e a própria exploração da
atividade gera risco social, independentemente de sua vontade.

É evidente que, por exemplo, quando uma correspondência entregue pelo
consumidor aos serviços do correio não chega a seu destino no prazo ou
simplesmente se extravia, essa falha não se dá por interesse da empresa. Ela
não decorre da vontade dos administradores da ECT, mas da atividade em si,
eis que falhas sempre existirão no sistema de leitura ótica, na incorreta
observação do pessoal que faz seleção dos envelopes e pacotes, no transporte
etc. Portanto, o dano existirá, apesar da vontade em sentido contrário dos
administradores e funcionários.

Ø Danos sofridos

A lei sabe disso. Ela sabe que, apesar do esforço do prestador do serviço,
em algum momento, por evento imprevisto, o serviço falhará causando danos ao
consumidor. Naturalmente, a responsabilidade é a mesma na ausência do
serviço, como a que ocorre no período de greve e que persistirá mesmo após
seu fim por mais algum tempo até que o mesmo se normalize.

Por isso tudo, a lei estabeleceu a responsabilidade objetiva. Basta a
constatação do serviço contratado e seu defeito para que possa ser pedida
indenização. Desse modo, se o consumidor sofrer algum dano por atraso ou não
entrega de correspondência, poderá pleitear indenização.

Ø O problema das contas que vencem nesse período

A ausência de um serviço como o dos correios sempre gera danos em larga
escala, atingindo fornecedores e consumidores. Nos serviços massificados,
como os de telefonia, tevês à cabo, cartões de crédito, empréstimos
bancários etc, o serviço dos correios é fundamental para seu funcionamento.
Isto porque, é através dele que a maior parte dos milhões de faturas são
entregues mensalmente para pagamento.

Ø Consumidor responsável

Entretanto, o não recebimento de uma fatura não retira a responsabilidade do
consumidor em pagá-la no prazo se o credor manda as faturas pelo correio
mas, simultaneamente, coloca à disposição do consumidor outro modo de quitar
o débito. Explico.

Cabe ao fornecedor entregar as faturas antes da data do vencimento. Todavia,
com a paralisação dos serviços do correio, a entrega fica prejudicada. O
fornecedor, então, tem de oferecer uma alternativa de pagamento ao
consumidor. As segundas vias devem ser oferecidas via fax, email, acesso ao
site, por ligação telefônica etc. Se essas segundas opções são oferecidas,
cabe ao consumidor utilizá-las para o pagamento da dívida.

É bom lembrar que quando os serviços dos correios não estão paralisados,
isso não impede que alguma correspondência não seja entregue. Logo, mesmo
fora desse período crítico, pode acontecer do consumidor não receber fatura
para pagamento dentro do prazo ou simplesmente não recebê-la.

Ø Risco do empresário

Se o consumidor não recebe a fatura para pagamento, não se pode imputar a
ele a responsabilidade pelo pagamento no prazo. Não tem sentido culpa-lo
pelo que ele não fez. É risco do fornecedor entregar a fatura com tempo
suficiente para pagamento, risco esse que não pode ser repassado ao
consumidor. Todavia, cabe ao consumidor se acautelar.

Ø Prevenção

Para eventualmente tentar não ser responsabilizado, o consumidor tem que
provar que não recebeu a fatura, o que é muito difícil de faze-lo quando ela
não é entregue. Dá para fazer a prova, por exemplo, se o consumidor avisou
por escrito seu novo endereço para recebimento da fatura e ela foi enviada
ao antigo ou quando o próprio correio coloca carimbo de entrega atrasada
(Anoto que nesse caso, é a ECT quem deve ser responsabilizada pelo atraso).
No entanto, afora esses tipos de exceções, o consumidor acaba sendo
responsabilizado pelo atraso. Por isso, para evitar prejuízos, apresento as
observações a seguir.

Ø O controle das datas

O consumidor deve manter uma agenda com datas dos vencimentos de suas
faturas regulares. Se até a véspera do vencimento, ainda não recebeu alguma,
então, deve entrar em contato com o credor, solicitando segunda-via para
efetuar o pagamento. Essa é uma regra geral para o dia-a-dia e,
evidentemente, nesse período de greve deve ser imediatamente seguida. Para
aquele que não faz esse tipo de controle, a saída é pegar as contas do mês
anterior, ver as datas dos vencimentos e checar o prazo que existe para
pagá-las.

Atualmente, todos os grandes fornecedores mantém Serviços de Atendimento ao
Consumidor (SACs) e/ou sites, nos quais é possível obter uma segunda via da
fatura. Se a credor não tiver esse tipo de serviço, como já disse acima, ele
é obrigado a dar outra alternativa para pagamento, como, por exemplo, envio
do boleto via fax ou apresentação de dados bancários para depósito em conta
(nº de conta corrente, banco e agência, número do CNPJ — se for pessoa
jurídica — ou CPF