Uma chave para o amor

Por Simone Domingues

@simonedominguespsicologa

Foto de George Becker

“Quando uma porta se fecha, outra se abre;

mas frequentemente olhamos por tanto tempo

 e com tanto pesar para a porta fechada

que não vemos aquelas que foram abertas para nós.”

(frase atribuída a Alexandre Graham Bell)

Ela desceu as escadas apressada, com uma das chaves em mãos, acreditando que era a certa. Um sábado à noite frio em Paris. O lixo para fora, uma tarefa simples. Mas, ao voltar, o susto: a chave que tinha levado era do trabalho. A porta de casa continuava trancada. O celular? Lá dentro.

Por alguns minutos, Olívia ficou paralisada no corredor. Pensou nas opções. Ela recentemente havia trocado sua fechadura para mais segurança, e um chaveiro, a essa altura, seria financeiramente inviável. Tentou lembrar o número de alguém. Só vinha à cabeça o contato da mãe, o mais óbvio, o mais seguro. Ligou de um telefone emprestado pelos vizinhos. A mãe, do Brasil, tentou contato com o ex-marido de Olívia, que ainda tinha uma cópia da chave. Nenhuma resposta.

Enquanto isso, os vizinhos, um casal de idosos, ofereciam café, cobertores e preparavam uma cama para ela passar a noite.

A mãe, de longe, mobilizou pessoas nas redes sociais, amigos de Olívia que poderiam ajudar para que a mensagem chegasse à sua faxineira, que também tinha uma cópia da chave. Apesar de ser tarde, a faxineira, com muita boa vontade, cruzou a cidade de metrô para ajudá-la. Sim, de metrô, porque julgou que chamar um transporte particular, além de mais demorado, sairia muito custoso para Olívia.

Já era quase meia-noite, depois de horas de espera, a chegada da chave permitiu que a porta fosse, finalmente, aberta.

E ali, sentada no sofá da sala, com o casaco que permanecia nos ombros e os olhos ainda levemente marejados, Olívia percebeu, ao contrário do que mais ruminara em sua mente nas últimas semanas: ela não estava sozinha.

Essa história poderia retratar uma cena de filme, daquelas em que, no final, a personagem aprende algo importante sobre a vida. Mas não. Essa história aconteceu na vida real.

Olívia vinha há meses se questionando sobre uma reconciliação com o ex-marido. Mesmo com o silêncio dele. Mesmo com a falta de cuidado. Mesmo com os sinais claros de que ele não estaria interessado nessa volta.

Uma cena que, no fundo, é familiar a muita gente.

“Por que “aceitar o pouco”? Por que insistir em quem não demonstra querer estar?

Pelo medo. O medo de ficar só, de não ser suficiente para ser amado.

Muitas histórias de vida guardam aprendizagens de um amor condicionado, onde se aprende, muito precocemente, que é necessário fazer muito para receber pouco. Que é necessário provar valor para não ser deixado. Que o amor é escassez e precisa de muito esforço para ser retribuído.

A Teoria do Apego, proposta por John Bowlby, destaca o quanto os vínculos afetivos, especialmente na infância, são fundamentais para o desenvolvimento emocional e social de uma pessoa. Quando crescemos com figuras de cuidado imprevisíveis, distantes ou negligentes, podemos desenvolver um padrão de apego ansioso — aquele que teme o abandono a qualquer custo. Um padrão que se antecipa à rejeição e se adapta demais, mesmo que isso custe o próprio bem-estar.

Embora muitas crenças sobre desamor se desenvolvam ainda na infância, a partir da forma como a criança vivencia os vínculos com seus cuidadores, elas também podem surgir ou se fortalecer em fases posteriores da vida, como na adolescência ou na idade adulta. Situações como rejeições amorosas, exclusões em grupos de amizade, relações abusivas, vivências de abandono ou mesmo relações familiares difíceis podem fazer com que a pessoa passe a acreditar que não é digna de amor ou que, cedo ou tarde, será deixada de lado. Quanto mais repetitivas ou emocionalmente intensas essas situações forem, maior a chance de a pessoa internalizar a ideia de que não merece ser amada, o que pode influenciar seus comportamentos futuros: seja evitando se envolver com medo de sofrer, seja buscando de forma ansiosa a aprovação e o afeto dos outros.

O problema é que na tentativa de evitar a solidão, muitas pessoas entram num ciclo de supercompensação: fazem demais, aceitam demais e, com o tempo, se sentem cada vez menos amadas. Isso reforça um padrão de pressupostos disfuncionais pautado na crença de desamor: “Eu só serei amada se eu for útil. Se eu não der trabalho. Se eu for perfeita e me sacrificar para fazer tudo para o outro.”

Mas naquela noite, Olívia viveu uma experiência diferente.

Ela não precisou fazer nada. Não precisou agradar, se explicar ou se esforçar além da conta. Apenas existiu. E, mesmo assim, pessoas se moveram, ajudaram, cuidaram. Gente que não tinha obrigação nenhuma, mas escolheu se fazer presente.

Exatamente quando tudo parecia sair do controle, a vida veio e trouxe pequenos sinais, mostrando que há caminhos mais leves, vínculos mais honestos, encontros que aquecem sem ferir.

E assim, enquanto finalmente se acomodava no sofá, ainda de casaco e com os olhos marejados, Olivia entendeu: estar sozinha não é o oposto de ser amada. Há portas que se fecham — algumas com estrondo, outras em silêncio — mas há também aquelas que se abrem quando menos esperamos. Entre cobertores emprestados, telefonemas solidários e o cuidado espontâneo de quem escolheu estar ali, a vida mostrou que o afeto verdadeiro não é fruto de um esforço solitário, mas de uma disposição mútua, de pessoas que escolhem se encontrar e permanecer. Já não se tratava mais da porta que havia se fechado, mas das outras que, sutilmente, estavam se abrindo bem diante dela.

Simone Domingues é psicóloga especialista em neuropsicologia, tem pós-doutorado em neurociências pela Universidade de Lille/França, é uma das fundadoras do canal @dezporcentomais, no YouTube. Escreveu este artigo a convite do Blog do Mílton Jung. 

Garota Exemplar: um suspense para agarrar você do começo ao fim

 

Por Biba Mello

 

 

FILME DA SEMANA:
“Garota Exemplar”
Um filme de David Fincher.
Gênero: Suspense
País:USA

 

Um casal apaixonado se muda para o Missouri. Os dois foram demitidos, estão passando por problemas financeiros e para arrematar a mãe dele morre de câncer. Até que um dia, Amy, a esposa, some sem deixar rastros. Sinais de luta e sangue são encontrados…O culpado?…Bem, não posso ir além na sinopse ou vou deixar escapar algum detalhe arrepiante!

 

Por que ver:
Um grande suspense. Para os fãs do gênero será um prato cheio. Prepare-se para fortes emoções. O filme te agarra do começo ao fim. Vai te faltar fôlego em alguns momentos e te deixar incrédulo em outros. Acabei de ver o filme e estou até mole.

 

Como ver:
Não adianta preparar aquela pipoquinha pois você não vai ter tempo para comê-la. O filme não te dá descanso… Faça xixi antes.Uma boa pedida, é se você estiver voltando da Europa e precisa se ajustar ao fuso horário… As horas passarão rápido e o sono passará longe!

 

Quando não ver:
Olha, qualquer coisa que escreva aqui pode te dar pistas sobre o enredo, portanto vou me abster de um comentário mais preciso e apenas dizer que se você não puder, por orientação médica, ter fortes emoções, não assista a este filme.

 


Biba Mello, diretora de cinema, blogger e apaixonada por assuntos femininos.

A página de jornal que não gosto de ler

 

Por Milton Ferretti Jung

 

Se existe uma página de jornal que leio a contragosto é a que trata dos óbitos. É quase como se fosse uma doença tipo ebola. Ultimamente,porém,quer queira quer não queira,sinto-me obrigado a lê-la. Caso faça de conta que esqueci de,no mínimo,passar os olhos pela página maldita,Maria Helena,minha mulher, faz questão de bancar o porta-voz da ou das notícias do falecimento de algum amigo ou de alguém importante,mesmo que o morto seja,por exemplo,um artista de cinema de quem sequer fui fã. A infausta informação dessa terça-feira foi daquelas surpreendentes. Jayme Ricardo Machado Keunecke é mais um ex-colega e amigo que nos deixa e com o qual trabalhamos juntos na Rádio Guaíba,onde,além de outras atividades,assessorava Flávio Alcaraz Gomes no programa Guerrilheiros da Notícia,na Rede Pampa.

 

Se não me falha a memória,chegamos a trabalhar no Jornal do Dia,extinto faz muito,de onde apresentávamos o jornal noturno da Rádio Clube Metrópole que ia ao ar usando notícias do periódico católico,com sede na Avenida Duque de Caxias. Por coincidência,começamos a pegar gosto por microfone em serviços de alto-falantes,eu nas quermesses da Igreja do Sagrado Coração de Jesus,em Porto Alegre, ele em Guaporé. JK,como ficou conhecido nos diversos veículos da mídia nos quais trabalhou, atuou por 18 anos na Rádio Guaíba.Foi funcionário, também, do Diário de Notícias,TV Piratini e do Grupo RBS. Jayme Keunecke estava com 78 anos. Ficou internado desde 3 de setembro na UTI do Hospital Santa Casa,com problema nos brônquios.

 

Esta notícia de óbitos não está na Zero Hora. Nessa se lê,abaixo da manchete “Juntos até o fim”,uma rara história de amor em que dois anciões,o homem de 89 anos, a mulher com 80,morreram com uma hora de diferença,no leito do Hospital São Lucas,da PUC porto-alegrense. Italvino Possa e sua esposa Diva,encerraram uma casamento que durou 65 anos e lhes rendeu 10 filhos e 14 netos, juntinhos, exatamente como pediram a Deus. Coroaram com sucesso a sua vida marital. Uma enfermeira colocou o casal em camas paralelas. Italvino morreu primeiro,Dona Diva, apenas 49 minutos depois. Com certeza,ambos partiram felizes desta vida. Imagino,que a história de amor de Italvino e Diva,dificilmente tem similar.

 

Bem diferente foi ou está sendo o drama de Paulo Roberto Costa,ex-diretor da Petrobras,cuja ganância – que outra explicação pode ser dada para a sua atitude – vai ter de devolver 23 milhões de dólares mal havidos. Não consigo entender a razão que leva um alto funcionário a desviar quantia tão grande,cujo sumiço,como geralmente acontece,não pode passar despercebido. Seja lá como for,a delação premiada vai permitir que Costa,apesar da tornozeleira eletrônica presa em sua perna,morar durante um ano em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca.

 

Milton Ferretti Jung é jornalista, radialista e meu pai. Às quintas-feiras, escreve no Blog do Mílton Jung, o filho dele.

Avalanche Tricolor: Por amor

 

São Paulo 3 x 1 Grêmio
Brasileiro – Morumbi (SP)

Morumbi

Por ser casado com uma ex-repórter de esportes e eu ser muito ligado ao futebol – ao Grêmio, para ser honesto -, era de se imaginar que os estádios fossem lugares comuns à família. Porém, desde que ela trocou de pauta e passou a ser repórter de geral – como chamamos os jornalistas que cobrem uma variedade de temas, da política à polícia, da moda à educação – nunca mais fez questão de passar próximo de um campo. Nem assistir aos jogos na TV tem vontade.

De minha parte, a falta de conforto e insegurança me transformaram em torcedor de pay-per-view. Desde que cheguei em São Paulo, em 1991, raras foram as vezes em que fui ao campo. Com pouco esforço de memória sou capaz de lembrar das partidas de futebol que acompanhei na arquibancada como torcedor – a época em que narrei jogos pela Rede TV! não conta, pois era pago para ir ao estádio. A primeira foi a final de um Copa São Paulo de futebol júnior, na qual Dener, que morreu precocemente, jogou de maneira tão brilhante que o aplaudi mesmo tendo sido responsável pela vitória arrasadora da Portuguesa sobre meu time de coração.

Assim, quando comentei que havia recebido dois convites para assistir ao jogo da noite de sábado, em um camarote do Morumbi, foi uma gratificante surpresa ouvi-la dizer que me faria companhia, se este fosse meu desejo. Sem titubear nem esconder meu prazer, aceitei a proposta.

Até momentos antes do horário marcado para seguirmos ao estádio, confesso, tive dúvidas se a disposição dela persistiria. O recuo seria razoável e compreensível. Esse sábado prometia temperatura baixa e era a sua folga na redação, fatores que combinam com ficar debaixo das cobertas, ler um bom livro, assistir a um filme divertido de locadora, beber vinho ou, simplesmente, dormir.

Devidamente paramentada, boné de lã, casaco elegante fazendo par com as botas de couro e o cabelo realçado pelo brilho dos cremes que costuma usar, lá estava ela, , na hora marcada, a minha espera. Havia ainda os brincos e o colar que me chamavam atenção no rosto levemente maquiado. Singelamente maquiado.

De mãos dadas e abordo de um táxi seguimos para o Morumbi, estádio que fica a poucos minutos de casa. Nem mesmo o fato de o motorista ter pensado que eu era são-paulino, me tirou o humor: “esse é jogo bom de ver porque é jogo de uma torcida só e o São Paulo é lider”- disse ele sem perceber meu sorriso amarelo no retrovisor.

A bola começou a ser tocada de pé em pé – na maior parte das vezes para o pé errado – e nós sentados um do lado do outro em uma confortável cadeira vermelha (por que se importar com a cor?). O frio aumentava a medida que a noite avançava e isto a fez mais próxima de mim. Encostou a cabeça no meu ombro, pegou minha mão com mais força ainda. Nos separávamos apenas para um gole de bebida ou saborear os petiscos oferecidos. Tudo muito rápido e devidamente compensado com um beijo, uma bochecha sorridente, um carinho.

As coisas aconteciam no gramado, jogadores tropeçavam na qualidade, sacrificavam o bom-senso com suas escolhas e, de vez em quando, conseguiam um drible decente, um passe interessante e um chute em gol. Um gol, dois gols, três gols. Chegaram a marcar quatro gols. Dois do lado de cá do campo, dois do lado de lá. A maioria tive de conferir na tela da TV, pois enxergar o jogo dos camarotes não é tarefa tão bem definida assim.

Nada do que ocorria lá dentro, de bom e de ruim, a fez mudar de postura. Foi, aliás, nos piores momentos que se fez mais presente. Cúmplice do meu sofrimento, usava de subterfúgios para desviar minha atenção, me fazer sentir melhor. Dava sinais de que estava preocupada com os meus sentimentos futebolísticos, dado o desenrolar da partida. Tentou disfarçar com a leitura de faz-de-conta de uma revista de variedades.

Mal sabia ela que nada daquilo que ocorria lá adiante me incomodava. A falta de talento à disposição do técnico, a insistência dele em escalar jogadores fora de posição, a defesa incapaz de impedir o assédio adversário, o passe desleixado do suposto craque e a ineficiência dos atacantes (ou do atacante) não eram suficientemente importantes diante daquele momento que eu vivia.

A paixão que o sacrifício dela me despertou fez superficiais o futebol jogado pelo meu time e o resultado final. Seu gesto e presença ratificaram compromisso que assumimos há pouco mais de 17 anos – não que estes fossem necessários para tal, afinal tantas outros coisas muito mais legais vivemos juntos até aqui. Mas, com certeza, a presença dela ao meu lado era a melhor das sensações que eu poderia ter em um jogo de futebol em uma fria noite paulistana, véspera do Dia dos Namorados.