Francisco Ita Santiago
Ouvinte-internauta
Ouça o texto ‘Uma égua chamada Nega’ sonorizado por Cláudio Antônio
Nascido em 1933, no Parque São Jorge, Tatuapé, ali na Rua Santo Elias, comecei a trabalhar muito jovem, aos 11 anos, numa loja de móveis. Mas não era exploração de trabalho infantil e, sim, por necessidade. E, também, por vontade pois eu gostava muito do trabalho. Minha função era tomar conta da charrete puxada pela “Nega”, uma égua muito mansa e bonita, enquanto o meu patrão, Seo Henrique, comerciante de origem turca, ia fazer cobranças nas casas dos fregueses.
Certa manhã de verão de 1944, Seo Henrique entrou na casa de uma freguesa, na rua Santa Terezinha, travessa da avenida Celso Garcia e próxima à ferrovia. Fiquei lá um tempão esperando sem ter o que fazer. Na minha inocência de criança, eu só não entendia o motivo da demora do patrão. Mais tarde fui entender…
Já era quase uma hora de espera e nada. Como fazia muito calor e o sol estava forte, resolvi descer da charrete e encostar na parede, onde havia uma sombrinha. Nesse momento, o trem passou e apitou, assustando a égua que saiu em disparada pela avenida Celso Garcia, o que me deixou sem saber o que fazer.
Quando o patrão saiu e não viu a charrete ficou muito zangado me dando uma tremenda bronca. Contudo, não havia muito com que se preocupar, pois Nega sabia bem o caminho da cocheira que ficava a um quilômetro dali, na rua São Felipe. Tive de ir correndo buscá-la e, de fato, lá estava ela, tranquila bebendo água na sombrinha.
Numa outra ocasião, precisávamos atravessar um córrego para chegar a uma casa, porém a égua não queria passar de jeito nenhum. Falei para o Seo Henrique que era melhor ele ir andando, mas como insistia em fazê-la atravessar, ela deu um pinote, derrubando-nos na margem do córrego e sujando todas as nossas roupas, inclusive o terno do patrão que ficou uma “arara” com o pobre animal.
Era uma época difícil, pois o mundo estava em guerra, que só acabaria no ano seguinte, mas para mim que era criança, estava tudo bem. Todo fim de tarde eu levava Nega para a cocheira, ou melhor, ela me levava. Passava buzinando pelo caminho e o pessoal acenava para mim, já que todos me conheciam.
Hoje em dia, continuo caminhando, agora acompanhado pela minha esposa Josefina, pelos mesmos caminhos daquela época, pois ainda moro no mesmo bairro, conheço muita gente e todos continuam acenando quando passo, alguns ainda daquela época.
O Conte Sua História de São Paulo vai ao ar aos sábados, logo após às 10 e meia da manhã, no CBN SP. Você participa enviando seu texto ou arquivo de áudio para contesuahistoria@cbn.com.br