Faz muito tempo que li o livro que George Orwell, seu autor, chamou de “1984”. Foi a última criação literária daquele que o jornal americano Observer considerou “o maior escritor do século XX” e foi publicado em 1949, pouco antes da sua morte. Na sinopse lê-se que “Winston, herói do romance, vive aprisionado na engrenagem totalitária de uma sociedade completamente dominada pelo Estado, onde tudo é feito coletivamente, mas cada qual vive sozinho. Ninguém escapa à vigilância do Grande Irmão, a mais famosa personificação literária de um poder cínico e cruel ao infinito, além de vazio no sentido histórico”.
Fiz esse nariz de cera, pensando no “poder de polícia”. Em sentido amplo, o “poder de polícia” significa toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais. Lembrei-me do livro de George Orwell. Talvez meus raros leitores, se é que os possuo, caso tiveram a oportunidade de ler “1984”, entendam que comparar certas iniciativas do nosso Estado com o que se lê no romance é um tanto exagerado. Não lhes tiro a razão. Ocorre, porém, que existem, pelo menos, alguns motivos para que o “poder de polícia”, existente, hoje, no Brasil, se aproxime do enredo da obra.
Irritou-me, por exemplo, saber que, por decisão do Conselho Nacional de Trânsito, todos os veículos fabricados aqui, até agosto de 2013, terão, entre os seus acessórios obrigatórios,nada mais nada menos que rastreador e bloqueador. Não bastasse isso, que encarecerá o preço final dos veículos, o pior da decisão do CONTRAN está no fato de que a privacidade dos motoristas será invadida, uma vez que um dos sistemas prevê a presença de um chip no para-brisa do carro, capaz de fornecer informações para uma central de dados sempre que o veículo passar pelas antenas colocadas em ruas. Vejam só o que pode provocar o chip bisbilhoteiro: pagamento de pedágio por quilômetro rodado, limitar áreas de circulação (como em São Paulo) e multas quem não as respeitar, traçar políticas viárias. Ah,o chamado Siniav vai flagar quem estiver com o licenciamento vencido.
Tanta tecnologia não prevê, entretanto, ao que eu saiba, melhorias na fiscalização das ruas e rodovias por meio do aumento de efetivo das forças policiais, sejam federais ou estaduais, visando a diminuir o número de acidentes fatais. No Rio Grande do Sul, morreram, até junho, mais de mil pessoas, número igual ao registrado no primeiro semestre de 2011. Somente no fim de semana do Dia dos Pais 25 pessoas perderam a vida em acidentes. Seria interessante que o Governo brasileiro, ao contrário de inventar moda, aumentasse a remuneração do pessoal da Polícia Federal que, na terça-feira, dia em que escrevo este texto, que será lido na quinta, estava disposto a entrar em greve de protesto por melhores salários.