Uma pequena porção de árvores se mantém diante da janela de minha casa, na zona sul de São Paulo. É o que restou de uma rua de terra com muito verde que conheci quando cheguei aqui há 15 anos. Mesmo assim considero-me privilegiado, pois, no quarteirão de trás, a praça bem arborizada promete resistir ao avanço de prédios e casas.
É pouco, sem dúvida. Basta conferir as imagens aéreas feitas em 1958 pelo Departamento de Defesa e sobrepostas as captadas pelo Google, em projeto da empresa Geoportal, para percebermos a quantidade de mata e bosques derrubados nos últimos 50 anos na capital paulista (confira aqui).
A comparação ajuda a entender o que pretendo conversar com você neste artigo: a importância do Código Florestal para o ambiente urbano.
Erroneamente, muitas pessoas – autoridades e formadores de opinião, inclusive – ainda relacionam o texto apenas com a situação da Amazônia, Caatinga ou Pantanal, por exemplo. Há quem desdenhe do debate por imaginar que falamos somente da preservação de florestas – como se isto por si só fosse pouca coisa.
O Código, apesar de batizado Florestal, é, também, Urbano e, desde que surgiu em 1934, impõe regras à ocupação das cidades, pois seu objetivo era controlar o uso dos recursos naturais. Em 1965, o texto modificado definiu as áreas de preservação permanente e assim como oferecia garantias no campo também o fazia no meio urbano.
A lei em vigor prevê que são os Planos Diretores que põem ordem nos municípios, porém estes têm de respeitar os princípios do Código Florestal, conforme destacou o geógrafo Márcio Ackermann, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, em conversa que tivemos nesta semana, no programa CBN SP.
O respeito às áreas de encosta e as várzeas de rios está previsto no Código e fosse levado ao pé da letra talvez não assistíssemos às tragédias de Blumenau, em 1983 e 2008, da Favela da Nova República-SP, em 1989, ou da Região Serrana do RJ, em 2011 – apenas para lembrar algumas das mais chocantes.
Aqueles são terrenos sensíveis à erosão, desabamento e alagamento e precisam ser preservados. Viver neles impõe risco às populações. Somente na cidade de São Paulo existem 407 áreas com estas características de onde parte das famílias terá de ser removida se quisermos impedir novos dramas.
O secretário do Verde e Meio Ambiente do município, Eduardo Jorge, disse ser prioridade a retirada dessas pessoas e a criação de sistemas de segurança e alerta. A preocupação dele de não permitir que a vida do cidadão seja exposta às áreas de risco, porém, aumentou desde que teve acesso ao texto da reforma do Código Florestal que está no Congresso Nacional: “Decidi que ao invés de flexibilizar, vou fiscalizar ainda mais” – falou em debate promovido no CBN SP.
A intervenção do município pode ir além com a adaptação das áreas de preservação ambiental que foram indevidamente ocupadas ao longo da história, como as margens dos rios Pinheiro e Tietê e a Paulista. Sim, a avenida que orgulha paulistanos se enquadra no conceito de APP, é topo de morro.
Lá em cima a água caía e parte dela se infiltrava no solo, ajudando na reposição do aquífero e contendo o volume que iria chegar aos pontos mais baixos da cidade. Coberto de cimento e asfalto, a APP da Paulista perdeu função, a chuva que chega corre pela superfície e desce em alta velocidade sem dar tempo para absorção pelos córregos e rios, facilitando a ocorrência de enchentes.
Colocar abaixo os prédios não é mais solução neste caso. Em lugar de remover, reabilitar as funções, explica Márcio Ackermann. Nas edificações já construídas, exigir caixas de retenção para águas que podem ser liberadas fora do pico da chuva ou reutilizadas seria uma opção. Novas construções na capital paulista já são projetadas para oferecer esta compensação.
Conhecimento e tecnologia não faltam, é preciso lei ou políticas públicas que incentivem esta mudança. Ackermann lembra que as prefeituras oferecem isenção de IPTU para quem tem imóveis prejudicados por enchentes, deveriam conceder benefícios fiscais a quem se compromete a oferecer contrapartida ambiental.
Em Extrema-MG, é o que ocorre com os produtores de leite que estão em nascentes de rio. Se não usarem estas APPs como pasto e conservarem estas áreas, importantes produtoras de água, serão premiados pelos serviços ambientais.
O Código Florestal tem de pautar estas ações, deve impulsionar a construção de uma consciência cidadã e impedir que o avanço sobre as áreas de preservação se acelere, no campo e na cidade. Transformá-lo em uma peça frágil na defesa do meio ambiente é um crime contra a humanidade.