Por Maria Lucia Solla

O que quer dizer politicamente correto? O advérbio que dá qualidade a um adjetivo é um fator excludente na comunicação. Se eu digo que estou fisicamente cansada, excluo o cansaço mental, ou de outro tipo. Descrevo meu cansaço. Agora, correto é correto e pronto. De novo me lembro das coisas que meu pai dizia. Quando alguém comentava que fulano era muito honesto, ele interferia: não existe ninguém muito honesto, nem pouco honesto. Ou você é honesto ou não é.
O governo anterior fez uma tentativa parcialmente fracassada, de uniformizar parte da língua pátria. Ela não vingou legalmente, mas infelizmente de certa forma vingou porque está minando a fala da mídia, que leva a cartilha a sério. O falar e o escrever dos seus funcionários estão banhados nela. Mais grave ainda é o que está acontecendo com a linguagem e as ideias na literatura infanto-juvenil.
Mas você deve lembrar de:
Atirei um pau no ga-to-to
Mas o ga-to-to não mor-reu-reu-reu
Dona Chi-ca-ca ad(i)mirou-se-se
Do ber-ro, do ber-ro que o gato deu.
Miau!
Pois bem, já tem muita gente ensinando as crianças a cantarem:
Não atire o pau no gato-to
Porque is-so-so
Nao se faz-faz-faz
O gatinho-nho
É nosso amigo-go
Não devemos maltratar os animais
Jamais! (em algumas versões você encontra Miau!)
Odeio o politicamente correto. É preconceituoso, totalitário, prepotente e burro. Sou pelo respeito. Essa maneira de tentar amordaçar línguas e mentes, e salientar diferenças em vez de igualdades, me lembra a época do colégio, quando a gente tinha que encapar os livros malditos pelo regime da época.
E por falar nisso tudo, a presidente Dilma foi vaiada ao se referir a presentes na 3ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência como pessoas “portadoras” de deficiência. Foi vaiada pela platéia. Depois se corrigiu dizendo: Desculpa, pessoas com deficiência. Entendo vocês, porque portador não é muito humano, não é? Pessoa é”. E foi aplaudida.
Socorro!
“O politicamente correto é a negação da própria vida,” diz Ilan Brenman no seu livro “A condenação de Emília: O politicamente correto na literatura infantil”, editora Aletria, que nasceu da sua tese de doutorado em Educação, pela USP. Recomendo.
Então começo a treinar. No Rio Grande do Sul brigadeiro é negrinho. Quer dizer que daqui para frente vou ter que pedir, na doceria, um afro-descendentezinho? E você, imagine-se lendo para os pimpolhos, na cama antes de dormirem, A Euro-Caucasiana e os sete verticalmente comprometidos…
… ou não, e até a semana que vem.
Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung