Conte Sua História de SP – 462 anos: o “casarão” do meu amigo Reis

 

Por José Salomão da Silva

 

 

20 de janeiro de 1985, domingo, 10 horas da manhã.

 

Estava eu chegando na rodoviária do Tietê, vindo de Ilhéus, na Bahia. Do lado de fora, uma mão se erguia freneticamente na minha direção, fazendo-me entender que ali se encontrava alguém a me esperar. Era o meu grande amigo Reis, assim como havíamos combinado. Nos cumprimentamos e saímos em direção ao Metrô.

 

Em tom de brincadeira que fiquei sabendo depois, Reis falou:

 

– dá a mão para o trem parar. (e o trem parou)

 

Descemos na estação São Bento. Logo ali no Anhangabaú existia ponto final da CMTC que nós levou até o Largo 13 de Maio, em Santo Amaro, próximo a residência dele. Lá chegando deparei-me com uma grande quantidade de pessoas. Música alta, muito churrasco e todos os tipos de comida nordestina, em todos os cantos da enorme casa. Aí comecei a perceber que meu amigo tinha preparado uma grande festa para minha chegada.

 

E qual grande era a nossa casa? O meu amigo, viu, morava bem!

 

Ficamos ali horas a fio, conversando, bebendo e comendo com todos presentes. O tempo foi se passando até a hora de descansar, dormir. Afinal, foram 32 horas de viagem.

 

Fui na direção do Reis e perguntei:
Qual vai ser o meu quarto? Onde eu vou dormir?

 

Ele apontou na direção de um cubículo e tascou:
A nossa casa é este espaço aqui, ó!

 

Foi neste belo dia ensolarado de janeiro que fiquei sabendo o que era um cortiço, tal qual um dia havia sido descrito por Aluísio Azevedo.

 

José Salomão da Silva é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A narração é de Mílton Jung e a sonorização de Cláudio Antonio. O programa, em homenagem aos 462 anos da cidade, vai ao ar, nesta semana, às 7h15, no Jornal da CBN

Conte Sua História de São Paulo: no cortiço, os melhores dias da minha infância

 

No Conte Sua História de São Paulo, o texto de Mariza Christina, de 60 anos, moradora da Água Funda, que preferiu escrever uma carta à mão em lugar de nos enviar um e-mail, pois assim se sente mais próxima das pessoas:

 

 

Em 1961, eu estava com 7 anos e minha irmã, 5. Meus pais passavam por dificuldades financeiras, não podiam pagar mais o aluguel da casa onde morávamos, no bairro da Ponte Rasa, onde nasci, por isso decidiram que iríamos morar com a minha avó materna até a situação melhorar. Ela morava na Rua da Glória, entre a Rua Conselheiro Furtado e a Rua Lava-pés, bem no centro de São Paulo. Era um terreno longo e estreito com vários quartos. Imagine seis pessoas num quarto 6×3, mais ou menos, era um aperto danado, bem diferente da casa grande e confortável que vivíamos, mas para mim e minha irmã era novidade e nos divertíamos muito.

 

Naquela época era comum quartos como aquele por serem baratos e fáceis de alugar, eram popularmente chamados de ‘cortiços’. E foi nesse quarto tão simples e apertado que passei os melhores dias da minha infância. Moramos lá um ano, mas o suficiente para deixar muitas lembranças.

 

Fiquei encanada quando vi pela primeira vez o bonde, aquele carro grande que andava sobre trilhos carregando pessoas, e fiquei intrigada como elas não se molhavam quando chovia, pois não tinham portas! Será que elas abriram o guarda-chuvas?! Corri para contar à minha avó, tão curiosa e ofegante que mal podia falar. Assim que pude, a enchi de perguntas. Quanto ela me disse que os bondes iriam acabar, pois estavam sendo substituídos por ônibus, fiquei muito triste: eles eram tão bonitos! Às vezes, ficava horas no portão só para vê-lo passar, queria gravar aquela imagem na memória.

 

Todos os dias, as duas horas da tarde, saía uma fornada de pão da padaria que havia em frente a nossa casa, o cheiro era inebriante e tão delicioso que até hoje quando me lembro posso sentir aquele cheirinho maravilhoso. É inesquecível!

 

O Carnaval estava próximo. A ansiedade era grande, eu nunca tinha assistido a um desfile. Ao lado da nossa casa tinha uma lojinha que vendia de tudo; fantasias, plumas, máscaras, adereços, etc … O movimento na loja era enorme, pessoas que entravam e saíam alegres com fantasias que iriam vestir. Meus olhos brilhavam com tantas coisas bonitas e coloridas. Meus pais também iam desfilar e deixaram que eu ajudasse a escolher suas fantasias. Compraram ainda confetes, serpentinas e bisnagas de água, para mim e minha irmã.

 

Ainda não existiam blocos ou escolas de samba, eram cordões. As fantasias simples, sem luxo, porém, muito bonitas e criativas. Os cordões se concentravam na Rua Lava-pés e de lá saíam cantando marchinhas que até hoje são lembradas, subiam a rua da Glória e outras ruas do bairro. Quem não desfilava acompanhava jogando confetes e serpentinas. No ar, exalava um perfume delicioso de lança-perfume. Ao fim do desfile ia-se atrás do cordão preferido.

 

Apesar das dificuldades foram os dias mais felizes das nossas vidas e, com certeza, deixou muitas saudades em todos nós.

 

Mariza Christina é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Conte você também mais um capítulo da nossa cidade. Escreva para milton@cbn.com.br. Ou mande um carta como fez dona Mariza.

Conte Sua História: A noite em que a Mooca entrou na guerra

 

Filha de um imigrante espanhol e uma imigrante italiana, Maria Meneses nasceu em 1939, em um cortiço da Mooca, na rua Tamarataca. Lá moravam nove famílias e no quintal do cortiço se uniam turcos, iugoslavos, russos, romenos, espanhóis, portugueses e italianos. No texto publicado no livro Conte Sua História de São Paulo (editora Globo), ela escreve sobre um fato curioso ocorrido no bairro na época da Segunda Guerra Mundial:

 

Ouça o Conte Sua História de São Paulo escrito por Maria Meneses e sonorizado pelo Cláudio Antônio.

 

O Conte Sua História de São Paulo vai ao ar aos sábados, logo após às dez e meia da manhã. Você pode participar do programa escrevendo seu texto para milton@cbn.com.br ou marcando uma entrevista, em aúdio e vídeo, no Museu da Pessoa.