Decoro parlamentar exige voto aberto

 

Por Antonio Augusto Mayer dos Santos

O Estado Brasileiro é uma democracia cuja regra essencial para as atividades públicas é a transparência. Isto consubstancia dever de obediência a um princípio constitucional. Aqueles que se encontram na condição de mandatários tem não o direito mas a obrigação de prestar contas de suas atividades, eis que a parcela de poder que exercem decorre de uma vontade popular.

O Congressista acusado em processo por quebra de decoro parlamentar usufrui de amplas garantias processuais em matéria de defesa. Pode apresentá-la por escrito, acompanhada de documentos, através de advogado, há uma instrução. Somente após este procedimento é que o feito disciplinar vai a julgamento, precedido da exposição oral dos argumentos perante os demais parlamentares.

Este julgamento deve ser público por lógicas razões. Primeiramente, porque o parlamentar é escolhido pelo voto direto e secreto. Depois, que a sua atividade é pública e exercida em nome e em função da sociedade. Tanto que embora eleito por um Estado, ele integra o Legislativo Federal e vota em igualdade de condições com os demais integrantes da sua Casa Legislativa. Por fim, algo irrefutável: os julgamentos são televisionados pelas emissoras do Congresso Nacional, o que os torna insuscetíveis de fraude, escamote ou manipulação.

Para os casos de perda de mandato é inconcebível que o seu julgamento seja secreto apenas porque envolve um dos seus. Assegurada ampla defesa e contraditório ao acusado, o Congressista deve avaliar o conjunto de provas e votar publicamente de acordo com a sua convicção.

O eleitor está saturado de corporativismos viperinos e desconfia de um sistema onde os fatos são de domínio público mas o julgamento é confinado ao segredo.

Este tema é relevante, seja pela sucessão de episódios desta natureza, seja porque a conseqüência imediata da cassação é a inelegibilidade do cassado. Afinal, se tudo é público, nada ampara o sistema vigente, em descrédito e rechaçado. Conforme ponderação do combativo senador paranaense Álvaro Dias,“O voto secreto impede qualquer possibilidade de avaliação sobre o comportamento das pessoas. É por isso que o voto secreto é condenável quando se trata de julgamento de natureza ética. É possível que se crie constrangimento, mas a população tem o direito de fiscalizar o seu representante. O atual sistema de votação para a cassação do mandato de um parlamentar subtrai esse direito da população ao manter o voto secreto”.

Em função da sua importância, algumas considerações sobre esta PEC 50/2006 são necessárias. Primeiro, que a sua redação refere “voto ostensivo”, o que a meu sentir, não significa o mesmo que direto. Somente a PEC 86/2007 consigna “voto aberto”. Portanto, a regra não está a salvo de eventuais interpretações casuísticas e corporativistas. Depois, a mesma não determinou esta publicidade aos parlamentos estaduais e municipais. Por fim, a sua longa tramitação legislativa e o fato de estar engessada desde o ano passado evidenciam o desinteresse do Senado em apreciá-la.

A PEC traduz algum avanço mas tem conotações acacianas. O eleitor descrente, apático e que sequer sabe o endereço eletrônico do Senado Federal, nenhuma postura crítica assume: não debate, não envia cartas nem e-mails aos Congressistas. Criticar na frente da televisão não vale e não resolve nada.

No próximo dia 8 de novembro, a partir das 18hs, estarei na Feira do Livro de Porto Alegre lançando a obra Vereança e Câmaras Municipais – aspectos legais e constitucionais, pela Editora Verbo Jurídico. O trabalho aborda temas de interesse público como o número de vereadores para as eleições de 2012, quebra de decoro parlamentar, eleição da mesa diretora, hipóteses de perda de mandato e questões eleitorais, dentre outros.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.

Reeleição e falta de decoro

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

Pedidos de cassação de parlamentares envolvidos em escândalos na legislatura anterior podem resultar na extinção dos seus novos mandatos se eles foram reeleitos. Ao menos sob o prisma jurídico. Conforme interpretação do Supremo Tribunal Federal na matéria, a reeleição do parlamentar possibilita a retomada da tramitação do processo no ponto em que parou. Entretanto, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, ao início da legislatura anterior, negou a reabertura de processos de cassação contra três deputados acusados de envolvimento nos escândalos do mensalão e dos sanguessugas que haviam sido então reeleitos.

Porém, é bom lembrar, o entendimento do STF traz um conteúdo lógico de singela compreensão: se a representação popular foi confirmada ao mandatário pelo eleitor, o fato não sofre prescrição ou tampouco desaparece. Isto se chama “princípio da unidade da legislatura”. Dois julgados daquela Corte admitiram a continuidade dos processos de cassação por quebra de decoro. Segundo ambos, diante do princípio da moralidade dos mandatos, o fim da legislatura cessa apenas os assuntos relativos ao processo legislativo (apresentação, arquivamento de projetos, etc), sem implicações no impedimento de formalização de denúncias e tramitação de processos de responsabilização política por fatos ocorridos no mandato anterior.

O seguinte trecho de um voto proferido pelo Ministro Celso de Mello expõe didaticamente a compreensão do STF sobre este importante assunto: “(…) o princípio da unidade de legislatura não representa obstáculo constitucional a que as Casas legislativas venham, ainda que por fatos anteriores à legislatura em curso, a instaurar – contra quem já era titular de mandato na legislatura precedente – procedimento de caráter político-administrativo, destinado a viabilizar a decretação da perda do mandato, por fato atentatório ao decoro parlamentar, cometido por quem então se achava investido na condição de membro de qualquer das Casas do Congresso Nacional (…)”.

Portanto, o STF enfatiza que a prática de atos relacionados ao decoro é suficiente para a continuidade da acusação no mandato renovado. Por outras palavras: a questão já foi interpretada e a impunidade afastada. A decisão agora é política e passa pela superação do corporativismo nocivo.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.

Parlamentares reeleitos não se livram de denúncias

 

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

Os pedidos de cassações dos parlamentares estaduais e federais envolvidos em escândalos nesta legislatura que finda logo a seguir, podem resultar na extinção dos seus novos mandatos na posterior. Não basta alegar que aquela passou. Conforme interpretação do Supremo Tribunal Federal, a reeleição possibilita a retomada da tramitação do processo no ponto em que o mesmo estacionou.

É verdade que os Conselhos de Ética da Câmara dos Deputados e de Assembléias Legislativas podem rejeitar politicamente a reabertura dos processos contra deputados federais e estaduais acusados.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal é o de que se a representação popular do suspeito ou acusado foi confirmada pelo povo nas urnas, o fato que determinou as providências no Legislativo não sofre prescrição ou desaparece. Isto se chama “princípio da unidade da legislatura”.

Dois julgamentos do STF admitiram a continuidade dos processos de cassação por quebra de decoro. Segundo ambos, diante da exigência de moralidade nos mandatos, o fim da legislatura determina apenas o encerramento dos assuntos relativos ao processo legislativo (arquivamento de projetos, etc), sem implicações no impedimento de formalização de denúncias e tramitação de processos de responsabilização política por fatos ocorridos no mandato anterior.

O seguinte trecho de um voto proferido pelo Ministro Celso de Mello expõe didaticamente a compreensão do Supremo sobre este assunto:

(…) o princípio da unidade de legislatura não representa obstáculo constitucional a que as Casas legislativas venham, ainda que por fatos anteriores à legislatura em curso, a instaurar – contra quem já era titular de mandato na legislatura precedente – procedimento de caráter político-administrativo, destinado a viabilizar a decretação da perda do mandato, por fato atentatório ao decoro parlamentar, cometido por quem então se achava investido na condição de membro de qualquer das Casas do Congresso Nacional (…).

Portanto, a posição consolidada no STF é clara no sentido de que a reeleição do parlamentar garante a continuidade da acusação.

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor do livro “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Às segundas, escreve no Blog do Mílton Jung.