
Acordar às 4h15 da manhã para trabalhar faz parte da minha rotina. Nada a reclamar! Considero-me um privilegiado. Levanto-me ainda na madrugada, de bem com a vida, para fazer o melhor que poderia desejar no trabalho que escolhi. Ao longo da carreira profissional, enfrentei horários ainda mais estranhos. Quando cheguei em São Paulo, em 1991, meu expediente começava à meia-noite. Mesmo que isso tenha acarretado alguns desgastes físicos e emocionais – e até um acidente de carro -, sobrevivi.
Apesar do horário em que acordo, vou para a cama mais tarde do que o recomendável, causando preocupação na família e espanto nos amigos. À medida que os anos passam – e já se foram 60 – presto cada vez mais atenção à necessidade de melhorar a qualidade do meu sono, um dos pilares de uma vida saudável, ao lado da alimentação, da atividade física e da saúde mental.
Minha curiosidade se intensificou ao saber que Cristiano Ronaldo, figura que dispensa apresentações, adota uma estratégia de sono que inclui dormir cinco vezes ao dia, por uma hora e meia — ao menos é o que li na manchete de um site. A imprecisão das notícias a respeito dos méritos do futebolista português sugeriu que, além das oito horas de sono noturno – consideradas ideais pela maioria dos especialistas – ele também fazia estas sestas durante o dia. Essa informação pareceu desencontrada, a conta não fechava, especialmente ao considerar os compromissos profissionais do craque.
Na realidade, Cristiano Ronaldo segue a “dieta do sono” de Nick Littlehales, um ex-jogador de golfe britânico que dedicou seus estudos a entender como podemos dormir com mais qualidade. Como principal “treinador do sono” de figuras notáveis do esporte, desde o ciclismo até o futebol, da NBA à NFL, Littlehales aplicou seus estudos em equipes como Manchester e Liverpool, bem como no British Cycling e no Team Sky. Ele é enfático ao desmentir o mito de que “dormir oito horas por noite” é essencial, uma ideia que tem tirado o sono de muitas pessoas, inclusive eu.
Interessante notar que o treinador não nega a necessidade de descansarmos cerca de um terço do dia. Contudo, está ciente de que manter um sono contínuo de oito horas é praticamente impossível. Obrigado, Nick!
Nesta semana, concluí a leitura de “Sono, mude seu modo de dormir em 90 minutos”, de Nick Littlehales, lançado no Brasil pela editora Rocco. O livro se mostrou providencial, não só pela minha crescente preocupação com o tema, mas também por coincidir com a Semana do Sono, que se celebra até o dia 17 de março, domingo. A obra esclareceu as notícias desencontradas sobre o hábito de sono de Cristiano Ronaldo e me fez repensar minha própria rotina de descanso.
Alerto, no entanto, que antes de você se arriscar por qualquer fórmula que possa lhe fazer dormir melhor, é fundamental que procure um médico de confiança e especialista no assunto e discuta a melhor estratégia, considerando sua rotina e necessidades.
Littlehales enfatiza a importância de respeitarmos o ciclo natural de 90 minutos do sono, crucial para não interrompermos as distintas fases pelas quais passamos enquanto dormimos. Ele sugere que, em 24 horas, devemos completar de quatro a cinco desses ciclos, sejam eles contínuos ou fragmentados, tal como Cristiano Ronaldo aparentemente pratica.
Contrariando a opinião da maioria dos especialistas, Littlehales vê a possibilidade de recuperarmos o sono perdido. Ele propõe que, se não conseguirmos completar os cinco ciclos de sono em um dia, tentemos alcançar 35 ciclos em uma semana. Porém, destaca: se dormimos mal durante a semana, não basta simplesmente prolongar o sono nos fins de semana.
O autor aconselha que definamos um horário para acordar e o sigamos religiosamente. Com base nisso, calculamos o total de sono necessário. Se planejamos acordar às 6h30, o momento de dormir deve ser escolhido para não interromper um ciclo de sono de 90 minutos, podendo ser às 21h30, 23h, 0h30, 2h, 3h30 ou 5h.
Na visão do ‘coach do sono’, descansar vai além de dormir. Integrar períodos de recuperação controlada (CRP), que durem 30 minutos, pode ser extremamente benéfico. Práticas como meditação, relaxamento e música são algumas das formas de CRP sugeridas por Littlehales.
A posição ao dormir também é crucial. Preferencialmente, devemos dormir de lado, com o braço predominante para baixo e os joelhos levemente dobrados, numa posição que remeta à fetal. Isso porque o cérebro se sente mais protegido e propenso ao relaxamento.
Antes de ir para a cama, é importante ‘descarregar’ o dia e se desconectar do celular, evitando distrações que possam impedir o sono. Dormir em um ambiente totalmente escuro, sem as luzes stand-by de eletrônicos, e manter o quarto em uma temperatura mais baixa do que o resto da casa são práticas recomendadas. Trocar as roupas de cama com frequência e considerar dormir sozinho para evitar perturbações mútuas também fazem parte das sugestões de Littlehales.
Refletindo sobre as orientações de Littlehales e aplicando-as à minha experiência, percebo que buscar um sono de qualidade transcende o âmbito pessoal, tocando numa necessidade coletiva. Nosso mundo valoriza a ocupação constante, muitas vezes em detrimento do descanso necessário. Porém, ao adotarmos uma abordagem mais consciente e adaptada ao sono, não beneficiamos apenas a nós mesmos, mas também fomentamos uma mudança cultural que reconhece e valoriza o descanso como um pilar fundamental para uma vida saudável e produtiva. Ao compartilhar nossas descobertas e práticas, podemos inspirar outros a repensar suas rotinas de sono, contribuindo para uma sociedade mais descansada, saudável e eficiente. Pensamento que se conecta com o tema central da Semana do Sono, promovida pela Sociedade Brasileira do Sono e entidades parceiras: “oportunidade de sono a todos para saúde global”.
