Por Maria Lucia Solla
Ouça “De diferença” na voz e sonorizado pela autora

não somos todos iguais
a gente só sente
a sede da gente
a sede do outro
é indecente
O que a gente quer, do primeiro ao último dia de vida, é matar a sede e a fome; cada um a sua.
tem o que sai afoito atrás de qualquer tigela
qualquer cálice qualquer panela
e tem o que nem se atreve a cogitar
da própria sede aplacar
Tem o redondo, o quadrado, o triangular, o hexagonal e quantas forem as possibilidades de forma e receita, na prateleira do universo e do seu inverso, que cantamos e choramos em prosa e verso.
tem o agitado e o modorrento
o que corre pelo prado
e o que voa
no impulso do vento
E é aí que nós vivemos, tentando encontrar a nossa turma, a mais parecida e a mais diferente possível pra preencher a fome lícita e aquela proibida.
E na sofreguidão, morremos de inanição. Temos fome, temos sede e fazemos dieta de tudo. Que ironia. Uma regra nova a cada dia.
Um brinde ao fim da tirania do bom, do belo, do bem-estar, do vintém, do que não convém, da atenção e da falta dela. Abaixo as listas de bem-ou-mal isto e bem-ou-mal aquilo. Morte às listas de isso é brega e aquilo é chique. Tem coisa mais brega?!
Eu às vezes me desidrato; outras me afogo, mas cá ou lá, brilhando ou opaca, respostas não tenho; nem chego perto. Quando me aproximo de uma, saio correndo feito o diabo da cruz, e me entrego à incerteza, que é vizinha da loucura, da arte e da beleza.
incerteza abre espaço
pra possibilidade
que nos embarca nas asas da fantasia
transformando em realidade
o que antes era massa de sonho
E é onde quero estar, dia após dia, dos abrires aos fechares dos meus olhos,
ficar contente
despir no palco da vida
o personagem carente
será que não dá pra notar
que ser
é a única maneira de doar
Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expresão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung,