Por Maria Lucia Solla
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Estou sempre em ebulição. Dentro de mim, ora espoucam fogos de artifício, ora pedras. Pode haver choro, riso, gemido de dor, congratulação, lagosta e champanhe, salame e tubaína; tem esperança e desesperança, compreensão e o seu inverso, mas é sempre festa; não sei o que é tédio. Isso é parte do que sou, e nessa parte eu não saberia ser diferente, nem que quisesse.
Dá uma trabalheira danada viver assim, mas esse tipo de coisa a gente não escolhe; vem de fábrica, feito carro. Um Fusca, por exemplo, não tem a imponência de um Volvo, e um Volvo jamais terá o charme divertido de um Fusca; sem contar que um nunca terá a oportunidade de experimentar o que é ser o outro.
Dito assim parece óbvio, mas não é. Esse é, na verdade, o caroço do angu, o marco zero dos problemas, pelo fato de não termos aceitado, entendido e assimilado a realidade. Vivemos exigindo que o outro se comporte segundo regras da cartilha que adotamos, que reaja como esperamos que reaja, segundo regras da nossa emoção, e que perceba a vida como nós a percebemos.
Impossível!
Somos receitas exclusivas. Não existem dois de você e nem existem duas de mim. Somos únicos, mas vivemos reclamando, porque o outro não se ajusta à nossa medida, peso e valor. Então passamos uma parte preciosa da vida focados em inútil e surreal tarefa: tentando colocar o triângulo no círculo, e o quadrado no retângulo. E pensar que é um dos primeiros brinquedos que recebemos de nossos pais, damos para os nossos filhos, que dão aos seus.
Somos separados dos nossos brinquedos de criança, e, neles ficam aprisionados muitos de nossos castelos e sonhos. Somos levados a acreditar que é preciso deixar essas coisas-de-criança para lá, e que seus vestígios devem ser bem apagados, e usamos “criancice” como termo pejorativo. Assim, confundimos maturidade com sisudez, responsabilidade com ausência de prazer.
Vivo passando a limpo meus valores, pesos e medidas, e sorrio quando me vem a lembrança da língua de Einstein que gritava, sem quebrar o silêncio: tudo é relativo! E entendo que nenhum de nós é superlativo quando desdenha a diferença que lhe serve de alimento.
Quero viver cada dia mais festa, rir, chorar, maquiar meus sentimentos no limite possível, quando não for possível mostrá-los nus; quero calibrar meu equilíbrio entre o freio do Fusca e o freio do Volvo, Quero sonhar, ser e constantemente aprender a ser, banhada pela possibilidade ofertada pela diversidade. Quero ser plena, no grito e no silêncio, na dor e no amor.
E você? Pense nisso, ou não, e até a semana que vem.
Mara Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira, realiza curso de comunicação e expressão, e escreve no Blog do Mílton Jung, aos domingos.
