Em lugar de “lacração”, UNICEF propõe que candidatos se comprometam com cinco prioridades em defesa de crianças e adolescentes

Foto: Unicef

O UNICEF fez um apelo crucial aos candidatos e candidatas das eleições municipais de 2024, pedindo um compromisso com os direitos das crianças e adolescentes, enfatizando a necessidade de políticas públicas que garantam proteção, desenvolvimento e bem-estar para as novas gerações. Essa iniciativa, respaldada pelos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aponta cinco prioridades essenciais que devem ser incorporadas nos planos de governo dos futuros gestores municipais.

Quem me alertou para a importância desta ação do Fundo das Nações Unidas pela Infância foi Cezar Miola, vice-presidente da Atricon, que reúne os tribunais de conta do país. Sempre atento às questões relacionadas à educação, Miola destacou a importância desse chamamento do Unicef ao afirmar que, “esses compromissos, se vertidos em ações materiais, serão transformadores para o país”. 

Miola ressalta que não apenas os candidatos às prefeituras devem adotar essas causas, mas também aqueles que concorrem às Câmaras Municipais. “Ali serão votadas as matérias e decididos os orçamentos capazes de garantir que as propostas se concretizem,” destacou o conselheiro do TCE-RS, apontando para a necessidade de uma gestão pública comprometida e eficaz na defesa dos direitos das crianças e adolescentes.

Apesar de a clara preocupação de candidatos, neste momento, ser a “lacração” — o exercício de encontrar um jeito de viralizar com suas opiniões e comportamentos nas redes sociais —, o cidadão pode impulsionar propostas como a do UNICEF. Minha sugestão é que o eleitor cobre dos candidatos a prefeito e a vereador que assinem esse compromisso e incluam em seus planos de governos as cinco prioridades apresentadas pelo UNICEF.

Conheça as prioridades para crianças e adolescentes

Entre as prioridades, a proteção contra a violência ocupa um lugar central, devido ao preocupante número de mais de 15 mil mortes violentas de crianças e adolescentes entre 2021 e 2023. O UNICEF pede ações concretas para prevenir, identificar e acompanhar casos de violência, garantindo um ambiente seguro para todos os meninos e meninas.

A segunda prioridade é a resiliência climática, uma resposta urgente à exposição de 40 milhões de crianças e adolescentes a riscos ambientais, como enchentes, secas e ondas de calor. O UNICEF enfatiza a necessidade de estratégias municipais para mitigar esses riscos e proteger a saúde e o desenvolvimento das novas gerações.

Educação é a terceira prioridade, essencial para que as crianças não apenas acessem a escola, mas permaneçam nela e aprendam com qualidade. Em 2023, 44% das crianças brasileiras não estavam alfabetizadas na idade esperada. O UNICEF destaca a importância de investimentos que garantam um ensino de qualidade, especialmente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental.

A quarta prioridade é a saúde e nutrição, com foco em promover a imunização universal e combater a má nutrição desde a primeira infância. Dados de 2023 revelam que mais de 100 mil crianças no Brasil não receberam as vacinas básicas contra difteria, tétano e coqueluche, evidenciando a urgência de políticas públicas de saúde.

Por fim, o UNICEF pede que se priorize a proteção social para os mais vulneráveis, enfrentando a pobreza multidimensional que afeta 60,3% das crianças no país. Políticas públicas de proteção e assistência social, focadas nas necessidades das crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, são fundamentais para garantir seus direitos e promover uma sociedade mais justa e igualitária.

Esses compromissos devem ser assumidos já durante a campanha eleitoral, para que, uma vez eleitos, os futuros gestores possam garantir a concretização dessas prioridades em políticas públicas e investimentos. Como observou Miola, além dos prefeitos, os vereadores têm um papel crucial nesse processo, pois é no âmbito legislativo que as decisões sobre orçamentos e políticas serão feitas. 

O chamado do UNICEF é, portanto, um apelo não apenas aos candidatos, mas a toda a sociedade, para que esses direitos sejam uma realidade tangível na vida de milhões de crianças e adolescentes em todo o Brasil.

Minirreforma eleitoral, coisa nenhuma, é reforma, mesmo!

 

Por Antonio Augusto Mayer dos Santos

 

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A modificação de mais de meia centena de dispositivos em três normas importantes não pode ser apelidada de minirreforma. Nem de brincadeira. Segundo o léxico, mini é aquilo que é pequeno ou menor. No caso, as recentíssimas alterações promovidas pelo Congresso Nacional às Leis Federais nºs 9.504/96 (Eleitoral), 9.096/95 (Partidária) e 4.737/65 (mais conhecida como Código Eleitoral) foram expressivas e refletirão imediatamente no pleito municipal de 2016.

 

Para melhor situar o contexto, convém recordar que mesmo tendo sido editada em 1997, portanto há pouco menos de duas décadas, a Lei Eleitoral brasileira já havia sido alterada três vezes. Em 2006, no vácuo da CPI do Mensalão, a Lei nº 11.300 proibiu a distribuição dos brindes de campanha, showmícios e outdoors. Três anos depois, a Lei nº 12.034 determinou que as cotas de gênero são obrigatórias e não mais facultativas. Também ficou estabelecida a exigência de apresentação pelos candidatos a presidente, governador e prefeito de suas propostas de campanha, a possibilidade de candidatos sem registro fazer campanha eleitoral em pé de igualdade com os demais, e uma série de aperfeiçoamentos técnico-jurídicos. Em dezembro de 2013, a Lei nº 12.891 (não aplicada no pleito de 2014) incrementou as exigências relativamente às pesquisas eleitorais, dilatou as possibilidades de pré-campanha, restringiu as pinturas e adesivos nos veículos e limitou as contratações de pessoal para campanhas, sobretudo de rua, entre outras providências.

 

Evidentemente que alterações em profusão ou larga escala impedem que entendimentos e estudos em torno de um determinado item ou conduta se estabilizem. Contudo, ajustes e adequações são inerentes numa matéria desta natureza, especialmente para oxigenar os textos legais, banir regras obsoletas e torná-las compatíveis à realidade.

 

Vejamos algumas mudanças que foram votadas.

 

Janela partidária – Por 323 votos a 115, o destaque do PSB ao Projeto de Lei nº 5.735/13 incluiu no texto da Lei Eleitoral a possibilidade de desfiliação, sem perda de mandato, numa janela de até 30 dias antes do fim do prazo de filiação exigido para as candidaturas. Esse permissivo, salvo a declaração de sua inconstitucionalidade, contempla todos os parlamentares em exercício (deputados e vereadores), já que titulares do Poder Executivo (presidente, governador, prefeito e vices) e senadores haviam sido acertadamente liberados pelo Supremo Tribunal Federal por meio de uma decisão tomada à unanimidade.

 

É importante que a legislação eleitoral de um país que se jacta democrático contemple um mecanismo como esse. Afinal, muitas vezes existe uma tensão insuperável entre filiado e partido, tenha aquele mandato ou não. Evidentemente que não se quer estimular o fisiologismo. Todavia, os partidos políticos muitas vezes tornam as situações de convivência insuportáveis, impedindo mandatários de exercer os seus mandatos. Nesse sentido, autorizar que o mandatário deixe a legenda a poucos meses de uma nova eleição é bastante razoável. O eleitor que julgue tal conduta. É assim em diversas outras legislações.

 

Prazo de filiação – Uma votação de 290 votos contra 157 reestabeleceu que a filiação partidária não mais será de um ano e sim de 6 meses, ou seja, a mesma que é aplicada para os magistrados que se filiam para concorrer após a aposentadoria. Essa regra vigorou anteriormente, sem maiores problemas.

 

Propaganda eleitoral – A propaganda eleitoral pelos candidatos e partidos somente será permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição. O prazo anterior referia 6 de julho. A intenção é baratear as campanhas eleitorais. O horário eleitoral de rádio e televisão passa a ser de 35 dias. Projetos preconizam sua redução para 15, o que seria o mais adequado diante dos escassos índices de audiência que apresentam.

 

Efeito suspensivo – Os candidatos cassados pela Justiça Eleitoral exercerão os seus mandatos eletivos até a decisão definitiva. Trata-se de uma importante inovação revogando o texto ilegítimo e superado do Código Eleitoral de 1965.

 

Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor dos livros “Prefeitos de Porto Alegre – Cotidiano e Administração da Capital Gaúcha entre 1889 e 2012” (Editora Verbo Jurídico), “Vereança e Câmaras Municipais – questões legais e constitucionais” (Editora Verbo Jurídico) e “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Escreve no Blog do Mílton Jung.

Lei que proíbe prisão antes da eleição está ultrapassada

 

Por Antonio Augusto Mayer dos Santos

 

A vedação de prisão de eleitores nos períodos imediatamente antecedentes e seguintes à realização dos pleitos, descontadas as exceções previstas, vigora desde o Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932.

 

O texto em vigor estabelece o seguinte: “Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto”.

 

Esta redação legal, mantida praticamente inalterada ao longo de mais de oito décadas, esgotou-se. Não poderia ser diferente em relação a um instituto jurídico que remonta ao nefasto período do Estado Novo. Entre os segmentos de juristas e estudiosos, predomina o entendimento de que a interpretação literal do artigo 236 do Código Eleitoral colide com o direito de segurança pública guindado a patamares constitucionais pela Carta de 1988.

 

Como era de se imaginar, o Brasil tem eleições periódicas, passou de país agrário a urbano e a sua população superou os 200 milhões de habitantes. Contudo, este cenário implicou numa violência crescente e acompanhada de índices de criminalidade alarmantes. Delitos e criminosos não cessam mas gozam de uma tolerância legal absolutamente estarrecedora.

 

É diante dessa dura realidade que a regra eleitoral se mostra anacrônica ao restringir, senão obstruir, o trabalho de policiais, tribunais, promotores e juízes, além de reforçar a sensação de impunidade. Sua redação é lírica diante do cenário de guerra urbana que conflagra o cotidiano nacional.

 

O texto vigente exige alargamento para incluir outras hipóteses de prisão e adequação à realidade, ou seja, ao direito de segurança pública estabelecido em nome e em função da coletividade. Se as diversas proposições legislativas visando alterá-lo criam bolor no Congresso Nacional, que os integrantes da próxima legislatura tenham o bom-senso de votá-las. Afinal, “vivemos, atualmente, um período de normalidade político-institucional, com ampla liberdade de imprensa e com significativa participação popular, de sorte que não há mais espaço para normas dessa natureza”, sintetizou o bem fundamentado Projeto de Lei nº 5.005/13.

 


Antônio Augusto Mayer dos Santos é advogado especialista em direito eleitoral, professor e autor dos livros “Prefeitos de Porto Alegre – Cotidiano e Administração da Capital Gaúcha entre 1889 e 2012” (Editora Verbo Jurídico), “Vereança e Câmaras Municipais – questões legais e constitucionais” (Editora Verbo Jurídico) e “Reforma Política – inércia e controvérsias” (Editora Age). Escreve no Blog do Mílton Jung.