A pressão das montadoras e o desenvolvimento do “ônibus limpo”

 

Em mais uma parte da entrevista com a executiva da Eletra, Ieda maria Alves de Oliveira, a reportagem traça as barreiras corporativas para o desenvolvimento de tecnologia limpa e a perspectiva de crescimento deste setor.

Primeiro ônibus elétrico híbrido

Por Adamo Bazani

“As grandes montadoras internacionais impedem suas filiais de desenvolver tecnologias limpas para ônibus antes de suas matrizes”. Seja por questões culturais ou prioridade de investimentos é o que acontece no mercado, segundo a gerente geral da Eletra, Ieda Maria Alves de Oliveira. Resultado deste comportamento é o desperdício de oportunidade de crescimento do Brasil. Aqui, há profissionais capacitados em condições de desenvolver projetos de tecnologia limpa, conta a representante de uma das companhias nacionais com maior capacidade no setor.

“As montadoras não colaboram com quem produz sistemas de tração limpa. Não há uma política de compensação de preços. Por exemplo, para embarcar num ônibus o motor e a tração elétrica e híbrida, compramos chassis praticamente pelados. Dispensamos o motor e também a transmissão (o câmbio e o equipamento de embreagem). Isso reduz em até 40% o valor do chassi, mesmo assim, temos desconto de apenas 5% a 10%. E não há nenhuma atitude do poder público para compensar isso”.

Assim, em vez de os chassis se adaptarem à alta tecnologia de tração, o que seria bem mais fácil e mais barato, são as empresas de tecnologia que têm de se adaptar aos chassis nacionais. Para isso, é investido um montante muito grande para alterar motores, sistemas de geração e funcionamento dos ônibus limpos.
“Temos de alterar potência de motor, número de componentes, baterias armazenadoras, equipamentos eletrônicos. Se houvesse essa sinergia, sairia mais barato para todo o mundo”. – explica.

Ieda conta que hoje não existe um chassi específico para trólebus no Brasil. É necessário pegar um ônibus convencional e adaptá-lo, seguindo suas normas técnicas e limites. Esse também é um dos motivos de um trólebus com baterias armazenadora fabricado no Brasil não ser usado aqui e operar na Nova Zelândia. Com a bateria, o trólebus ficaria mais pesado e necessitaria de um chassi mais reforçado, com um eixo mais forte, o que não existe no Brasil para este tipo de aplicação.

“A Nova Zelândia, que se beneficia das baterias que dão autonomia aos trólebus brasileiros que operam lá, não precisou fazer um super chassi. Eles apenas colocaram um eixo traseiro a mais, deixando o ônibus trucado. Um aumento de custo irrisório frente ao benefício de eficiência energética gerado por este sistema de baterias” – garante José Antônio do Nascimento, também da Eletra.

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Falta de visão prejudica tecnologia limpa, no transporte

 

Executiva da Eletra avalia os investimentos no sistema de ônibus e aponta equívocos nas políticas públicas de transporte de passageiros em entrevista exclusiva ao “Ponto de Ônibus”

Trólebus Caio Millenium II - Mercedez Benz/Eletra

Por Adamo Bazani

O Brasil erra e erra feio quando o assunto é política de transportes. A opinião é da gerente geral da Eletra, Ieda Maria Alves de Oliveira, companhia nacional especializada em fabricação de ônibus com tecnologia limpa. Para ela, há uma visão imediatista num setor que necessita de soluções emergenciais, é verdade, mas também de planejamento para que o serviço alcance níveis de excelência, economia e velocidade, além de benefícios ambientais.

“Hoje houve uma mudança de comportamento da sociedade. A questão ambiental, antes esquecida, agora é uma cobrança e as autoridades devem corresponder a isso. Os gastos com poluição são enormes e a queda de qualidade de vida é notória. Assim, na hora de optar por um sistema convencional e de tecnologia limpa, não basta ver qual é o simplesmente mais barato, mas o mais vantajoso. O dinheiro que se gasta na adoção de um sistema de trólebus ou de ônibus híbrido, retorna através de gastos menores no sistema de saúde, economia operacional maior e vida útil mais longa dos veículos”

Ieda disse ter visto exemplos claros de como a aplicação em tecnologias poluentes tem impacto não apenas ambientais, mas na estrutura das economias locais, também.

“Um dos casos que mais me chamaram a atenção foi no corredor da Avenida Santo Amaro (zona Sul da Capital Paulista). Há alguns anos, foi retirada toda a rede de trólebus e as operações começaram a ser somente com veículos a diesel. Muitos estabelecimentos comerciais que mexiam com alimento, simplesmente fecharam suas portas. Com o número maior de veículos a diesel, as pessoas não suportavam se alimentar com tanta fumaça e calor no ar. Os comércios que vendiam roupas também foram prejudicados. Donos de lojas de roupas me disseram pessoalmente que não davam conta de limpar os produtos. Passava um pano, um espanador, uma hora depois estava empoeirado. Assim, tecnologia limpa em relação a transporte público, não é somente um papo de ambientalista. Representa qualidade de vida e melhoria econômica”

A gerente da empresa afirma, no entanto, que a questão ambiental é grave, mas não tem sido vista de maneira séria pelo poder público.

“Um veículo a diesel produz por litro de combustível consumido aproximadamente 2,7 kg de carbono que são jogados na atmosfera. Isso tudo vai para o pulmão das pessoas. E nesse caso, a poluição é democrática. Ela atinge tanto o rico, dentro de seu carro, proporcionalmente mais poluidor que o ônibus diesel, como o pobre. Agora, vamos fazer a conta, se um ônibus convencional urbano roda cerca de 6 mil quilômetros por mês, e o consumo de diesel é de cerca de 1,8 km por litro, imagine quanto carbono é lançado na atmosfera. Por isso, as medidas devem ser levadas a sério, o que não acontece.

A qualidade do diesel produzido no Brasil é um exemplo disso:

“Atualmente, os motores têm de seguir o Padrão Euro III, com menos emissões. Mas nosso diesel, em todo o País, não é de qualidade. O que adianta termos motores bons com combustível ruim. É só olhar para o escapamento de um ônibus novo. Perceba a fumaça que ele solta. Nunca que este veículo está seguindo os padrões mais modernos. O que acontece, no meio ambiente e no transporte, é que se pratica a política do faz de conta. Trazem à população uma informação, uma ilusão, mas a realidade da rua, de quem respira o ar das grandes cidades, é totalmente diferente”.

Ieda Maria Alves de Oliviera ao lado do colega José Antônio do Nascimento, da Eletra

Nem a forma de concessão para explorar o serviço de transporte, escapa do olhar crítico de Ieda Maria Alves de Oliveira:

“A maioria dos contratos se dá de forma emergencial e é dado pouco prazo de concessão para o operador. Sem a certeza de que vai continuar em determinado mercado por um bom tempo, o dono de empresa de ônibus não vai investir num veículo como o trólebus, que pode durar até 30 anos, mas é mais caro. E se no final do contrato ele não consegue renovação? O que ele vai fazer com um veículo que ainda vai durar um bom tempo, mas não tem mercado de revenda? Assim, contratos por períodos curtos, de sete, dez anos, não dão estabilidade para investimentos maiores” .

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