Conte Sua História de São Paulo: vistas e memórias do Minhocão

Profª.Dra. Deborah Hornblas

Vista do Minhocão, em São Paulo Foto: Luis F. Gallo, ouvinte-internauta da CBN

O longo viaduto se democratizou, mudou de nome, já não homenageia o Costa e Silva, agora é Presidente João Goulart. Eu, particularmente achei bom, mas paulistano só conhece o elevado de mais de dois quilômetros de cumprimento por apelido: Minhocão.

O trambolho é feio. Passa de maneira acintosa pelos prédios que o circundam; não tem vergonha de invadir os lares, a vida das pessoas. É cinza, é duro. Embaixo de suas pilastras produz uma noite eterna e é o abrigo de quem não tem para onde ir. Ele é odiado e parece eterno.

Minha vida quase inteira passei por ali. Durante os dias da semana, só se passa de carro, e veloz espio as janelas e os terraços. Quase posso ver, dentro das casas. 

Vai aqui uma lista do tudo que vi e vejo no meu caminho:

Edifício Altino Arantes, lá no fundo, icônico, simbolizando São Paulo. O Copan com suas milhares de janelas, meio que escondidas por traz de curvas de concreto. Prédios grudados uns nos outros parecendo se apoiar para não tombar. O redondo Hilton. Prédios com janelas da décadas de 1920, 30, 40, 50 e 60. 

O castelinho da Rua Apa, local onde se deu um dos crimes mais terríveis da cidade. Dizem que é mal assombrado Um terraço com imensos vasos de estilo africano, embelezando a fachada sombria de um edifício antigo.

A pintura de uma mulher com véu na empena cega, de olhos densos, que fica logo adiante de um outro retrato, esse colorido com tons africanos: é Mandela com um guepardo; o homem sorri para mim.

Jardins verticais feios e mau cuidados

Nas alças de acesso vejo craqueiros tristes e calmamente sentados: homens, mulheres, jovens tão jovens que são quase crianças ficam ali esperando a hora do fechamento do viaduto para continuar sua triste jornada zumbi

Bicicletas, crianças e cães nos fins de semana. É quando o caminho se humaniza. Uma placa luminosa em uma janela oferecendo aulas de dança de salão, uma outra, serviços contábeis.

Um bêbado, um louco, um drogado se equilibrando no meio das pistas, caminhando tropegamente na hora do rush. Ambulâncias com sirenes enlouquecidas. Motoqueiros buzinando e pedindo passagem no meio dos carros. Carros quebrados incomodando os que andam velozmente.

O vendedor de amendoim que aproveita quando o trânsito emperra para oferecer sua mercadoria. Um pôr do sol vermelho e laranja. A pista inundada depois de uma chuva torrencial. Plantas insistentemente brotando das fissuras do concreto. Um, dois, três gatos na janela. Rede de proteção para eles e às crianças.

O mergulho em um túnel escuro ao chegar a ligação Leste-Oeste. A visão da igreja de São Geraldo, no largo Péricles, e a lembrança de que estou pertinho do Ponto Chique e quase sinto o gosto do seu famoso bauru.

Uma cruz enfeitada no meio do caminho: marcará a morte de alguém?

O Minhocão vai ser demolido, mais dia, menos dia.

Ouça o Conte Sua História de São Paulo

Deborah Hornblas é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Escreva seu texto agora e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para ouvir outros capítulos da nossa cidade, visite o meu blog miltonjung.com.br e o podcast do Conte Sua História de São Paulo.

Minhocão: Costa e Silva ou João Goulart?

 

Por Carlos Magno Gibrail

 

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Minhocão em foto de Luis F.Gallo/FLickr

 

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou a mudança de denominação do popular Minhocão: de Elevado Presidente Arthur da Costa e Silva para Presidente João Goulart.

 

O Projeto de Lei de autoria do vereador Eliseu Gabriel PSB argumenta que Costa e Silva foi “um ditador responsável pelo ordenamento de inúmeros crimes contra a nação” e João Goulart “teve uma vida de luta em prol da democracia e melhoria das condições de vida da população”.

 

Entre o Presidente imposto e o Presidente deposto, pode-se deduzir que pelo julgamento do vereador sai o nome de um malfeitor para entrar um benfeitor.

 

Este ato específico é parte de um todo que se origina também da orientação da Comissão Nacional da Verdade, cujo relatório final propõe a mudança de todos os nomes de logradouros públicos que sejam de pessoas ligadas ao período ditatorial recente.

 

Pelos números do UOL a tarefa será longa, pois 717 escolas brasileiras têm nomes dos cinco presidentes do período. Ao mesmo tempo, poderá ser realizada dentro da especialização das Câmaras. Algumas estatísticas mostram que 80% das leis aprovadas são as propostas para nomear espaços, criar datas e dar título.

 

Entretanto se o revisionismo ficar a cargo de outras entidades, podemos ter o resultado de Salvador. No Colégio Estadual Presidente Garrastazu Médici votaram os professores, funcionários, estudantes e pais de alunos. Quem ganhou foi Carlos Marighela, ativista da luta armada contra o regime militar, ficando o geógrafo Milton Santos em segundo lugar.

 

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Intervenção pública na sinalização de rua

 

Em São Paulo, os vereadores Orlando Silva e Jamil Murad do PC do B criaram a lei que permite aos moradores trocar os nomes de militares que tenham histórico de violações contra os direitos humanos. Nesta mesma direção, Nabil Bonduki PT apresentou projeto de lei que permite a mudança pelos vereadores de ruas que tenham nomes de pessoas envolvidas na ditadura militar.

 

Como São Paulo tem mais de 65 mil ruas, com estas novas diretrizes muitas mudanças de nomes virão além do Minhocão.

 

Alguns especialistas sugerem que se discutam os critérios para o rebatismo de logradouros públicos, afinal os nomes podem ajudar na preservação da história.

 

A função de nomear não deve se restringir a homenagear, mas também a ensinar. É o caso dos bairros paulistanos dos Jardins com nomes de países, Ipiranga com nomes de fatos e personagens da Independência, Brooklin com nome de cidades americanas, Higienópolis com nomes de estados brasileiros.

 

Carlos Magno Gibrail é mestre em Administração, Organização e Recursos Humanos. Escreve no Blog do Mílton Jung, às quartas-feiras.

Datafolha pesquisa o Minhocão e gera confusão

 


Por Carlos Magno Gibrail

 

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Somente 7% da população da cidade de São Paulo aprovam a demolição do Minhocão, enquanto 76% são contra, e 53% querem mantê-lo como está. Estes dados foram publicados na terça feira, 23, pela Folha ao divulgar pesquisa Datafolha. A partir daí a difusão da notícia rapidamente se espalhou pelos canais de comunicação, que lembraram ainda que a desativação do Minhocão está contida no recém-aprovado PDE Plano de Desenvolvimento Estratégico da cidade. Restando apenas a decisão entre a demolição e uma nova ocupação.

 

A alta velocidade de propagação da pesquisa foi inversamente proporcional à análise que deveria ocorrer junto com a notícia, antes de sua divulgação. O Datafolha não diferenciou no resultado os usuários, os usuários frequentes, os não usuários, e os moradores. O jornalista Dimenstein, por exemplo, em entrevista na CBN se preocupou em defender a manutenção na forma de um parque, mas não questionou o levantamento do Datafolha.

 

Já era sabido que os moradores tinham se manifestado em audiência pública na Câmara cobrando a demolição, pois não querem nem o parque. Na origem, em 1971, data da inauguração, o Minhocão destruiu bens e qualidade de vida de 200mil pessoas. Fato não menos cruel é que o número de usuários é menor do que o número de habitantes afetados negativamente. Além do que, aqueles passam e vão para suas casas, deixando o ônus para os que ficam.

 

Ainda bem que o jornalista Leão Serva redimiu o veículo que serve, abordando segunda-feira em sua coluna na Folha: “O Minhocão e seus vizinhos”, cujo subtítulo denunciava “Pesquisa sobre temas urbanos devem identificar grupos de interesse e suas opiniões específicas”.

 

Milton Jung nesta mesma segunda dizia em seu post que os jornalistas não devem temer os meios eletrônicos como fonte de notícias. É verdade. Se algum temor caiba, que seja de si próprio.

 

Carlos Magno Gibrail é mestre em Administração, Organização e Recursos Humanos. Escreve no Blog do Milton Jung, às quartas-feiras.

Minhocão, observando e sendo observado

 

“Milhares de veículos passam todos os dias pelo Elevado Costa e Silva, o Minhocão de São Paulo. Nesta pressa absurda imposta pela metrópole, os motoristas jamais percebem o que ocorre logo ao lado, às vezes a centímetros dali onde famílias vivem a observar os carros cruzando o seu quintal”

Foi com este olhar, que o colaborador do Blog do Mílton Jung, Luis Fernando Gallo, identificou detalhes do cotidiano no Minhocão, em uma noite de sábado e um amanhecer de domingo, quando o elevado é ocupado pelo pedestre.

Minhocão é rebatizado, em São Paulo

Minhocão é rebatizado
Útil para alguns, um trambolho urbano para outros, o Minhocão é famoso na cidade de São Paulo. Foi, aliás, uma das primeiras imagens que me marcaram na capital paulista, pois assim que desembarquei por aqui fui à sede da TV Globo que ficava na praça Marechal Deodoro. A cada governo surge a discussão: o Minhocão deve ser derrubado? Um concurso recente, promovido pela prefeitura de São Paulo, levou arquitetos a desenharem soluções para o elevado. Ficaram muito bonitas no papel, mas ninguém parece disposto a investir na mudança. Enquanto isso, “terroristas urbanos” decidiram rebatizar o elevado que leva o nome do nada saudoso presidente Artur da Costa e Silva, o segundo a assumir o poder durante a Ditadura Militar entre 1967 e 1969, e apontado como o comandante que deu início ao período mais violento do regime.

Quem desce a avenida Angélica, pouco antes de se deparar com o Minhocão, encontrará a placa que registrei, nessa terça-feira, com o nome “Torturador Costa e Silva”.  Não entendi a data que aparece sob o nome, pois Costa e Silva viveu de 1902 a 1969, e o Minhocão foi criado em 1970.