Vivemos sempre correndo

 

Por Nei Alberto Pies
Professor e ativista de direitos humanos

 

“Vivemos esperando dias melhores /…O dia em que seremos melhores /Melhores
no Amor/Melhores na Dor /Melhores em Tudo”

(Jota Quest, canção Dias Melhores)

 

Ao sermos interrogados sobre como estamos, é comum respondermos a quem nos
interroga de que estamos com pressa, “sempre correndo”. Mas correndo de
quem? Correndo para onde? Correndo atrás de quem? Ou nossas respostas
estão vazias de sentido ou, talvez, revelem que estamos a correr,
desesperadamente, sem rumo e direção.

 

Não há razões que justificam tanta violência nossa de cada dia que decorre
de coisas banais. A violência, transformada em rotina, dá-nos a impressão
de que vivemos num tempo em que tudo se pode resolver impondo a força, a
esperteza, o despudor, a estupidez ou a eliminação física daqueles que,
porventura, “atravancam” o nosso caminho. Mas será que a violência não está
a nos revelar que a estupidez é que tomou conta da gente e que o que nos
resta é administrá-la? Será possível vencer a estupidez humana?

 

A estupidez fundamenta-se na ideia de que não sou humanidade, sou somente
eu. Se somente é eu que valho, tudo o resto é secundário e, portanto,
passível de manipulação. O outro, que se vire, que se imponha, que se
apresente como eu. Não sou capaz de reconhecer a minha condição de
dignidade humana como algo que depende ou que pode ser complementada na
convivência com os outros. Então, se o outro em nada me ajuda, que pelo
menos não me atrapalhe. E, se resolver atrapalhar, nada melhor que
julgá-lo, humilhá-lo ou mesmo eliminá-lo.

 

Muito preocupante é que muitos de nossos adolescentes e jovens, a partir
das constatações referidas, operam as suas condutas e ideias na mais
absoluta relatividade, menos quando se trata da exaltação do próprio eu
(egocentrismo). Para muitos, tudo é razão de competição ou de etiqueta.
Representar é mais importante do que ser. Ter é muito mais importante do
que ser. Viver, na máxima velocidade e intensidade, é o melhor do que se
tem para fazer. Então porque pensar no futuro?

 

Sempre é importante retomar valores que são a base de nossa compreensão de
convivência social, como de nossa civilização. A generosidade, o convívio e
a compreensão, por exemplo, são geradas pela escutatória. A escutatória é a
nossa capacidade de desprender-se um pouco de si para tentar compreender as
atitudes e pensamentos dos outros. Mas será que ainda estamos a fim de
perder tempo para ouvir alguém? Ainda temos paciência para compreender que
determinadas atitudes resultam de nossa vivência pessoal atribulada e pela
falta de habilidade de conviver? Ainda seremos capazes de reconhecer que
tão importante quanto falar é também saber ouvir?

 

A violência é a face mais perversa de nossa estupidez humana. Na medida em
que viver, matar ou morrer viraram obras do acaso, estamos perdendo a
verdadeira noção de humanidade, sempre latente em cada um e cada uma de
nós. Esta humanidade, presente e latente em cada um e cada uma de nós,
requer ser reinventada e recriada em cada momento histórico. Nem sempre
vivemos do jeito que vivemos hoje e, no futuro, poderá ser que viver seja
ainda muito mais diferente e complexo.

 

Vivemos esperando dias melhores. Dias melhores virão se formos capazes de
perceber que vivemos enozados, interdependentes, frágeis, desejosos de
comunhão e trocas, mesmo que quase todo o mundo conspire contra a gente.
Mas somente a espera pode nos cansar. Vivamos, pois, escolhendo caminhos de
liberdade; não de estupidez.