Por Maria Lucia Solla

Ouça este texto na voz e sonorizado pela autora
Quero tanto falar de sentimento, de emoção, sempre; e me pergunto, às vezes, se eu não deveria reclamar de o prefeito não prefeitar como deveria ele, se eu não deveria policiar as polícias por não policiarem como policiam os policiais nos filmes de bandido e mocinho. Se acaso eu não deveria vasculhar a vida pessoal dos senadores só de birra, por eles nunca senadorarem, como manda o figurino. Penso se não deveria choramingar mais, em vez de aguentar o tranco. Me pergunto, às vezes.
E acabo rindo! De mim. Que nem sei bem quem sou; que nem percebo, tantas vezes ainda, quando erro, quando sou inconveniente. Rio de mim, sim, que tenho uma dificuldade danada para administrar a vida na matéria, na emoção e na razão. Quem sou eu para criticar qualquer coisa no outro. Quem sou eu para dizer se seus hábitos são saudáveis, se eu estou doente de novo, com uma faringite de fazer dó aos meus inimigos. Quem sou eu para criticar quem quer que seja; e como faria isso? Com que autoridade, sob a batuta de que cartilha? Do Ocidente ou do Oriente? Do norte ou do sul? Do reinado ou da democracia? Eu mediria o outro usando a minha fita métrica?
Não posso. Não quero. E vou dizer mais, quero me livrar da crítica pequena, diária. Não quero mais nada que não seja simplesmente. Não quero nada mais que não seja honestidade, comprometimento, amizade, alegria, companheirismo, generosidade e amorosidade; começando por mim. No dia a dia da minha vida. Não quero mais nada que não tenha um sabor agradável. Não quero não aceitar a vida como ela é. Não quero aceitar a minha não participação no que estiver ao meu alcance. Afinal, não dizemos que a vida é curta? No entanto, vivemos amargos, de dedo em riste, de costas para a parede, o tempo todo. Todo o tempo. E queremos a paz! Como? se a guerra tornou-se senhora dos lares, corações e mentes de todos nós? Como? se ela permeia palavras, gestos e olhares de eterna acusação porque ele não é assim, porque ela é assado. Como? se cada um de nós vive fechado num exército de uma pessoa só, e somos bilhões de exércitos? Querendo ser o senhor de tudo e de todos, acabamos nos tornando senhores muito crueis de um único vassalo, você de você, e eu de mim. E dizemos que queremos paz. Mentira; somos dependentes da guerra da picuinha diária, onde temos absoluta certeza de sermos sempre melhores do que o outro. O malandro se servindo do bacana, que sai todo pimpão achando que se está servindo do primeiro.
Então, falo de mim; de como vejo e sinto a vida; já que esta é a minha viagem, a que me foi oferecida, de algum modo, pelo Criador de tudo isto e de muito mais. Sou meu objeto de pesquisa, mas foco em mim e no outro, que ele é vivente feito eu.
A vida fica muito solitária quando acreditamos ser melhores do que todos os outros; e mesmo assim, preferimos passar mais tempo da vida atacando e nos defendendo do outro, a viver vivendo, amando, amizadeando, trabalhando, criando, ouvindo e, quase sempre sendo ouvido, dançando, passeando, aprendendo, ajudando, apoiando, compreendendo, amando, amando, amando.
Se estou ficando louca, então, me agrada, a loucura.
Confesso.
E me despeço.
Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira e realiza curso de comunicação e expressão. Aos domingos, escreve no Blog do Mílton Jung