“Em 1620, o Ouvidor-geral da Repartição Sul, responsável, entre outras, pela capitania de São Paulo, resolve visitar São Paulo e não há em toda a cidade uma cama decente para receber o homem; dormia-se em catres, redes ou no chão puro. Na verdade, a única cama razoável pertencia a um carpinteiro português, Gonçalo Pereira, que a muito custo alugou.”
Na história da busca pela cama do Senhor Ouvidor se reflete a realidade paulista do século 17, uma província isolada e abandonada em um Brasil que tinha olhos para as cidades do Rio, Salvador e Recife. Foi assim por cerca de 300 anos até ser alcançada pelo Ciclo do Café, que chegou pelo interior, marco inicial de uma transformação que fez do Estado e sua capital a grandiosidade que admiramos – e odiamos, também. Uma ambiguidade analisada em livro pelo médico e político Walter Feldman.
Em “São Paulo, Brasil: discutindo a relação”, Feldman tenta explicar este sentimento de “amor e bronca, mágoa e admiração” percebido em especial quando chegou a Brasília em seu primeiro mandato parlamentar, em 2002:
“Às vezes me pergunto se parte de certa admiração magoada em relação a São Paulo não vem de mais longe. Da nossa fama de bandeirantes, essa figura ambígua de conquistador destemido e cruel predador de índios. Ou do dístico que, desde 1917, por arroubo de um poeta, está impresso no brasão da cidade de São Paulo: non ducor, duco, não sou conduzido. Ora, este dístico foi sacramentado em 1917 por um prefeito, Washington Luis, que nem paulista era, mas fluminense. Na verdade, seus opositores o chamavam de “paulista de Macaé”.”
