Sua Marca Vai Ser Um Sucesso: quando a literatura ensina sobre marcas

Marcas não vivem apenas de manuais técnicos ou de teorias de marketing. Muitas vezes, é na literatura que se encontra a melhor forma de compreender o papel que elas ocupam em nossas vidas. Esse foi o tema do comentário de Jaime Troiano e Cecília Russo no quadro Sua Marca Vai Ser Um Sucesso, no Jornal da CBN.

Jaime contou que procurou durante muito tempo uma definição que traduzisse a essência das marcas até encontrá-la em Fernando Pessoa, no poema Tabacaria: “Estou hoje dividido entre a lealdade que devo à tabacaria do outro lado da rua como coisa real por fora, e à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro”. Para ele, “marca é isso, a materialidade do produto de um lado e, ao mesmo tempo, o significado interno que ela tem para nós”.

Outro momento marcante da fala de Jaime foi quando trouxe à memória a coleção de Monteiro Lobato. Nos últimos volumes, em que aparecem Os Doze Trabalhos de Hércules, a personagem Emília recorria ao pó de pirlimpimpim para se transportar rapidamente a qualquer lugar. “Quantas vezes me lembrei disso diante de um problema em branding. Era a inspiração de que eu precisava”, afirmou. Essa lembrança mostra como a literatura infantil, com sua fantasia, também pode ser aplicada ao mundo corporativo: diante de um desafio, é como se fosse possível recorrer a um recurso imaginário que abre caminhos e permite enxergar novas soluções.

Cecília trouxe outros exemplos. Citou As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino, relacionando a simbologia descrita no livro à forma como registramos marcas na memória. E mencionou o conto O Espelho, de Machado de Assis, em que um alferes só se reconhecia diante do espelho quando usava a farda. “São as marcas que muitas vezes nos vestem e, como a farda, podem ocultar nossa verdadeira identidade ou até nos levar a imprudências”, observou.

Ela também destacou um trecho do livro O Executivo que Gostava de Ler, de Fernando Jucá e Fábio Paiva, lembrando que ali se encontra uma frase reveladora: “Ouso dizer que sem símbolo não haveria cultura e o homem seria apenas um animal, não humano. A chave deste mundo é o símbolo”. Para Cecília, essa ideia aproxima a literatura do universo das marcas, já que símbolos — como nomes, cores, embalagens e logotipos — são elementos centrais para a construção da identidade e da memória de uma marca.

Leia, também, “Sua Marca Vai Ser Um Sucesso: as lições de Machado de Assis”

A marca do Sua Marca

O comentário desta semana mostra que a literatura ajuda a entender o universo das marcas tanto quanto os livros técnicos. Nas falas de Jaime e Cecília, fica claro que as referências literárias — seja na fantasia do pó de pirlimpimpim, seja na reflexão filosófica sobre símbolos — revelam a profundidade com que marcas habitam nosso imaginário.

Leia, ainda, “Sua Marca Vai Ser Um Sucesso: livros que inspiram ideias”

Ouça o Sua Marca Vai Ser Um Sucesso

O Sua Marca Vai Ser Um Sucesso vai ao ar aos sábados, logo após às 7h50 da manhã, no Jornal da CBN. A apresentação é de Jaime Troiano e Cecília Russo. A sonorização é do Paschoal Júnior e Cláudio Antonio:

Outrar-se

 

Por Julio Tannus

 

Às voltas com questões no meu circulo de amizade e familiares, lembrei-me de Fernando Pessoa.

 

Fernando Pessoa, ao sentir-se variamente outro, ao “outrar-se”, cria amigos que exprimem estados de alma e consciência distintos dos seus e, por vezes, opostos. O “eu” do artista despersonaliza-se, desdobra a própria individualidade, torna-se essência de outros e de si, para melhor exprimir a apreensão da vida, do ser e do mundo.

 A “pequena humanidade” do poeta é como um palco onde desfilam pelo menos quatro personagens diferentes: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e o próprio Fernando Pessoa. 

Como afirma, “não há que buscar em quaisquer deles ideias ou sentimentos meus, pois muitos deles exprimem ideias que não aceito, sentimentos que não tive”.

 Os heterónimos “são como personagens à procura de autor. São personagens de um drama. Cada um é diferente dos outros e fala e procede tal qual é”. São os companheiros psíquicos, como ele considera ao dizer-se “eu e o meu companheiro de psiquismo Álvaro de Campos”.

Alberto Caeiro: Poeta do olhar, procura ver as coisas como elas são, sem lhes atribuir significados ou sentimentos humanos. Considera que “pensar é estar doente dos olhos”, pois as coisas são como são. Ver é conhecer e compreender o mundo, por isso, “pensa vendo e ouvindo”.



 

Álvaro de Campos, que, como Caeiro, recorre aos versos livres, é o homem da cidade, que procura aplicar a lição sensacionista ao mundo da máquina. Mas, ao não conseguir acompanhar a pressa mecanicista e a desordem das sensações, sente uma espécie de desumanização e frustração. Falta a Campos a tranquilidade olímpica de Caeiro.



 

Ricardo Reis, que adquiriu a lição de paganismo espontâneo de Caeiro, cultiva um neoclassicismo neopagão, recorrendo à mitologia greco-latina, e considera a brevidade da vida, pois sabe que o tempo passa e tudo é efémero; Caeiro vê o mundo sem necessidade de explicações, sem princípio nem fim, e confessa que existir é um facto maravilhoso. Caeiro aceita a vida sem pensar; Reis talvez a aceite apesar de pensar. Reis chega a ser o contrário do Mestre, sobretudo ao procurar vivenciar poeticamente um sensacionismo de carácter reflexivo, com a emoção controlada pela razão.

 


Julio Tannus é consultor em Estudos e Pesquisa Aplicada, co-autor do livro “Teoria e Prática da Pesquisa Aplicada” (Editora Elsevier) e escreve no Blog do Mílton Jung, às terças-feiras.