Zé é cuidador da rua, passeia com os cachorros da vizinhança e mora em uma favela próxima de casa. Há 15 anos cumpre a função religiosamente e conseguiu com o dinheiro arrecadado trocar os pés pela bicicleta e esta por uma moto, a primeira caindo aos pedaços e a mais recente novinha em folha. Pouco antes de chegar ao trabalho deixa a mulher Sônia na casa da patroa, onde vai buscá-la no fim do expediente. Uma mão na roda para ambos. Desde que “evoluiu” na vida nunca se envolveu em um acidente de trânsito nem assaltou ninguém que passava por perto – até onde eu saiba. Nem ele nem a mulher. Apesar disso serão tratados como criminosos, em breve, se o Governador Geraldo Alckmin cometer o erro de sancionar a lei que proíbe garupas em motocicletas de segunda à sexta-feira nas cidades paulistas com mais de um milhão de habitantes, entenda-se por Capital, Guarulhos e Campinas (calma, gente: no fim de semana pode).
O projeto foi aprovado pelos deputados estaduais paulistas convencidos pelo autor da ideia, Jooji Hato, que já havia ensaiado a iniciativa na época em que foi vereador paulistano, mas foi vetada pela então prefeita Marta Suplicy, em 2003. De acordo com o deputado do PMDB a medida é para controlar assaltos cometidos por garupas que seriam, segundo ele, responsáveis por 61,5% dos crimes de “saidinha de banco” e mais de 60% dos crimes contra o patrimônio, na capital paulista. Além disso, se evitaria uma quantidade enorme de acidentes de trânsito que, sempre segundo ele, ocorrem pela insegurança em transportar um passageiro na moto.
O Código de Trânsito Brasileiro permite o transporte de duas pessoas em motocicletas, é assim que está determinado, inclusive, na documentação do veículo. A Constituição Federal prevê que cabe à União legislar sobre trânsito, portanto nem Estado nem município têm esta competência. Não bastasse ser inconstitucional, a ideia carece de estudo técnico e se baseia em números que não são confirmados pela Secretaria de Segurança Pública que, por incrível que pareça, diz não ter nenhuma estatística sobre o assunto. Deveria ter para planejar ações de inteligência e evitar que soluções mágicas fossem tiradas do bolso dos paletós de deputados paulistas apenas iludindo parte da sociedade que se sente acuada pela violência. Na dúvida, consulte a opinião do delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Marcos Carneiro Lima. Resumo em duas palavras o que ele disse da lei: desnecessária e inconstitucional.
Vamos, então, ao outro motivo que levou os deputados paulistas a aprovarem a lei.
Clique aqui e leia o texto completo no Blog Adote São Paulo, na revista Época Sp
