Por Clarindo Oliveira
Sou paulistano da “gema”. Nasci no antigo Hospital Leão XIII ali do lado do Museu do Ipiranga. Mesmo não morando mais em São Paulo (hoje minha casa é em Embu das Artes), sempre soube que minha vida estaria aqui. Não me importo com o trânsito da Raposo, nem com os congestionamentos que enfrento todos os dias para chegar ao meu trabalho na Alameda Santos.
Amo esta cidade e não me vejo longe dela. É dela que extraio o meu sustento e da minha família. Sei que ela não é perfeita, mas não admito que ninguém de fora a critique. Você deixa alguém falar mal do seu pai, do seu irmão ou de qualquer outra pessoa da sua família? Não, né? Mas não estou aqui para falar de mim.
Quero contar uma das muitas histórias do meu pai, o Sr. José Américo de Oliveira, falecido há pouco mais de 3 anos. Como tantos outros, saiu do interior de Minas na década de 1950 e veio tentar a sorte na “cidade grande”. Depois dele, veio uma infinidade de irmãos, primos e tios. Famílias grandes… Houve até uma época que eu acreditava que mais da metade das pessoas da Vila Joaniza (periferia da Zona Sul) fossem parentes meus!
Voltando ao meu pai…
Foi trabalhar na construção civil. Servente, pedreiro, mestre de obra… Participou da construção desta cidade, em fábricas e casas em Santo Amaro, Socorro e Brás. Seu primeiro serviço foi no Aeroporto de Congonhas e é daí que vem a história que vou contar.
Ele comentava que “Terra da Garoa” era o apelido perfeito para São Paulo porque aqui chovia ou garoava de oito a nove meses por ano. Trabalhava “no tempo”, molhado. Mas no fim do dia, tirava a roupa da “lida” e botava o único terno azul marinho. Sim, os homens só usavam terno azul marinho naquela época! Barba sempre feita, bigodinho perfeito de meio centímetro de espessura e sapatos Vulcabrás impecavelmente engraxados. Ah! Quantas vezes engraxei aqueles sapatos…
Ele morava na favela ‘Buraco do Sapo” próximo ao aeroporto e às margens do Córrego da Água Espraiada. Hoje passa por lá a Avenida Roberto Marinho, tem o piscinão e o Viaduto Luís Eduardo Magalhães. Com tanta umidade (lembra da “Terra da Garoa”?), havia um lamaçal naquela baixada e era muito comum os poucos carros que passavam por ali atolarem. Nessas horas, meu pai e seus amigos entravam em cena e davam aquela forcinha empurrando os carros dos figurões. Lógico que sempre pintava um “agrado”, uma gorjeta para os solícitos rapazes.
Nos poucos meses de seca, eles tinham uma tática: iam até o córrego, enchiam latas e latas de água e espalhavam pela rua. Assim, mantinham o lamaçal, o “negócio” estava sempre em pé e a graninha extra era garantida o ano inteiro!
Ouça aqui o texto que foi ao ar na CBN sonorizado pelo Cláudio Antonio:

