Grêmio 3×1 Juventude
Gaúcho – Arena do Grêmio, Porto Alegre/RS

Meu Guri,
Vivi emoções que poucos vivenciaram, neste sábado. Comemorar o Heptacampeonato gaúcho é coisa rara de se sentir. Tu ainda eras guri de calça curta lá em Porto Alegre, tinhas cinco anos, quando ganhamos nosso primeiro Hepta. Vivias na Saldanha, pertinho do Olímpico. Não existia a perimetral nem a praça do Papa. Tu sujarias teus sapatos ortopédicos de pó e lama para passar pelo beco entre nossa casa e o estádio.
Escrevo para ti porque quando o sábado amanheceu pensava comigo aqui em São Paulo se ainda havia lembranças na sua memória daquele 1968 em que o Grêmio empatara com o mesmo adversário de agora para conquistar o título inédito. Remoí o pensamento e vasculhei o coração sem encontrar nada por lá.
Curioso é que na volta ao tempo, consegui retroagir minhas lembranças sobre ti apenas até o ano seguinte ao Hepta. E a gente sabe o motivo. Não posso dizer que só nós dois sabemos porque, desculpe-me, já confidenciei aquela história para os caros e cada vez mais raros viventes desta Avalanche. Foi quando fomos forjados gremistas pela mão disciplinadora do pai, após uma brincadeira ingrata de um dos primos que usurpou da sua ingenuidade e o induziu a tremular a bandeirinha encarnada e cantarolar uma música que não tinhas ideia do que significava — e tu pensando que era só uma homenagem ao (nosso) papai que era maior.
Alguns anos antes de morrer, o pai até disse que se arrependia daquele gesto mais ríspido. Sabendo que é nas derrotas que aprendemos, eu o agradeci em teu nome. Foi lição para a vida! Se hoje me emociono com o título conquistado da forma como me emociono tem muito a ver com aquele passado, em 1969, um ano após o Hepta inédito.
Dos anos anteriores, porém, o vazio é preenchido pelas muitas histórias que o pai contava e pelos jogadores que ele fazia questão de te apresentar nos anos seguintes, quando a presença no estádio passou a ser frequente. Cruzavas pelo Áureo e o pai lembrava: “foi Hepta!”. Encontravas o Altemir: “o lateral do Hepta”. Alcindo? “Goleador do Hepta”. Joãozinho, que ele fazia questão de chamar com nome e sobrenome: “esse é o João Severiano, tu tinhas que ver o que jogava essa rapaz do Hepta!”.
Bah, guri! E não é que o João Severiano estava em campo neste sábado?!? Que homenagem linda que o Grêmio fez ao tê-lo na cerimônia de entrega do troféu deste segundo Hepta que conquistamos na história. Chorei emocionado porque tu me fizeste lembrar de todas aquelas referências que o pai fazia desses jogadores que vestiram nossa camisa. Para coisa ficar ainda mais sentimental, Joãozinho passou a taça às mãos de Geromel.
E aí, me dá licença guri: a partir daqui as lembranças são todas minhas.
Por amadurecido que estou, assisti à trajetória do Hepta, desde o campeonato de 2018. E essa memória levarei para sempre comigo até o dia de partir. O privilégio de ver Geromel e Kannemann erguendo cada um dos oito troféus gaúchos é incrível. Como espero aquele beijo duplo que virou clássico de nossas conquistas. Por estarem em campo desde o primeiro título da série, são o símbolo maior desse Hepta.
Injustiça não citar outros tantos que estiveram com a gente nesses tempos recentes de vitórias. E para não esquecer nenhum deles, os torno redivivos na imagem de Luan, dos maiores craques que vestiram nossa camisa. Sem contar que seremos únicos neste Brasil todo a lembrar que na caminhada do Hepta tivemos Luiz Suárez a fazer gols decisivos.
Do time atual, além da dupla Geromel e Kannemann, há Villasanti, volante incontestável e incansável na arte de desarmar e de armar nossos ataques. Tem Cristaldo, com um talento que passa despercebido por muitos e se expressa de forma contundente no instante decisivo da jogada; tem Gustavo Nunes e Pavón com dribles que desconsertam a marcação; e tem Diego Costa, nosso Alcindo dos tempos modernos.
Tem tanta outra gente que mereceria ser lembrada nestes sete anos de hegemonia, mas quero mesmo é focar na lembrança que tenho de ti, meu guri. Para te agradecer pelo que fostes e passastes naqueles anos iniciais de nossas vidas. Graças a ti sou o que sou hoje. E te agradeço, oferecendo a memória eterna deste Hepta de 2024!
Com carinho e saudades,
Mílton Jung, o ex-guri