
Três capítulos do livro Jornalismo de Rádio (Editora Globo) que lancei em 2004 e falam do surgimento dese veículo no Brasil, há 90 anos, e como foi sua invenção:
SÍMBOLO DA MODERNIDADE
Imagine se visitando uma dessas feiras de informática. Centenas de pessoas cruzando os corredores e você lá no meio, com os olhos arregalados para os equipamentos de última geração, duvidando que um dia se tornem acessíveis ao público.
Lembro do sucesso que fez a edição do Jornal 60 Minutos, da TV Cultura de São Paulo, quando durante a transmissão conversei ao vivo, através de um videofone, com um repórter que participava de uma exposição de tecnologia. O equipamento era novidade, isso pouco antes do fim do século XX.
Cito essa passagem para convidá-lo a voltar quase um século no tempo e se pôr no lugar das pessoas que, em 7 de setembro de 1922, tomaram as dependências do pavilhão da Exposição Internacional do Rio de Janeiro. O ambiente era festivo, o país comemorava o centenário da Independência. Pelos alto-falantes era possível ouvir transmissões feitas alonga distância, sem fio — ou wireless, para usar expressão da moda, na época. O mesmo som chegava a receptores espalhados em outros pontos da Capital Federal, além de Niterói, Petrópolis e São Paulo.
Roquette Pinto esteve por lá e se encantou com o que ouvia, apesar de ser ruim o som que saía dos alto-falantes instalados na exposição. O barulho era infernal, com muita gente falando ao mesmo tempo, e a música e os discursos reproduzidos arranhavam os ouvidos. No meio da multidão também estava Renato Murce, que dedicaria a vida ao rádio. No depoimento registrado no livro Histórias que o rádio não contou (Harbra, 1999), de Reynaldo C. Tavares, Murce afirma ter percebido logo que algo novo surgia. Menos preocupado com a confusão, viu a curiosidade e a desconfiança dos rostos ao redor.
A primeira pessoa que falou ao microfone de rádio, em uma estação instalada no Sumaré, pela Western Eletric, foi o presidente Epitácio Pessoa. E o povo,que se juntava na exposição do centenário, uma multidão incalculável, era pior do que São Tomé. Estava vendo, ouvindo e não acreditando. Como que em um aparelhinho, pequenino, lá longe, sem nada, sem fio, sem coisa nenhuma, podia ser ouvido à distância? E ficava embasbacado. Mas não nasceu para o Brasil propriamente o rádio, porque não havia ainda quase nenhuma rádio receptora. Era de galena, muito complicado. E quase ninguém podia ouvir a não ser aqueles que estivessem ali presentes. E os que ouviram, ouviram o Guarani, de Carlos Gomes, irradiado diretamente do Teatro Municipal. Esta foi a primeira experiência do rádio no Brasil.
Vale ressaltar: há quem defenda que a primeira emissora do Brasil foi a Rádio Clube de Pernambuco, fundada por jovens do Recife, em abril de 1919. Apesar de os registros mostrarem que a experiência estava mais próxima da radio telefonia, não deixe de citar o fato, principalmente se falar de rádio por aquelas bandas. A propósito, como veremos a seguir,a história da radiodifusão é marcada por dúvidas e controvérsias.
PADRE E BRUXO
Uma conversa do presidente da República Rodrigues Alves com um de seus assessores, no Palácio do Governo, no Rio de Janeiro, em 1905, pode ter tirado de um brasileiro o direito de ser reconhecido como o inventor do rádio. O representante do governo havia acabado de visitar o padre Roberto Landell de Moura, de quem ouviu explicações sobre algumas geringonças inventadas por ele. Coisas como telefônio, teleauxifônio e anematofono, espécies de telefone e telégrafo sem fio e de transmissores de ondas sonoras — a maioria já patenteada por ele, nos Estados Unidos, em 1904.
Jamais escreva o nome desses aparelhos em texto a ser transmitido pelo rádio. Se tiver que fazê-lo, grife as palavras. A norma serve para demais palavras estranhas e/ ou estrangeiras.Os locutores agradecem.
Bem que o padre de 44anos, nascido em PortoAlegre, se esforçou para convencer o enviado do Palácio que os aparelhos montados por ele poderiam estabelecer comunicação com qualquer ponto da Terra, por mais afastados que estivesse um do outro.
Não se sabe se foi devido às limitações intelectuais do assessor, que talvez não tenha entendido o que lhe era apresentado; se pelo fato de o padre ter solicitado dois navios da esquadra brasileira para uma demonstração pública dos seus inventos; ou se o assessor ficou assustado ao ouvir que um dia ainda seriam possíveis comunicações interplanetárias. Certo é que, ao voltar ao Palácio, o burocrata, a exemplo de um carimbo de repartição pública, foi taxativo:”esse padre é um maluco”.
Não era novidade para Landell de Moura. Ele já fora várias vezes transferido de paróquia, ou mesmo de cidade, acusado de ser impostor, herege e bruxo. Acusações dirigidas a ele, em 1892, quando, utilizando uma válvula amplificadora com três eletrodos, transmitiu e recebeu a voz humana. O feito se deu em Campinas, interior paulista, e nem mesmo ouvindo as pessoas foram capazes de acreditar.
FEZ-SE O SOM
O mérito de Landell de Moura, reconhecido apenas após a morte, em 1928, é evidente quando se pesquisa a história do surgimento do rádio. Do telégrafo, termo que surgiu no fim do século XVIII à telefonia, já no século XIX, muitos avanços levaram à radiodifusão. Estudos sobre a eletricidade e suas características se somaram até chegar ao aparelho que, atualmente, existe na casa da maioria dos brasileiros e nos carros, também.
O professor de física James Clerk Maxwell, em 1863, mostrou como a eletricidade se propagava sobre forma de vibração ondulatória. Teoria usada 24 anos depois pelo físico alemão Heinrich Rudolf Hertz, e desenvolvida pelo francês Edouard Branly, em 1890, e pelo britânico Oliver Lodge, em 1894.
Naquela época, Landell de Moura já havia assustado muita gente por aqui com seus inventos, e feito, inclusive, suas primeiras experiências com transmissão e recepção de sons por meio de ondas eletromagnéticas. Há registros de que usou a válvula amplificadora em testes pelo menos dois anos antes do equipamento ter sido apresentado ao mundo pelo americano Lee DeForest.
Não cabe aqui discutir de quem é o mérito da invenção, pois há muita controvérsia, mesmo entre os estudiosos do tema.
Até o nome de Guglielmo Marconi como inventor do rádio é contestado. Mas o italiano teve seus méritos — e como teve. Industrial com visão empreendedora, percebeu em vários inventos já patenteados a possibilidade de desenvolver novos aparelhos, mais potentes e eficazes. Foi o que fez para chegar à radio-telegrafia, em1896.
Já no início do século XX, o russo David Sarnoff, que trabalhava na Marconi Company, afirmou ser possível desenvolver uma “caixa de música radio-telefónica que possuiria válvulas amplificadoras e um alto-falante, tudo acondicionado na mesma caixa”. Tal equipamento seria o protótipo do rádio como veículo de comunicação de massa.
A indústria de radiodifusão nasceu, de fato, em 2 de novembro de 1920, em Pittsburgh, quando a KDKA foi ao ar, graças a Harry P. Davis, vice presidente da americana Westinghouse. Essa mesma empresa, dois anos mais tarde, traria equipamentos para a Exposição Internacional do Rio de Janeiro, ao lado da Western Eletric. Harry acompanhava com entusiasmo o resultado do trabalho artesanal de Frank Conrad, que transmitia músicas e notícias captadas por receptores de galena, inicialmente construídos pelos próprios usuários e, em seguida, produzidos em série pela empresa.
Para não cometermos injustiça, combinamos assim: na hora de redigir um texto deixe os títulos de lado. “Marconi, o inventor do rádio”, “Landell de Moura, o homem que apertou o botão da comunicação” e “Roquette Pinto, o pai do rádio brasileiro” são clichês que devem ser substituídos por informações que agreguem valor à notícia e ajudem a esclarecer o ouvinte. Lembro de um boletim que gravei para a TV Globo, em 1991, antes de uma reunião do Mercosul, em São Paulo, e disse que o Paraguai era o “Paraíso do Contrabando”. Na ocasião, um correspondente internacional comentou, balançando a cabeça em sinal de reprovação: “o que seria dos jornalistas sem os clichês…”. Aprendi a lição e reproduzo o fato para que você não passe pelo mesmo constrangimento.