“O Brasil tem poucas companhias ainda, tem um potencial de ter mais companhias trabalhando no Brasil e esse ambiente de insegurança acaba afastando em alguns momentos esses investimentos.”
Raphael de Lucca, Iberia
A expansão das rotas internacionais e o aumento de conexões aéreas passam por um obstáculo central no Brasil: as incertezas regulatórias. Projetos sobre cobrança de bagagens, disputas judiciais frequentes e decisões que fogem do escopo técnico da aviação vêm afetando custos, planejamento e o interesse de empresas estrangeiras em ampliar suas operações no país. A despeito deste cenário, Raphael de Lucca, gerente regional da Iberia no Brasil, entrevistado do Mundo Corporativo, da CBN, diz que enxerga enormes oportunidades para a companhia área espanhola no Brasil.
Regulação técnica e intervenções legislativas
De Lucca afirma que o ambiente regulatório brasileiro se tornou um desafio constante para companhias que operam rotas internacionais. Ele cita, em especial, as discussões no Congresso sobre obrigar empresas a incluírem bagagem despachada e marcação de assento na passagem. “Estamos vivendo uma (discussão) agora que é a Câmara dos Deputados querendo legislar sobre a inclusão de bagagem cortesia e marcação de assento, o que no nosso ponto de vista é uma ameaça até ao livre-mercado”, afirma.
O executivo reforça que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) já possui autoridade técnica para criar regras de tarifa e flexibilizar produtos. “Não é papel do poder legislativo legislar sobre produtos. Isso a ANAC poderia fazer e a ANAC já tem dado autorização para que nós tenhamos produtos mais flexíveis”, diz.
Ele exemplifica com a própria experiência como passageiro. Em viagens curtas, sem necessidade de bagagem, a tarifa menor atende melhor o consumidor. “Eu mesmo posso ir para Madri passar apenas dois dias sozinho e eventualmente eu não preciso levar bagagem. Eu mesmo não levo. Então, para que eu vou precisar comprar uma passagem que já me inclua? Porque, óbvio, esse custo estará lá.”
Além da instabilidade regulatória, De Lucca destaca o peso da judicialização no setor — processos que responsabilizam companhias por situações alheias ao controle operacional. “A companhia aérea é penalizada, às vezes, por efeitos de natureza”, afirma. Ele menciona casos em que empresas foram condenadas por atrasos provocados por mau tempo, situações em que o pouso é tecnicamente inviável.
Segundo ele, esse cenário cria insegurança e desestimula investimentos. “O Brasil tem poucas companhias ainda, tem um potencial de ter mais companhias trabalhando no Brasil e esse ambiente de insegurança acaba afastando em alguns momentos esses investimentos.”
Estratégia de expansão da Iberia
Após tratar dos entraves regulatórios, Raphael de Lucca descreve o movimento de expansão da Iberia no Brasil. A companhia encerra 2025 com o maior número de assentos da sua história no país e mira nova ampliação em 2026.
O plano inclui duas novas rotas diretas para Madri, saindo de Recife e Fortaleza. As operações começam com três voos semanais em cada cidade.
Segundo o executivo, o interesse no Nordeste combina potencial turístico e demanda crescente do passageiro europeu. “O nosso grande objetivo não é só conectar o passageiro brasileiro à Europa, mas também o passageiro europeu ao Brasil. O Nordeste ganha um protagonismo muito interessante”, afirma.
A troca de aeronaves e o que muda para o passageiro
A operação dessas rotas será feita com o Airbus A321 XLR, aeronave de corredor único — o que o setor chama de narrow body —, mas configurada para oferecer o mesmo padrão de conforto dos aviões maiores usados em São Paulo e Rio. De Lucca explica: “Ela é uma aeronave de um corredor só, com capacidade para 182 passageiros. Mantivemos a mesma qualidade que o passageiro encontra em aviões de fuselagem larga, com dois corredores.”
Esses aviões de dois corredores são conhecidos como wide body. A escolha do A321 XLR permite voos mais frequentes, com menor número de passageiros por trecho, e custo operacional mais baixo. Segundo ele, essa eficiência ajuda a manter tarifas mais competitivas.
A expansão tem outro pilar: o uso de Madri como hub, termo que designa um aeroporto-base para distribuição de voos. A Iberia conecta o Brasil a mais de cem destinos europeus a partir da capital espanhola.
Um recurso utilizado para fortalecer essa conexão é o stopover — a possibilidade de o passageiro permanecer alguns dias na cidade de conexão antes de seguir viagem. “A gente tem um programa de stopover de até 9 dias, com benefícios em museus, transporte e hotéis”, explica o gerente regional.
O perfil do turista brasileiro
Raphael de Lucca descreve o passageiro brasileiro como alguém que busca novos destinos e tem altos padrões de expectativa. “O turista brasileiro é muito exigente”, resume. Isso inclui detalhes como cardápios, anúncios e atendimento em português — prática que a Iberia já adota.
Outra peça central na estratégia comercial é o agente de viagens, que deixa de ser apenas vendedor para assumir o papel de consultor. “Ele entender toda essa demanda e criar oportunidades para o passageiro”, diz o executivo. A empresa mantém oito profissionais dedicados a esse relacionamento no Brasil.
A Iberia tem investido em produtos específicos para empresas de diferentes portes e vê no segmento corporativo um motor importante. Parte desse esforço é oferecer conexão de alta velocidade durante o voo. “Nós acabamos de fechar para ter internet de altíssima velocidade em todos os nossos aviões já no próximo ano”, afirma, destacando que o serviço será gratuito até o fim de 2026. Para destinos como Madri, com viagens de dez a onze horas, esse recurso se torna decisivo: “O passageiro corporativo precisa estar conectado.”
Prioridades e novas oportunidades no Brasil
Para os próximos três anos, o foco é consolidar as novas rotas do Nordeste e avaliar a entrada em uma quinta cidade brasileira. Ainda não há definição, mas o mapa de possibilidades existe. O executivo afirma que a decisão vai depender da estabilização da operação em Recife e Fortaleza e da leitura da demanda.
Ele também incentiva os profissionais do turismo a explorarem as oportunidades do setor. “O principal do turismo é a conexão entre pessoas, de culturas distintas”, afirma. Segundo ele, essa convivência é um dos grandes atrativos da carreira. “É um segmento que cresce muito, não só no Brasil, mas na economia global e abre-se muitas oportunidades de crescimento profissional.”
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