Anestesia social

Dra. Nina Ferreira

@psiquiatrialeve

Estou andando pela calçada e sou atropelada por um pedestre que caminhava próximo de mim: ele não me viu ali.

Estou esperando na recepção do prédio para a porta ser aberta e a porta não abre: o porteiro não me percebeu ali.

Estou entristecida porque tenho passado por um problema grave na família: ninguém nota.

Uma anestesia geral. Pessoas não percebem a presença de outras. Pessoas não percebem as necessidades e os sentimentos de outras.

Veja, não existe intenção de ser mau ou egoísta – não é um ato consciente. É que existe uma neutralidade de percepções e afetos sobre o mundo ao redor. Na verdade, é como se não houvesse mundo ao redor.

A maioria de nós, humanos, está tão ensimesmada, tão individualista, tão presa dentro de si (ou do mundo digital), que não nota os acontecimentos em volta. Desconectados, ausentes, anestesiados.

As consequências são caóticas. Nessa anestesia, não tomamos a iniciativa de respeitar o espaço do outro (exemplo da calçada), de executar a ação que é esperada de nós (exemplo da portaria), de ajudar no acolhimento da dor do outro (exemplo da tristeza).

Nessa anestesia, cada um acredita que vive no seu mundo particular, que não existe mais ninguém por ali, que está sozinho. Às vezes, pior: cada um acredita que tudo (e todos) em volta são “só” objetos e ferramentas para fazer sua vida individual funcionar – e estranha quando isso não acontece, quando suas necessidades não são vistas ou satisfeitas!

Precisamos acordar. Cada um de nós, acordar: lembrar que vivemos em sociedade, que nossas ações impactam nos outros, que precisamos funcionar todos em conjunto.

Precisamos recuperar nossa capacidade de olhar pra fora, fazer parte do todo, colaborar sempre que possível, pedir ajuda quando necessário, respeitar pessoas e mundo ao nosso redor.

Precisamos sair da anestesia – se quisermos sobreviver e, assim, ter chances de voltar a viver.

Dra. Nina Ferreira (@psiquiatrialeve) é médica psiquiatra, especialista em terapia do esquema, neurociências e neuropsicologia. Escreve a convite do Blog do Mílton Jung.

Sua Marca: cinco necessidades para a vida entre quatro paredes

 


 

“As marcas estão tendo uma oportunidade de prestar um serviço importante para a sociedade” —- Cecília Russo

Com as pessoas obrigadas a permanecerem em casa para reduzir o risco de contaminação do novo coronavírus, novas necessidades surgiram e algumas marcas souberam atuar de maneira eficiente. Um relatório criado pela Ikea, marca sueca de produtos para casa, identificou cinco necessidades para a vida “Entre 4 paredes”:

 

  • Segurança
  • Pertencimento
  • Conforto
  • Privacidade
  • Propriedade

 

Com base nessa lista, Jaime Troiano e Cecília Russo, em Sua Marca Vai Ser Um Sucesso, identificaram algumas ações de empresas e serviços que entenderam esse momento e estão atuando de forma empática. É o caso de uma academia que decidiu alugar seus equipamentos para os clientes, a medida que suas unidades estão fechadas. Ou de um aplicativo que se atualizou para permitir a compra à distância de remédios controlados que exigem receita médica. Ou do jovem, estudante de medicina, que viu os pais terem de fechar a loja de flores, criou uma conta no WhatsApp e tornou os produtos acessíveis aos clientes deles.

 

Existem, ainda, as grandes marcas do cenário digital como Rappi, iFood e Uber Eats que facilitaram a entrega de alimentos, mantendo a relação entre os restaurantes e seus clientes, oferecendo as sensações de pertencimento, conforto e segurança —- três das necessidades identificadas no trabalho da Ikea.

 

A tecnologia de informação através de marcas como Zoom, Weber, Microsoft Teams e Google Meet, trouxe o escritório para dentro de casa, oferecendo conforto e segurança.

“O momento é de ajudar as pessoas a ficar em casa e as marcas têm uma chance única de estar ao lado da sociedade neste momento” —- Jaime Troiano

O Sua Marca Vai Ser Um Sucesso vai ao ar aos sábados, às 7h55 da manhã, no Jornal da CBN.

Estudo mostra risco de colapso no atendimento a Covid-19 em cidades brasileiras

 

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Ouvi agora há pouco, a informação de repórter da CBN que o Rio não tem mais vagas de UTI na rede estadual e os único leitos disponíveis estão no Sul do Estado, havendo mais de 350 pacientes a espera de atendimento. A notícia desta manhã vai ao encontro dos dados que divulgamos mais cedo, no Jornal da CBN, a partir de estudo que mostra a capacidade de atendimento a pacientes com COVID-19, em leitos de enfermaria, leitos de UTI e respiradores mecânicos, nas principais capitais brasileiras. A simulação tem como base o ritmo de crescimento no número de pacientes infectados e necessitando atendimento, registrado em 19 de abril, pelo Ministério da Saúde —- esse trabalho tem sido atualizado a cada três dias.

 

São apresentados três cenários para cada uma das cidades analisadas. A taxa de ocupação tem como base 2019 — em dois cenários essa taxa de 2019 é reduzida em 50% e toda a oferta é destinada para pacientes com COVID-19; no terceiro cenário, toda a taxa de ocupação de leitos e respiradores é destinada às pessoas infectadas pelo novo coronavírus.

 

Nas simulações se prevê que de 5% a 12% dos infectados tenham de receber atendimento hospitalar. Em um dos casos, o atendimento ocorre pelos serviços público e privado, conforme a cobertura dos planos de saúde; e nos outros dois, considera-se que o coronavírus atinja as populações mais pobres e aí a demanda aumenta na rede pública, com 80% dos atendimentos.

 

O trabalho foi realizado pela doutora Márcia Castro, professora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard e chefe do departamento de Saúde Global e População. Na entrevista ao Jornal da CBN, ela comentou que a atual pandemia ‘expõe as desigualdades locais da população’, já que se verifica a inexistência de infraestrutura em algumas regiões, o que deixa as pessoas mais expostas. Conforme essa exposição ocorre, maior é a pressão do sistema de saúde, especialmente no setor público, onde leitos e respiradores provavelmente não esteja mais à disposição nas primeiras semanas de maio, conforme a cidade analisada.

 

miltonjung · Jornal da CBN entrevisa Dra Márcia Castro, da Universidade de Harvard

 

RIO DE JANEIRO

 

Conforme o estudo, no Rio de Janeiro, o melhor cenário prevê que a rede pública alcançará o seu limite no dia 2 de maio, ou seja, em oito dias, com a ocupação de todos os leitos de enfermaria e de UTI; se houver leitos extras, esse limite será alcançado no dia 4 de maio — em qualquer uma das duas situações, o número de respiradores mecânicos é capaz de atender os pacientes até o dia 14 de maio. Ou seja, teremos respiradores, mas não teremos leitos, já na primeira semana do mês.

 

O pior cenário para o Rio, aquele que prevê uma quantidade bem maior de atendimento na rede pública, e com 12% dos infectados precisando de leitos, o colapso se dará agora na UTI; dia 28 de abril, nas enfermarias; e, na primeira semana de maio, no caso de ventiladores mecânicos.

 

O Rio, em todas as simulações até tem respiradores por um tempo considerável, mas faltarão leitos.

 

FORTALEZA

 

Em Fortaleza, a persistirem os sintomas, o colapso no atendimento está prestes a acontecer. No melhor cenário, já estará faltando leito de UTI; no dia seis de maio, não se terá mais leito de enfermaria; e no dia 8 de maio, chega-se ao limite de uso de respiradores. Ou seja, em Fortaleza, mesmo com leitos extras e hospital de campanha, não haverá mais espaço em UTI. As enfermarias e os respiradores serão suficientes apenas para a primeira semana de maio.

 

DISTRITO FEDERAL

 

No Distrito Federal, a falta de UTIs já será sentida agora e de enfermarias, nos dias 5 ou 6 de maio. Os ventiladores são suficientes para atender os pacientes até os dias 11 de maio. Na pior hipótese até o fim da próxima semana. Há um risco, portanto, de o colapso ocorrer já na semana que vem. De uma maneira geral, haverá respiradores para os pacientes de COVID-19, mas será necessário a criação urgente de leitos de UTI.

 

MANAUS

 

Manaus é um caso dramático: o sistema entra em completo colapso em duas semanas se não forem criados novos leitos de enfermaria e UTI e colocados à disposição mais respiradores mecânicos. No melhor cenário, dia 26 agora chega-se ao limite das UTIs; no dia cinco de maio, chega-se ao limite das enfermarias, e no dia 9 de maio, o número de respiradores não será mais suficiente para as pessoas.

 

Ainda durante a entrevista, a Dra Márcia fez questão de ressaltar que a única forma de se conseguir conter esse colapso em algumas das principais cidades brasileiras é com isolamento social acirrado, evitando circulação e aglomeração de pessoas e respeitando distanciamento. Maior será o caos quanto menor for o isolamento e as medidas restritivas. E diante disso, ela lamenta que falte um discurso único e focado neste sentido, no Brasil.

Escrever e rezar

 

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foto: Pixabay

 

Na série de textos que publico desde a semana passada, resultado de capítulo escrito em livro que tem como tema a Expressividade, deparei com trecho dedicado ao silêncio e ao quanto devemos valorizá-lo no discurso. Silêncio é pausa e a pausa enfatiza o dito e o a ser dito; oferece espaço à reflexão, o que nos leva à aceitação, à indignação ou à depressão.

 

 

Verdade que no livro falava do silêncio em outra dimensão —- mas foi o suficiente para me despertar para o que experimentamos hoje. Nunca como agora, o silêncio tem sido tão freqüente em nosso cotidiano, mesmo que o confinamento imposto pelo vírus seja em família. É um choque diante do que vivenciávamos até então, em que a algaravia das redes sociais nos impedia de ouvir o outro e a nós mesmos.

 

O silêncio de agora, que está na rua com poucos carros que se atrevem a passar, e com a ausência das crianças no pátio da escola na esquina, nos permite tanto ouvir os passos do vizinho no corredor da casa ao lado quanto os passarinhos que se divertem com a calmaria urbana.

 

De todos os sons que se acentuam, nenhum é mais incômodo do que o da própria mente, onde nossos pensamentos percorrem o passado e o futuro, sem respeitar o presente. É como se o tempo todo, você estivesse dialogando com alguém que o conhece mais do que nenhum outro seria capaz de conhecê-lo. Sabe de seus segredos, seus medos e suas fragilidades. Uma ameaça constante, da qual não conseguimos nos afastar porque segue dentro da gente. Persegue a gente.

 

Imagino que refletir o silêncio dessa maneira é um sinal de alerta, que não devemos desdenhar. Desde os primeiros dias de isolamento, médicos, gaiatos e amigos nos chamam atenção para a necessidade de protegermos também nossa saúde mental. Porque do vírus, temos alguns instrumentos para nos defender: a reclusão, o distanciamento, a máscara e a sorte de não cruzar por alguém contaminado. Da mente, não há como fugir. Está ali o tempo todo. De cara lavada. Sem máscaras.

 

O medo que nos cerca pela doença que viraliza, que faz sofrer, infecta e mata, se estende a todas as outras ameaças que temos em pensamento. O que estava lá guardado em algum lugar qualquer da alma, renasce. O pecado redimido volta a ser pecado. O temor recluso retorna para nos apavorar. Um sentimento indescritível de que você seja a causa de um mal maior que vai contaminar pessoas inocentes.

 

Recomenda-se meditação. Fala-se em buscar alguma distração. Prefiro escrever, com todos os limites da minha escrita; e rezar, com todas as dúvidas da minha crença. São os únicos instrumentos que tenho em mãos para conter toda essa apreensão, após um mês em confinamento completado nesta terça-feira.