Conte Sua História de São Paulo: que saudades de Gepp e Maia

Marcílio Aguiar Filho

Ouvinte da CBN

Ilustração do “Infogol” desenhado por Gepp e Maia, no JT

A memória, o que fica guardado em nosso “HD”, às vezes nos surpreende. Não é raro eu acordar quando o ponteiro maior do relógio vagueia entre o 3 e o 4. Por não ter razão para me levantar da cama, minha mente logo é tomada por pensamentos em profusão que duram minutos, horas, até me conduzirem à insônia. 

Outro dia, num desses surtos de “memorite”, pintou do nada a lembrança de quando era leitor assíduo do extinto “Jornal da Tarde”, de São Paulo. Nas décadas de 1970, 1980 e até o início dos anos 1990 para mim era obrigatória a leitura desse diário, direcionado ao público mais jovem, com uma apresentação gráfica diferente dos sisudos jornais tradicionais, mas nem por isso de conteúdo inferior. Pelo contrário, era mais enxuto, e abordava com competência todos os assuntos: política, economia, artes, cultura, esportes etc. Eu me interessava especialmente pelos cadernos “divirta-se”, com conteúdos de cultura, diversão e artes e pelo caderno de Esportes, que, se não me engano, o jornal foi pioneiro nesse quesito. 

Era muito bom ler colunistas de diversas especialidades. Na economia, Celso Ming; em variedades, Telmo Martino, que de forma bem humorada, e às vezes venenosa, comentava sobre as celebridades da época e os acontecimentos sociais. As crônicas divertidas de Moacir Japiassu, as críticas de cinema a cargo de Rubens Ewald Filho. Aguardava com ansiedade as segundas-feiras para ler a ótima coluna de Lenildo Tabosa Pessoa sobre aviação, uma das minhas paixões. 

Nos esportes, as grandes coberturas do GPs de Fórmula 1, as colunas sobre futebol de Alberto Helena e seus belos textos na “bola de papel”; Roberto Avallone e o ímpar Nelson Rodrigues, que transpunha para a coluna do futebol a mesma contradição entre drama e bom humor que caracterizavam sua obra teatral. Ainda tinham as polêmicas discussões entre paulistas e cariocas, no auge do bairrismo provinciano, hoje transformado pela globalização das redes sociais em intolerância e ódio extremos, em qualquer assunto que possibilita pontos de vistas diferentes. 

O que falar da capa do JT em 6 de julho de 1982? A foto de um menino segurando o choro, com a camisa da Seleção Brasileira e abaixo: “Barcelona, 5 de julho de 1982”, como um epitáfio.

Essa imagem, captada com sensibilidade extraordinária pelo fotógrafo Reginaldo Manente e escolhida com não menos felicidade pelo editor, é a mais perfeita confirmação do dito popular: “uma imagem vale por mil palavras”. Eu digo por milhões de palavras que não conseguiriam expressar de forma tão precisa e definitiva o sentimento de quem esteve presente ou acompanhou pela TV a inesquecível “tragédia do Sarriá”. 

Todas essas lembranças do querido JT passaram num relance em minha mente para se fixar em outra grande atração que não vi mais em outro jornal. Os gols mais importantes da rodada eram desenhados com detalhes e precisão; as charges e caricaturas dos jogadores figuravam no caderno de esportes. Também ao final de todo campeonato não podia faltar o pôster do time campeão, feito com muito bom humor e arte pelas mãos dos dois mestres do traço. Para mim a assinatura “Gepp e Maia” era a síntese daquele jornal. Tenho saudades daqueles tempos, tenho saudades de Gepp e Maia! 

Marcílio Aguiar Filho é personagem do Conte Sua História de São Paulo. A sonorização é do Cláudio Antonio. Fique atento porque já estamos nos programando para mais uma série especial do Conte Sua História: escreva agora o seu texto e envie para contesuahistoria@cbn.com.br. Para conhecer outros capítulos da nossa cidade, visite meu blog miltonjung.com.br ou o nosso podcast.

Jornal da Tarde

 

Por Carlos Magno Gibrail

 

 

Em 1966 o mundo já sabia que a massificação de consumo era coisa do passado e, que boa parte dos produtos e serviços teria que respeitar a segmentação de mercado. Não somente a de preços, mas a de comportamento. Pessoalmente,com 24 anos, iniciava uma nova vida familiar e profissional. De solteiro a casado, de estudante a economista. Atuando no jovem e promissor mundo da moda, ávido por conhecimento, novidades, e viciado em leitura. Sentia falta apenas na informação diária, de um jornal que correspondesse à atualidade em forma e conteúdo. Nesta época música, artes, cinema e teatro mostravam a sua criatividade, num momento de extraordinária ruptura. Talvez em resposta ao regime de força então vigente.

 

E, em quatro de janeiro de 1966 tivemos a surpreendente aparição do Jornal da Tarde. O mais belo e funcional jornal brasileiro. Revolucionário na paginação e no texto. Segundo Mino Carta, seu criador, a inspiração veio do jornalismo em “forma de literatura” surgido nos Estados Unidos na década de 60 com Norman Mailer, Tom Wolfe e Truman Capote, dentre outros. Além disso, era um periódico vespertino, com a proposta de trazer alguma informação nova em relação aos jornais matutinos. Foi assim até 1988 quando a família Mesquita decidiu transformá-lo em matutino com a justificativa de enquadrá-lo em publicação nacional.

 

A proposta de contemporaneidade e de absoluta criatividade dentro dos parâmetros da “literatura” citada por Mino, aliada a uma fotografia artística, não é fácil de ser mantida. Ficar no clássico e tradicional é sempre mais seguro. Dos 46 anos de vida, encerrados no dia 29 de outubro, se nem todos foram bem vividos pelo Jornal da Tarde, ao menos a maioria o foram, e deixaram um vazio. Talvez com a mesma similaridade da música, da arte, do cinema e do teatro que vivemos hoje. Muito menos em função de saudosismo e muito mais uma questão de ciclo. Tom Jobim, Vinicius de Morais, Anselmo Duarte, Glauber Rocha, Nelson Rodrigues deverão surgir numa próxima geração. É o que esperamos. Juntamente, é claro, com um jornal que seduza a geração Z. Ou será A?

 


Carlos Magno Gibrail é mestre em Administração, Organização e Recursos Humanos, e escreve às quartas-feiras, no Blog do Mílton Jung