Hoje é o Dia do Rádio

 

Landel de Moura, padre gaúcho, foi pioneiro ao desenvolver equipamento que se assemelhava ao rádio. Há quem diga ter o religioso criado está traquitana antes mesmo do italiano Guglielmo Marconi, mas a burocracia estatal o impediu de registrar a invenção. Apesar da criatividade do conterrâneo, coube a Roquete Pinto a façanha de montar a primeira estação de rádio no Brasil e, por isso, a data de nascimento dele, 25 de setembro, foi escolhida para homenagear o veículo.

Em 2004, tive oportunidade de editar o livro “Jornalismo de Rádio” (Contexto) do qual reproduzo as duas primeiras páginas neste post para lembrar a data. Hoje, também, estarei no programa Tá Área do canal SporTV, às seis da tarde, para falar do rádio e seus 86 anos no Brasil. Até lá e aproveite o texto a seguir para deixar sua opinião sobre o rádio brasileiro.

Sete da manhã. O telefone toca na redação de uma rádio brasileira.
Ninguém atende.
Um acidente na principal rodovia de acesso à capital interrompe o
trânsito.
–- Desloca o helicóptero para lá.
O telefone volta a tocar.
Na Zona Sul, a polícia ameaça entrar no prédio ocupado por famí-
lias sem-teto.
–- Manda o repórter que iria cobrir a chegada do ministro no aeroporto.
Mais uma vez, insistentemente, o telefone.
–- Deixa tocar.
Tentativa de fuga em um distrito policial. É na Zona Norte.
–- Cadê o repórter das sete que ainda não apareceu?
O toque do telefone é irritante, atrapalha a concentração do reda-
tor, que precisa terminar o texto do noticiário.
Brasília avisa que a reunião ministerial vai começar mais cedo.
–- É muita gente para entrevistar, precisa de duas equipes por lá.
O barulho do telefone ainda incomoda. O editor passa correndo
ao lado. Não dá tempo de atender. Tem que entregar o cartucho com
o destaque que entrará no ar dali a pouco.
Do estúdio, vem um chamado:
–- Já confirmaram onde será a reunião dos líderes dos partidos?
Quase não dá para ouvir a pergunta. O telefone atrapalha.
Da central técnica, o aviso:
–- Rio já gravou, e Minas, também.

O grito se mistura ao som do telefone. Alguém, finalmente, tem a
idéia genial: Tira o fone do gancho!

Problema resolvido. O telefone pára de tocar. Ninguém mais pre-
cisa atender a ligação. Afinal, todos têm mais com que se preocupar.
Deveria ser apenas um ouvinte reclamando que, desde cedo, está sin-
tonizado na rádio, mas até agora não conseguiu a única informação
que realmente lhe interessava: a previsão do tempo. É sempre assim,
dão-se todas as notícias e ainda aparece alguém para dizer que falta
alguma coisa:

–- Rádio é bom, o que estraga é o ouvinte.

A cena descrita acima não é obra de ficção. A notícia não espera acon-
tecer. Não marca hora. Está prestes a surgir, sem pedir licença. E na di-
nâmica da redação, é preciso se multiplicar para cobrir todos os fatos. O
tempo é curto. Ninguém consegue parar a máquina. Lembra Tempos
Modernos, de Charles Chaplin. Nessa fábrica, os operários são jornalistas,
seres humanos – até que provem o contrário. Na linha de montagem
tem computadores sobre as mesas; na central técnica, gravadores e fios;
além de centenas de pequenos botões sobre a mesa de som. Tudo e todos
mobilizados para uma só finalidade, transformar fatos em notícia.

A velocidade do trabalho dentro de uma redação de rádio gera
distorções. Leva o jornalista a esquecer que se o objetivo é transmitir
notícias, este só existe porque na outra ponta tem o cidadão para ser
atendido, o ouvinte. Sem ele não há razão para o rádio ser o que é.
Nem para a existência do jornalista, ou da própria notícia. Trabalha-se
em função desse ouvinte , por causa dele e só para ele, por mais que os
interesses comerciais, empresariais e de mercado nos levem a pensar
diferente, com uma lógica consumista.

O ritmo alucinante da redação é resultado da agilidade, caracterís-
tica marcante do rádio, da qual abrir mão nunca será viável, mesmo
com a “concorrência” do telefone e de outros tantos fatores que cons-
piram contra a boa execução do trabalho. O jornalista que, contami-
nado por essa dinâmica, esquecer o motivo de estar ali, deixa de ser
jornalista. Transforma-se em burocrata. Um carimbador de cartório
que autoriza ou recusa um documento – no caso, a notícia – sem ter
noção do impacto na sociedade da medida adotada.


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