"Falta uma visão global da cidade", diz Lerner

 

Protesto no M'Boi Mirim

 

“Falta uma visão global da cidade” disse o urbanista e arquiteto Jaime Lerner em entrevista nesta segunda-feira ao Jornal da CBN. Com a experiência de quem ofereceu soluções para Curitiba e se transformou em referência internacional Lerner ensina que a cidade é uma estrutura de vida, trabalho e lazer e para se enfrentar os desafios impostos aos governantes é preciso soluções conjuntas. Ele entende que além das questões básicas como educação, saúde e segurança, é preciso estar preparado para encarar três pontos fundamentais, hoje em dia: mobilidade, sustentabilidade e tolerância.

 

Uma das coisas que o incomoda é o fato de a maioria das pessoas insistir na manipulação da tragédia, sempre apresentando os dados negativos da cidade, reclamando do seu tamanho e da falta de dinheiro no Orçamento. Defende que se resolva os problemas com o que se tem e se use a nossa energia para mudar tendências: “se você projeta a tragédia, aumenta a tragédia”.

 

Jaime Lerner diz que é um falso dilema que se coloca à população quando se discute investimento em carro ou em metrô. Alargar ruas e avenidas para melhorar a fluidez é transferir o congestionamento de um ponto para outro, e as cidades não têm dinheiro suficiente para ampliar as linhas de metrô. O que fazer então? Como mais de 80% das pessoas andam na superfície deve-se “metronizar o ônibus” colocando-os a circular em corredores inteligentes que aumentem a velocidade do transporte. Usa como exemplo o projeto de mobilidade do Rio de Janeiro para a Copa do Mundo e Olimpíadas, onde se estende apenas uma linha de metrô e se coloca o restante do dinheiro na modernização do sistema de ônibus.

 

“A cidade tem de ser como uma tartaruga, exemplo de habitação, trabalho e movimento, tudo junto”, compara Lerner que enxerga o casco da tartaruga como uma tecitura urbana que se for dividida mata o animal. “Está se separando a cidade por funções, separando as pessoas por guetos de gente rica e guetos de gente pobre.” Para Lerner é preciso resolver melhor a convivência das pessoas, aproximando o trabalho da casa e a casa do trabalho, o que reduziria a necessidade de investimento em transporte.

 

O que será que o seu candidato a prefeito e a vereador pensam sobre isto? Pergunte a ele e cobre soluções para os problemas que fazem parte do nosso cotidiano, antes de definir o seu voto.

 

<a href="”>Ouça a entrevista completa de Jaime Lerner ao Jornal da CBN

Soluções simples para cidades complexas, diz Lerner

 

Jaime Lerner é ex-prefeito de Curitiba, ex-governador do Paraná e ex-político do Brasil. Há oito anos, preferiu se dedicar as carreiras de arquiteto, urbanista e sonhador nas quais tem alcançado resultados impressionantes. Apesar disso, a lembrança da maioria dos brasileiros ainda é do início de sua vida política quando transformou a capital paranaense em referência internacional.

Convidado pelo programa Roda Viva, da Tv Cultura, tive oportunidade de conversar com ele, na tarde dessa segunda-feira, no ar e no bastidores. Tanto em um lugar como no outro é o mesmo otimista de sempre. Acredita na capacidade do homem, por mais que este tenha a tendência de complicar as coisas simples. E na possibilidade de as grandes cidades se transformarem em ambientes de convivência e qualidade de vida, mesmo que identifique em nossa realidade a existência de uma guerra urbana.

“Sou otimista por que já vivi isto, já fiz isto, tenho legitimidade porque fiz algumas coisas, eu sei fazer isto”, ressalta para que este sentimento não se confunda com ilusão.

Lerner fala pausado, parece cansado, mas é extremamente dinâmico nas suas ideias. Desenha uma rua móvel, que se constrói à noite e se desmonta de dia, ou vice-versa. Projeta um carro elétrico para curtas distâncias e para ser usado de maneira coletiva. Desenha soluções para ilhas, cidades e prefeituras. Para São Paulo, também, apesar de a prefeitura ter dado de ombros à sua proposta para a Cracolândia.

Acredita que com a política de acumputura urbana consegue melhorar a qualidade de vida em qualquer ambiente em três anos.

Para resolver catástrofes como a que assola a serra fluminense, entende que precisamos primeiro dar solução às tragédias do dia-a-dia. Lembra que o trânsito e a falta de planejamento urbano matam tanto como as guerras. Na capital paulista, morrem em média 1.400 pessoas por ano. No Rio, já são mais de 600 os enterrados pelas enchentes e deslizamentos de terra.

Não se assusta com a dimensão da capital paulista. Critica autoridades e especialistas que a usam para justificar a falta de ação. Para ele, o tamanho não é desculpa. E diz, fora do ar, que a Cidade do México com seus quase 9 milhões de moradores hoje é bem melhor do que São Paulo, que tem pouco mais de 11 milhões. “Não é a escala, é a visão que interessa”, destaca.

Para falar de solução para as tragédias, fala de habitação e mobilidade. E defende que as cidades copiem a tartaruga – abrigo, trabalho e locomoção no mesmo lugar. “O casco lembra a tessitura urbana, se quebrarmos este casco, a tartaruga morre”, completa a analogia.

Não gosta da ideia adotada pelos Governo e prefeitura de São Paulo que ampliaram a Marginal Tietê e apostam todas suas fichas no metrô. “Em São Paulo, 84% das pessoas se deslocam na superfície, para o metrô funcionar bem a superfície precisa funcionar bem”. Lerner não está no time dos que defendem o fim do automóvel, entende que todos os modais têm sua função. É necessário metrô esperto, ônibus esperto e carro esperto, reforça.

E o que fazer para resolver o problema de agora, quando centenas de pessoas morreram e milhares perderam as casas ?

Quer abrigo imediato para as pessoas, seguro para as casas que serão abandonadas e correm o risco de serem saqueadas, proibição de moradias nas áreas de risco e a criação de uma zona franca que isente de impostos quem se comprometer a criar empregos nas regiões que sofreram os desabamentos.

E para as cidades brasileiras ?

Mobilidade, sustentabilidade e sociodiversidade são a solução, explica de maneira simples.

Ouvir Lerner por uma hora e meia, mais o tempo extra antes e após o programa, nos faz acreditar que as grandes cidades são possíveis, as soluções estão na simplicidade e os homens é que complicam a coisa. E nos dá esperança de que é possível mudar a qualidade de vida no ambiente urbano.

Mas para isso é preciso sonhar: “Você tem de ter um sonho e propor um cenário que seja desejável para as pessoas. Quando as pessoas veem um sonho realizável, elas se transformam”. Não se fruste se o sonho não se realizar, pois se você se dedicar, um dia este sonho vai te cutucar e perguntar: lembra de mim ? – ensina.