
Terminei a sexta-feira assistindo, na tv à cabo, à 42 – A História de uma Lenda, que tem como personagem principal Jackie Robinson (Chadwick Boseman), primeiro jogador de beisebol negro a entrar na Major League, na década de 1940, recrutado pelo dono da equipe dos Dodgers, do Brooklyn. O executivo Brach Rickey (Harrison Ford) desafiou o racismo que manchava os Estados Unidos enquanto Robinson suportou as mais absurdas ofensas e agressões de torcedores, colegas e jogadores, demonstrando abnegação e talento. A atitude deles escreveu capítulo importante do combate à segregação e transformou Robinson em lenda atualmente representada pela sua camisa 42, número que foi aposentado pelo beisebol americano, em 1997, e é vestido por todos os jogadores no dia 15 de abril, data que ele estreou na liga “dos brancos”. Evidentemente que os roteiristas precisam se esforçar e adaptar as histórias à tela e ao tempo e nos apresentam um resumo de fatos marcantes, alguns reescritos para glamourizar a cena. Mas é inevitável que percebamos como o esporte por sua própria beleza e dramaticidade é protagonista de momentos fantásticos que, apesar de surgidos de forma espontânea, parecem terem sido previamente escritos por alguém disposto a criar um filme inesquecível.
Nestas três últimas semanas, temos sido espectadores da Copa do Mundo de futebol com suas histórias incríveis contadas ao vivo, sem roteiro prévio, e captadas por centenas de câmeras ultramodernas que registram lances, gestos, expressões e palavras por diferentes ângulos e reproduzidas à exaustão e lentidão suficientes para estender nosso sorriso e sofrimento até o próximo capítulo. O corpo de Neymar estendido no gramado quase ao fim da partida contra a Colômbia, vítima de agressão sofrida pelas costas, é uma dessas imagens que serão eternizadas e nos ajudarão a entender o fim do filme, feliz ou não. Fico imaginando que roteirista, se não a nossa própria vida, seria capaz de escrever aquele instante. O maior craque da seleção local, aquele em que o país que sedia a competição deposita sua esperança, abatido pelo adversário com um tiro certeiro, traiçoeiro, sem direito à defesa. Com o rosto esfregando de dor na grama, ele agoniza à frente de seu público e seu choro é compartilhado pela enorme arquibancada que a Nação se transformou desde que se iniciaram os jogos. A alegria que se desenhava com a classificação à semifinal ganha tons de cinza e a incerteza se torna unânime mesmo entre os mais otimistas. O que será de nós a partir de agora? O escritor conduz a plateia a imaginar o pior.
Desculpe-me se você, caro e raro leitor deste blog, está cético com nosso futuro nesta Copa. Eu tendo a enxergar em cada drama o ponto de virada da história, como se fizesse parte da estrutura mítica que os contadores usam para criar narrativas poderosas que impactam todos nós e nos levam a grudar os olhos nas páginas seguintes, ansiosos por descobrir o final, certo de que o autor está pronto para nos impressionar. Não acredito nos que pregam a derrota antecipada pela ausência de Neymar nas duas partidas finais deste Mundial. Os vejo como incapazes de compreender o enredo planejado pelo destino que nos quer campeão. Temos, porém, de provar que somos merecedores desta conquista e fortes para suportar o gol contra no início da história, o futebol mal jogado nas primeiras partidas e a bola que explodiu na trave no minuto final. Vamos forjando nossos ídolos: o goleiro que chora antes de se transformar em herói ou os zagueiros que desbravam o ataque para nos fazer vencer. Até o título precisaremos ainda encontrar aquele que vai substituir o insubstituível – talvez vestir a todos com o nome do craque ferido na camisa. E esperar pela redenção de muitos dos que ainda não estiveram a altura de seu nome. Dentre eles, o escritor haverá de escolher um para marcar o gol definitivo, que nos permitirá chorar diante da imagem do capitão levando a taça às mãos de Neymar, sentado em uma cadeira de rodas.
Insisto em acreditar que Luis Felipe Scolari saberá, como nenhum outro, escrever esta história para nós.