De Mar e Lua e Sol e Sal

 

Por Maria Lucia Solla

 

 

Descalça, começo a escrever na areia da praia mais um capítulo da minha vida. Na primeira página a ilustração aponta para outra guinada, a troca de oitocentos metros de altitude, pela beira do mar. Moro na praia agora, e nada do que me cerca é meu; ou quase nada. Cheguei dia 17 de dezembro, de mãos dadas com a Lua Cheia em Gêmeos, Vênus toda faceira no banco do carona e Valentina no banco de trás.

 

Todo dia acordo e vou dormir embevecida olhando fotografando e ouvindo o Mar, que trago no Maria do meu nome. Fico imóvel por espaços mágicos de tempo e espaço, observando se espelhar nas ondas, a Lua, que também se revela nos mistérios de Lucia; e meu corpo vai se recompondo, célula por célula, de dentro para fora. Sem pressa e sem muita ansiedade. Afinal atendi aos apelos do Sol e do Sal, que gritam em mim.

 

Em 1996 morei aqui, e foi um dos anos mais felizes da minha vida. Hoje, seis edifícios me separam do apartamento daquela época, e 17 anos me separam daquele tempo. Agora me divido outra vez entre fazer o que amo e planejar o que vai me proporcionar um dia a dia organizado.

 

Para mim, dois mil e treze foi um ano de restauração, mas eu me restaurava, me restaurava, e ainda assim alguma coisa não ia bem. Sentia falta do céu, da Natureza. Me dei conta de que estava plantada no concreto, e me arranquei.

 

Aos poucos vou me desligando da correnteza do nós versus eles, da animosidade latente entre amigos, cada um agarrado à sua certeza, do seu lado do rio. Todo mundo politizado e especialista em história da política do dia para a noite. Eu inclusive. Mais sectário preconceituoso nauseabundo autoritário burro e vergonhoso esse processo político brasileiro não poderia ser, e eu que sou anarquista de natureza-a ia me deixando levar pela onda. Prefiro a do Mar.

 

Então, se lembrar no meio do festerê, ergue um brinde pelo meu aniversário, que é no dia 27. Peço desculpas pelas derrapadas, brecadas súbitas e arranques de cantar pneus, durante todo o tempo que nos encontramos aqui, e desejo a você um Feliz Natal com saúde e paz.

 

Até a semana que vem.

 


Maria Lucia Solla é professora de idiomas, terapeuta, e realiza oficinas de Desenvolvimento do Pensamento Criativo e de Arte e Criação. Aos domingos escreve no Blog do Mílton Jung

Foto-ouvinte: Uma lua “ensolarada”

 

A lua de São Paulo

O sol insiste em deixar suas marcas na lua. Ou seria a lua que insiste em aparecer quando a estrela no céu deveria ser o sol ? Tudo vai depender da hora em que esta foto foi feita por Massao Uehara, autor desta bela foto, ouvinte-internauta do Jornal da CBN, membro da rede Adote um Vereador (e, claro, um incrível fotógrafo)

De lua

 

Por Maria Lucia Solla

Ouça De lua na voz e sonorizado pela autora

Galeria de Eduardo Amorim no Fliuckr

Mulher é lua, tem fase. Incha, fica plena, regozija, depois murcha, murcha, diminui. Muda a forma: escurece, emagrece, emudece, quase desaparece.

Um dia, invadida pelo calor solar, volta aos poucos a inchar.

Só me parece importante lembrar que tudo isso – fase, forma, luz, escuridão – é ilusão.

eu mulher
eu lua
lua mulher

tenho fase de alegria
colorida como fantasia
onde o riso brota fácil sem regar
tudo vai e vem
em pacote envolto em linda fita

tenho outra porém
de tristeza infinita
dura seca escura maldita
lágrimas rolam
feito folhas no outono
e me vejo sozinha
no amargo abandono

É mais fácil falar de tudo isso quando se está no quarto-crescente porque é aí mesmo, é desse lugar que a gente pode perceber uma nesga da realidade, um vislumbrar da sanidade.

“Na verdade, somos tão voltados para nós mesmos, para o nosso umbigo, para a imensa muralha que é o nosso ego, que somos, na verdade, absolutamente cegos.

Todos.”

Eu disse isso na semana passada, e ouvi bem o que eu mesma disse. A velha história dos ouvidos que estão mais próximos da boca que fala ou, a gente só tenta ensinar o que precisa aprender.

Pois agora, na fase ascendente, percebo ainda melhor que não são os grandes acontecimentos, os presentes caros, os momentos de fogos de artifício e de champanhe francês que vêm nos resgatar da escuridão da dor, do breu da solidão.

São coisas prosaicas: pequenos sorrisos que só arqueiam os cantos da boca, a mão que se estende e os braços que se abrem no gesto que te aconchega, que oferece conforto, que alivia tanto a descida quanto a subida. É o brilho intenso do olhar que vem certeiro na tua direção, a palavra quase dita, o telefonema inesperado, o doar-se, o oferecer de si mesmo, um pedacinho que seja, que dão o impulso para o passar de fase.

é cada pequeno evento que faz que eu
mulher que anseia
trilhe de novo a via que leva
a mais uma fase cheia

eu mulher lua
vestida nua
no quarto na rua

é cada pequeno gesto
percebido reconhecido recebido
que me ajuda a recolher
os fragmentos da fase vazia
que me deixa
contente
e me faz de novo
gente

Maria Lucia Solla é terapeuta, professora de língua estrangeira, realiza curso de comunicação e expressão e escreve aos domingos no Blog do Mílton Jung em todas fases da lua


Imagem da galeria de Eduardo Amorim, no Flickr

Foto-ouvinte: Cores no luar

Noite de luar

Os automóveis que passavam em alta velocidade pela rodovia Ayrton Senna, em São Paulo, se transformaram em luzes coloridas nas lentes da câmera do ouvinte-internauta e colaborador do Blog do Milton Jung, Marcos Paulo Dias, que miravam o luar na noite de sábado de Páscoa. “Eu voltava para casa, depois de um dia de trabalho. Será que as pessoas encontraram tempo para apreciar a linda noite de lua cheia”, escreve Marcos.